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Mas, qual é o papel especí ico destinado ao (à) pro issional do AEE?

SALA DE AULA DO ENSINO REGULAR

5.2 Defi ciência auditiva

5.2.1 De inições e conceitos

Inicialmente queremos parabenizá-lo por ter chegado até aqui, à penúltima Unidade do curso. Com certeza você aprenderá muito sobre os espaços educacionais na área de educação de surdos e também sobre o projeto do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e da Educação Bilíngue para alunos surdos, podendo construir uma ampla bagagem de conhecimentos e experiências acerca desta proposta.

Trabalharemos neste espaço as questões voltadas para as peculiaridades existentes no AEE e na Educação Bilíngue, para o aluno surdo. Este curso é voltado para a área da Educação Bilíngue, preocupa-se em fornecer subsídios para entender a melhor forma de se trabalhar com os alunos surdos. Isto, pois, estamos considerando que, algumas vezes, os pro issionais que trabalham no AEE não conhecem profundamente metodologias e práticas pedagógicas voltadas para a educação de surdos.

Vamos começar esta seção, buscando compreender as concepções sobre o universo surdo, bem como sua visão cultural e sua identidade. Este entendimento é salutar para as nossas decisões como professores e/ ou profissionais que trabalham na educação de surdos. Se enxergarmos na surdez um fator limitador das condições de aprendizagem e desenvolvimento, trabalharemos de uma forma pouco positiva para a aprendizagem e desenvolvimento dessa pessoa. Se, ao contrário, temos um posicionamento pautado na compreensão do outro, em suas potencialidades e, compreendendo a surdez como uma característica peculiar de uma pessoa, que não a impede de ser, de viver em sociedade, de estar envolvida com a comunidade em todas as suas atividades, temos uma forma diferente de planejar nossas atividades pedagógicas a serem realizadas com este grupo.

Neste sentido, queremos explorar com vocês as diferentes formas de se perceber a identidade surda e demarcar, claramente, aquela que gostaríamos que fosse a escolhida e aprofundada por vocês em seus estudos futuros.

Geralmente os pais icam “perdidos” diante da constatação de um ilho surdo. A tendência é procurar um médico e buscar a cura de seu ilho. Para eles, ter um ilho surdo é o mesmo que ter um ilho doente. Por que as pessoas pensam assim? O que você acha desse pensamento?

Ora, pensamos assim, porque aprendemos que um sujeito surdo é uma pessoa incapacitada que precisa sempre ser acompanhada por um pro issional da saúde, sendo medicada e zelada. Por um lado, essa concepção nos é repassada, na maioria das vezes, pelos médicos (os primeiros a nos atender em uma situação como essa), os quais se preocupam exclusivamente com a “cura”, amparados por uma visão clínica-médica1. Por outro lado,

também, podemos destacar o efeito da mídia que apresenta recursos como o implante coclear e aparelhos auditivos revolucionários, por exemplo, como sinais de “salvação” para essas pessoas. Esse pensamento tem sido muito prejudicial ao desenvolvimento dos surdos, especialmente, por contribuir para a efetivação do modelo ouvinte e seu jeito de ouvir, de falar, de acreditar na possibilidade de usar o implante coclear para ouvir melhor entre outros.

Para contribuir com o surgimento de outra visão mais positiva de se relacionar com os surdos, no caso a visão cultural2, iremos apresentar neste

estudo alguns conceitos e informações sobre a mesma e, paralelamente, demonstrar a relação desses conceitos com a educação.

