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A conformação geral do campo da psicologia social30F

31 remete ao

behaviorismo, ao final do século XIX na Alemanha, ao condicionamento de comportamentos31F

32. Trata-se de condicionamentos dos corpos e das

mentalidades, por relações preestabelecidas entre estímulo e resposta. Por volta dos anos 1920, essa abordagem ganha uma dimensão específica na psicologia social, a de que o homem se torna humano a partir de processos de socialização. A família e a escola são os primeiros agentes desse processo, que continua ininterruptamente ao logo da vida dos indivíduos, em suas relações sociais. O processo de socialização também é responsável pela constituição de identidade e de todo o sistema simbólico. O conceito de identidade aparece intrinsecamente ligado ao de alteridade – a identidade se define na alteridade, que é a relação com o outro. A relação entre outros, chamada intersubjetividade, estrutura o sistema simbólico e também o transforma. A partir da década de 1960, a psicologia social passa por uma influência mais significativa do pensamento marxista e surge a abordagem da psicologia social crítica. Ela destaca que a identidade também se define na atividade, e traz à dimensão das relações sociais e seus efeitos psíquicos (e simbólicos) a dinâmica da reprodução social de maneira mais ampla – incluindo aspectos políticos e econômicos, como exemplo. Nesse período, Moscovici elabora a teoria das Representações Sociais, que vai se tornar uma forma de estudo crítico do senso comum – sua formação e suas transformações.

Moscovici publicou A representação social da psicanálise originalmente em 1961. A psicanálise é o case através do qual ele constrói sua investigação quanto à constituição de elementos do saber popular contemporâneo que derivam de conhecimentos construídos no campo mais restrito da Ciência.

31 Para uma introdução à psicologia social, ver, entre outros, Braghirolli (1994), Guaresi e

Jovchelovitch (1995), Lambert (1972), Lane (1987) e Silva (2007).

32 Esse momento e lugar aparece na história da arquitetura e do urbanismo e na história da arte,

como exemplo, quando se abordam algumas noções de vanguarda, Bauhaus, nova arquitetura-arte-urbanismo para um mundo novo. Das cozinhas ideais individuais e da biomecânica às cozinhas ideais comunais (na Rússia), o debate sobre o condicionamento dos comportamentos humanos parece ter um papel importante na construção das propostas e na aposta em que elas funcionariam.

A constituição simbólica do espaço

Uma ciência do real torna-se, assim, uma ciência no real, dimensão quase física deste. (...) Sua influência confere à ciência de que provém as dimensões de um importante fato social e implanta-a na vida cotidiana da sociedade. (MOSCOVICI, 1978, p.18-20, grifo do autor)

À percepção mais comum, especialmente entre os meios especializados em que tais conhecimentos se originam, de uma degradação de conceitos no processo de apropriação coletiva, o autor contrapõe o argumento de que se trata de um tipo particular de conhecimento, com características específicas. Ele não pode ser comparado ao conhecimento científico numa escala que vai do mais ao menos.

É evidente que a propagação de uma ciência tem um caráter criador. Esse caráter não é reconhecido enquanto nos limitamos a falar de simplificação, distorção, difusão etc. Os qualificativos e as ideias que lhes estão associadas deixam escapar o principal do fenômeno próprio de nossa cultura, que é a socialização de uma disciplina em seu todo e não, como se continua pretendendo, a vulgarização de algumas de suas partes. (...) Vê-se, pois, do que se trata: da formação de um outro tipo de conhecimento, adaptado a outras necessidades, obedecendo a outros critérios, num contexto social preciso. Por conseguinte, participa da homeostase sutil, da cadeia de operações pelas quais as descobertas científicas transformam o seu meio ambiente e se transformam ao atravessá-lo, e engendram as condições de sua própria realização e renovação (MOSCOVICI, 1978, p. 24, grifo do autor).

Na definição das especificidades do conceito proposto, o autor estabelece as diferenças em relação ao conceito de representação coletiva, que havia sido definido por Durkheim (2007, p. XXIII-XXV) e que indicava para a psicologia social a tarefa de estabelecer relações comparativas entre representações coletivas e representações individuais. As representações sociais, tal como definidas por Moscovici, se constroem em movimentos mais dinâmicos das relações sociais, que as reelaboram a todo momento. Esse movimento faz com que elas não sejam apenas do âmbito da constituição de noções, mas sejam também constitutivas de ações.

No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

... a representação é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação

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cotidiana de trocas e liberam os poderes de sua imaginação (Ibidem, p. 28).

O autor afirma que, como as ideologias, as representações sociais não costumam ser objeto de estudo e, talvez por isso, não há métodos suficientemente consolidados para tal pesquisa. Diante dessa falta, ele propõe que certas formas de estudo da “população de indivíduos” e certas formas de estudo da “população de documentos”, combinadas, podem fornecer material suficiente para uma análise a respeito. Para sua investigação quanto à representação social da psicanálise, ele trabalhou com uma amostra da população de indivíduos, procurando representar vários extratos da sociedade parisiense, através de um instrumento que chamou “caderno-questionário”, por ser parte questionário e parte entrevista. Para a população de documentos, ele selecionou recortes de jornal e aplicou a eles uma análise de conteúdo quantitativa32F

33.

33 A análise de conteúdo é um método de pesquisa usado em vários campos e com aspectos

tanto qualitativos quanto quantitativos (BARDIN, 2003; BUSCH et. al, 2005; FREITAS e JANISSEK, 2000). Começando como uma técnica para contar palavras e chegando a um método que permite interpretar (fazer inferências válidas sobre) qualquer tipo de comunicação – fala, escrita, gestos corporais, pinturas, monumentos – variando entre predominantemente quantitativo e qualitativo e entre finalidades linguísticas, psicológicas e sociais (entre outras), a análise de conteúdo pode assumir diversas nuances, dependendo da orientação teórica do pesquisador e da finalidade da pesquisa. Mesmo em situações aparentemente muito semelhantes, a maneira de fazer essas análises e de discutir seus resultados pode ser bem diferente, como no caso de meios de comunicação de massa impressos, ao comparar dois estudos de caso: enquanto o estudo de Miranda-Ribeiro e Moore (2002) é predominantemente qualitativo e enfatiza discussões sociais que envolvem a leitura crítica dos textos e a explicitação de sentidos e valores implícitos, o estudo de Ball e Wilmoth (1992) é predominantemente quantitativo, com ênfase em estatísticas, gráficos, tabelas e diagramas. Em qualquer das opções, a estruturação tem um papel fundamental na definição de temas, palavras e expressões que vão codificar o texto. A abordagem qualitativa tem menor risco de redução do texto às suas categorizações, que é uma das principais críticas ao método. A análise de conteúdo qualitativa foi um método de leitura e interpretação crítica utilizado em nossa pesquisa.

A constituição simbólica do espaço

Moscovici explica que as suas técnicas de pesquisa e análise constituem técnicas de observação33F

34, que colocam limitações às inferências possíveis. O

aprofundamento da análise do material e uma certa vigilância epistemológica que ele empreende são justificados pela sua preocupação em que o tipo de investigação que ele propõe possa ser reproduzido e ampliado em trabalhos semelhantes.

Ao longo do livro, o autor aponta e discute os resultados da pesquisa em vários níveis, que começam por apresentar e comparar os resultados encontrados em diferentes estratos sociais. Através das entrevistas, segundo ele, é possível também fazer inferências sobre o papel dos aspectos pessoais na formação das representações sociais, das experiências vividas no cotidiano em relação ao tema em pesquisa (a psicanálise) e à constituição psíquica mesma do indivíduo. Assim, aquele movimento que ele aponta no início da abordagem se expressa em sua riqueza, uma vez que ele conjuga diversos aspectos da vida, que são agrupados em estudos demográficos (como renda, escolaridade, sexo, idade), aqueles que constituem grupos sociais (como posição política, religião e tipo de profissão) e aqueles que se definem na dinâmica cotidiana de cada um (como tipo de relação com a psicanálise e predisposição psíquica para a apreensão das experiências).