É importante discutirmos os aspectos conceituais relacionados ao sujeito surdo, porque quando propomos certas abordagens educativas não estamos sendo imparciais, sempre re letiremos, em nossa prática, sobre a nossa real concepção do que seja a surdez e o surdo. A nomenclatura utilizada por nós, por exemplo, pode demonstrar se encaramos o surdo como uma pessoa com de iciência (visão clínica) ou se o encaramos como diferente (visão cultural). Observe que, segundo Santana (2007, p.21),

Há uma espécie de competição, de disputa implícita ou explícita por fornecer a solução primordial para o problema da comunicação dos surdos. Em linhas gerais, essas soluções têm duas bases: uma oferecida pelas ciências biológicas, que geralmente vêem o surdo como pessoa com de iciência e, portanto, buscam a “normalidade” e a fala, dispondo de avanços tecnológicos (próteses auditivas,

1 Na visão clínica-médica os surdos são encarados como pessoas com de iciências

e doentes, isto é, a surdez é considerada uma doença e, portanto, deve ser “curada”. Nessa visão, todo recurso tecnológico que procure minimizar os efeitos da surdez são extremamente valorizados, e a oralização, os aparelhos auditivos e o implante coclear, por exemplo, adquirem status de “cura”e/ou de minimização da “doença”, com forte incentivo à “normalização” dos indivíduos surdos.

2 Na visão cultural, os surdos são encarados como diferentes, como um povo que se

constitui cultural e linguisticamente de maneira diferenciada do povo ouvinte. Há a luta pela causa surda, pela valorização da Língua de Sinais, por intérpretes de Língua de Sinais em espaços onde os surdos se façam presentes, entre outros.

implantes cocleares) para oferecer ao surdo a possibilidade de ouvir e falar, outra sustentada pelas ciências humanas, que comumente enxergam o surdo como diferente e defendem a língua de sinais como sendo a língua do surdo e a ideia de uma cultura surda, direcionando o debate para uma questão de ordem ideológica. Comecemos, então, nossas re lexões pela compreensão da surdez como um fator biológico e clínico.

Denomina-se de iciência auditiva a diminuição da capacidade de percepção normal dos sons, sendo considerado surdo o indivíduo cuja audição não é funcional na vida comum, e parcialmente surdo, aquele cuja audição, ainda que pessoa com de iciência, é funcional com ou sem prótese auditiva. Pelo menos uma em cada mil crianças nasce profundamente surda. Muitas pessoas desenvolvem problemas auditivos ao longo da vida, por causa de acidentes ou doenças. (Brasil/MEC 1997, p. 31).

Podemos veri icar, a partir dessa citação, que existem diversos graus de perda auditiva, o que nos faz entender a existência de diversos tipos de de iciência auditiva. Além disso, outros fatores importantes aqui são a idade em que a surdez aconteceu e o ambiente a que essa criança foi exposta (pais ouvintes X pais surdos / oralização X Língua de Sinais). Todos esses aspectos vão determinar diferenças no contato com o surdo bem como no atendimento educacional dos mesmos.

Esses conhecimentos nos servem para pensar a prática pedagógica, para que o atendimento a essas pessoas seja melhor. Ora, precisamos entender que mesmo a surdez leve e unilateral precisa ser considerada em suas necessidades diárias, surgidas pela di iculdade e/ou ausência da audição. É preciso considerar cada grau e cada situação de perda. No entanto, necessitamos de muito mais... Precisamos compreender que ser surdo3 é

uma forma de ser gente! Assim, não podemos usar a surdez para classi icar e agrupar as pessoas. Cada pessoa surda é um ser humano, que possui experiências e que tem um jeito diferente de ser surdo.

Então, podemos de inir a surdez, para além dos aspectos biológicos, como uma experiência visual, gestual, cultural e linguística, que é construída dentro de um contexto histórico, político, social, cultural e econômico.

Conforme apresenta Perlin(2005), os surdos são surdos em relação à experiência visual e longe da experiência auditiva, o que nos faz entender que, mesmo com tantas possibilidades identitárias ocorridas devido aos diferentes fatores apresentados anteriormente (grau da perda, ambiente, etc.), a experiência visual os une num só povo e numa só cultura.

3 Ser surdo é ser um sujeito surdo que tem uma experiência visual, que se constitui no

povo surdo, que entende ser diferente dos outros, que convive na cultura surda e que assume ser e estar sendo identidade surda.