34 A observação, assim como a etnografia aplicada, são métodos qualitativos utilizados com

frequência nas Ciências Sociais, de acordo com Angrosino e Pérez (2003) e com Chambers (2003), começando como métodos ditos científicos de investigação principalmente pelos trabalhos de Mallinovsky. Ao longo do tempo, esses métodos vêm passando por sucessivas transformações, da investigação antropológica de povos exóticos à observação participante das tendências pós-modernas (ANGROSINO e DE PÉREZ, 2003). Embora essas novas tendências apontem para a investigação da vida cotidiana, e sejam bastante flexíveis quanto à não-estruturação da pesquisa, assim como já pensem o pesquisador como alguém que faz parte do grupo pesquisado (ANGROSINO e DE PÉREZ, 2003; CHAMBERS, 2003; FAZITO, 2003), a observação participante permanece relativamente estruturada, rigorosa e objetiva, além do papel fundamental dos registros e, finalmente, as preocupações de ordem ética. O grau mínimo necessário de estruturação da pesquisa, e a relação formal com aqueles que se pretende observar, permanecem como ponto de questionamento e reflexão (ANGROSINO e DE PÉREZ, 2003). Em relação questão ética, valem as propostas de Angrosino e De Pérez, em termos de critérios para uma auto avaliação da ética da pesquisa. Descrever comportamentos de pessoas em espaços públicos na cidade pode causar que tipo de dano a elas? Talvez fazer essa pergunta nas especificidades de cada grupo, espaço e comportamento contribua para a reflexão a respeito da necessidade de obter o “consentimento informado” em cada uma das situações possíveis. A observação, como noção geral, orienta a conformação de experiências vividas como objetos de reflexão em nossa pesquisa. Ela, em muitos aspectos, se situa entre uma observação participante e uma “participação observadora” (LOURENÇO, 2014).

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No que se refere aos documentos, é possível perceber que os meios de comunicação de massa têm um papel fundamental na formação da representação, uma vez que eles fazem os recortes da teoria e os qualificam segundo juízos de valor, que se apresentam como aspectos da teoria. Esse material constitui grande parte do substrato básico que provoca o movimento de elaboração e reelaboração de representações.

O desenvolvimento das indicações iniciais quanto ao material sistematizado o leva a algumas formulações gerais sobre o processo pelo qual as representações sociais se constroem: a objetivação e a ancoragem. A objetivação

designa a passagem de conceitos ou ideias para esquemas ou imagens concretos. (...) A objetivação contribui, portanto, para edificar simultaneamente o núcleo imaginante da representação e aquilo a que se chama realidade social (MOSCOVICI, 1978, p. 289).

A ancoragem é o processo pelo qual o conceito novo se liga aos conhecimentos preestabelecidos, constituindo redes de sentidos.

A representação social elabora-se, para esse fim, como instrumento social polivalente (...) Converte-se, portanto, num sistema de interpretação parcialmente automático e, por isso mesmo, parte integrante do comportamento real e simbólico (MOSCOVICI, 1978, p. 289).

O autor conclui indicando que as falhas e as limitações da pesquisa e, consequentemente, da problematização, apontam para a importância de observar, além dos discursos (das pessoas e dos jornais), os comportamentos dos indivíduos.

Décadas se passaram desde a publicação original de A representação

social da psicanálise. Desde então, vários estudos têm sido realizados, no

sentido de ampliar e aprofundar a teoria e também de aplicá-la a diversos contextos e diversos tipos de representações sociais. Parte desses estudos trazem contribuições no sentido de discutir as maneiras específicas pelas quais os meios de comunicação de massa divulgam conceitos ou descobertas científicas, inserindo-as na dinâmica social. Essas maneiras não são contingenciais ou neutras, elas expressam interesses e jogos de interesses específicos, estão associadas a certas disputas de poder e têm pretensões em termos de implicações políticas, econômicas e sociais.

A constituição simbólica do espaço

Entre os diversos tipos representações sociais estudados, destacamos uma aproximação quanto ao espaço público, proposta por Jovchelovitch (1994, 2000). Inicialmente, a autora (1994) propõe, a partir de um trabalho essencialmente reflexivo entre associações de conceitos e abordagens, que as representações sociais encontram seu terreno privilegiado de produção e transformação na esfera pública, através da intersubjetividade.

... é através da ação de sujeitos sociais agindo no espaço, que é comum a todos, que a esfera pública aparece como o lugar em que uma comunidade pode desenvolver e sustentar saberes sobre si própria - ou seja - representações sociais. (JOVCHELOVITCH, 1994, p. 71).

Posteriormente (2000), ela traz essa abordagem para um caso concreto, discutindo as especificidades da constituição simbólica dos espaços públicos (simbólicos) no Brasil, através do processo de eleição e queda do ex-presidente Fernando Collor. A partir da sua pesquisa, ela propõe um conjunto de seis postulados que sintetizam os resultados e três conclusões ou propostas, sintetizados abaixo:

Postulados:

- ... há uma relação estrutural entre a gênese e o desenvolvimento das representações sociais. (...)

- ... as representações sociais são campos que contêm redes semânticas. (...) Neste sentido, as representações sociais são inseparáveis da dinâmica do cotidiano, onde a mobilidade das interações do presente pode, potencialmente, desafiar tradições estabelecidas (...) Estes dois aspectos, constância e mudança, são integrais na formação das representações sociais.

- As representações sociais, portanto, expressam a identidade de quem está envolvido no trabalho representacional. (...) É no espaço de interseção entre o Eu e o não-Eu que tanto as representações como as identidades emergem.

- As representações sociais são estruturas que envolvem, simultaneamente e inextricavelmente, a cognição, os afetos e a ação. (...) as representações sociais são atos de saber e de afeto.

- É no espaço de mediação entre sujeito social e alteridade, na luta para dar sentido e entender o mundo, que os trabalhos das representações sociais se encontram. Representações sociais portanto emergem e circulam em espaços de realidade intersubjetiva. - ... elas [as representações sociais] estão sempre permeadas de poder. A situação assimétrica de diferentes grupos sociais deve ser considerada seriamente, pois grupos diferentes possuem recursos desiguais no processo de propor e sustentar suas representações. De fato, estes imperativos sociais podem ser encontrados na própria estrutura das representações sociais.

Proposições:

- A vida pública é uma das condições de possibilidade para a emergência das representações sociais.

A constituição simbólica do espaço

- O social é subjetivo e objetivo ao mesmo tempo; ele engendra em sua dinâmica determinantes históricos, políticos e econômicos que restringem e estreitam as possibilidades da ação humana. (...) o social também é um espaço em que as novas possibilidades são propostas (...) Neste sentido, o social também é um espaço para transcender fronteiras institucionalizadas e para instituir novas fronteiras.

- A representação portanto é uma mediação que liga a presença e a ausência e uma fronteira que, ao separar o que está presente do que está ausente, permite um sistema de diferenciações emergir (JOVCHELOVITCH, 2000, p.175-181).

A autora faz uma crítica da noção de público no Brasil e chama a atenção para os aspectos de exclusão, de opressão e de desigualdade social dos quais a constituição histórica dessa noção é inseparável.

No caso brasileiro, as práticas sociais que ocorrem na esfera pública são repletas de contradições e revelam muito do estoque simbólico da história latino-americana. De um lado, elas envolvem violência, corrupção, e assassinato de crianças. De outro, elas envolvem carnaval, rituais de solidariedade mágica e alegria, bem como música e arte popular. (...) torna-se crucial entender as representações que definem domínios diferentes da vida, o que historicamente pertence ao público e o que historicamente pertence ao privado – e suas inter- relações. Tal entendimento pode contribuir para trazer de volta à vida pública brasileira o potencial de uma cultura que somente no domínio privado conseguiu expressar o melhor se si mesma (JOVCHELOVICH, 2000, p.192-193).

A autora, ao percorrer o processo histórico de constituição das representações sociais que envolvem a esfera pública no Brasil e ao articular esse processo ao caso específico de eleição e queda do ex-presidente Fernando Collor, traz contribuições pertinentes. Ela aprofunda o olhar para as dinâmicas, os conflitos e as contradições que envolvem a construção das representações sociais, ressalta os aspectos envolvidos no desenho de um fenômeno, de um conceito ou de uma ideia pelos meios de comunicação de massa. Numa sociedade profundamente desigual como a brasileira, ela também destaca as assimetrias de poder envolvidas no processo de construção e consolidação das representações sociais, para além dos meios de comunicação de massa, na relação intersubjetiva mesma.

Por fim, ela aponta a dialética que define as representações sociais, ao mesmo tempo com um papel crucial na reprodução do status quo e como condição privilegiada de sua transformação.

Tanto na construção geral do conceito de representações sociais por Moscovici quanto na sua aplicação e desenvolvimento em um caso particular por Jovchelovitch, o objeto é o saber popular. Mas a formação do conhecimento

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acadêmico também expressa condicionantes de representações sociais, uma vez que o processo de representação abstrata (teórica) do mundo não se separa da constituição do sujeito que a realiza. A estruturação e o funcionamento da Academia, o papel social de cada campo do conhecimento, as origens de classe dos agentes e sua experiência cotidiana também determinam maneiras de recortar e reelaborar o mundo. Nesse sentido, argumentamos que há também representações sociais acadêmicas (ou técnicas ou especializadas), isto é, noções socialmente construídas que se travestem de verdades pela sua alegada chancela científica. Da mesma maneira que as representações sociais, elas conformam o senso comum (acadêmico) e têm, na sua interiorização impensada, a condição de sua perpetuação. E também a possibilidade de serem questionadas e reconstruídas nas práticas sociais críticas.

O movimento de produção, reprodução e transformação das representações sociais é inseparável da vida cotidiana, tanto no que se refere às relações entre indivíduos e à constituição e ocupação de espaços simbólicos quanto à experiência concreta individual e coletiva dos corpos-no-espaço. Por um lado, o espaço experimentado com o corpo adquire sentido em um processo que envolve mediações. Isso faz com que a mesma experiência não tenha sempre o mesmo sentido, que ele mude de um grupo para outro ou no mesmo grupo, com o decorrer do tempo. Esse sentido não é neutro nem incidental, ele é estruturado dentro de um conjunto mais amplo de relações que garantem a reprodução do status quo. Por outro lado, é nessas relações que se constituem as possibilidades da crítica e da transformação.

A dimensão espacial da reprodução do status quo, nas abordagens de Bourdieu, Moscovici e Jovchelotitch aparece de maneira subjacente ou parcial: parcial porque a ênfase está em partes do espaço – o espaço simbólico, a dimensão simbólica do espaço, o traço cultural do espaço material, a materialidade da vida cotidiana (ainda que de maneira genérica), o espaço teórico (representação teórica das relações sociais); subjacente porque ele é pressuposto, como suporte de ações e relações que são problematizadas. Não há referência ou proposta explícita quanto ao espaço (como um todo) nem as partes abordadas se propõem como partes de um todo que se articula.

A constituição simbólica do espaço

O destaque para os aspectos espaciais dessas referências ou a apropriação delas como subsídio para uma reflexão quanto à reprodução do espaço se configura inicialmente como parte mesma da construção desta reflexão. A contribuição para a ampliação e o aprofundamento dessa leitura vem com a abordagem de Lefebvre (1969, 1970, 1972, 1976, 1991, 1999)34F

35, que se

dedica explicitamente ao entendimento do espaço como totalidade e às articulações entre as diversas partes nos processos de reprodução do espaço.

Há, em Lefebvre (1969, entre outros), uma ênfase especial à cidade industrial, que representa um ponto de inflexão significativo na história da cidade, apesar de tratar da história da cidade de maneira mais geral, e mesmo propor uma história global crítica do espaço centrada no processo de sua produção (1991).

O processo de produção da cidade industrial envolve não apenas a constituição de uma certa materialidade do espaço e de condições objetivas de vida, mas também a constituição de uma certa subjetividade, que estabelece