Para entendermos um pouco mais sobre essas identidades, analisemos as categorias para diferentes identidades surdas apresentadas por Perlin na mesma obra citada acima. São elas4: identidades surdas (identidade política),

identidades surdas híbridas, identidades surdas lutuantes, identidades surdas embaçadas, identidades surdas de transição.

a) As identidades surdas (identidade política) são as daqueles sujeitos fortemente engajados no movimento surdo, na luta em prol da valorização da Língua de Sinais e das particularidades culturais do seu povo. Segundo Perlin (2005), assumem uma posição de resistência e tem suas comunidades, associações e/ ou órgãos representativos compartilhando suas di iculdades, aspirações, utopias.

b) As identidades surdas híbridas referem-se àqueles indivíduos que nasceram ouvintes e, devido a alguma doença, acidente, ou outro fator semelhante, perderam a audição. Nesses casos podem conhecer a estrutura do português falado a depender da idade em que ensurdeceram e fazer uso da língua oral. Da mesma forma que nas identidades surdas, se aceitam como surdos e participam de associações ou instituições do gênero.

c) Já as identidades surdas lutuantes estão relacionadas aos surdos que não têm contato com a comunidade surda. Para Karol Paden são outra categoria de surdos, visto de não contarem com os bene ícios da cultura surda (apud Perlin, 2005). Uma forte característica dessa identidade é a valorização do modelo ouvinte, ou seja, seguem as representações identitárias ouvintes. Segundo Perlin (2005, p.65),

Não participam da comunidade surda, associações e lutas políticas. Desconhecem ou rejeitam a presença do intérprete de língua de sinais. Orgulham-se de saber falar “corretamente”. Demonstram resistências a língua de sinais, cultura surda visto que isto, para eles, representa estereotipo. Não conseguiram identificar-se como surdos, sentem-se sempre inferiores aos ouvintes; isto pode causar muitas vezes depressão, fuga, suicídio, acusação aos outros surdos, competição com ouvintes, há alguns que vivem na angustia no desejo contínuo de ser ouvintes. São as vítimas da ideologia oralista, da inclusão, da educação clínica, do preconceito e do preconceito da surdez.

d) As identidades surdas embaçadas constituem mais um tipo

4 Disponível em: <http://www.feneis.org.br/arquivos/As_Diferentes_Identidades_

Surdas.pdf> Acesso em: 26 março 2010. Disponível também no livro “A Surdez: um olhar sobre as diferenças”, organizado por Carlos Skliar.

de identidade ligada à “representação estereotipada da surdez ou desconhecimento da surdez como questão cultural” (PERLIN, 2005, p.66). Os surdos são vistos como incapacitados e suas atitudes são determinadas por ouvintes. A autora ainda coloca que “estes são alguns mecanismos de poder construído pelos ouvintes sob representações clínicas da surdez, colocando o surdo entre as pessoas com deficiências ou retardados mentais” (Perlin, 2005, p.66 ).

e) As identidades surdas de transição, como o próprio nome diz, referem-se aos surdos que se encontram em transição entre uma e outra identidade. Normalmente acontece devido à maioria dos surdos serem ilhos de pais ouvintes e não terem acesso à Língua de Sinais e à cultura surda desde a infância. Dessa forma, eles crescem seguindo uma iloso ia de oralização, e assim que entram em contato com a comunidade surda, passam por um processo de transição, deixando a representação do modelo ouvinte e assumindo a identidade surda propriamente dita.

Como podemos perceber, a identidade surda não é única e nem imutável, contudo, no íntimo de todas elas há a identi icação desse indivíduo com a cultura surda que, reiterando, aproxima-se da experiência visual, ou seja, artefatos visuais, expressões viso-corporais, recursos e metodologias que privilegiem a questão visual, e afasta-se da experiência auditiva, artefatos ouvintes, signos sonoros, recursos metodológicos exclusivamente expositivos, por exemplo.

Desse modo, surgem as diversas manifestações culturais surdas, como o teatro surdo, piadas surdas, equipamentos para facilitar a vida diária como, por exemplo, a campainha luminosa, entre outros. É por meio da a riqueza das expressões faciais e/ou corporais e da própria Língua de Sinais, que surge da necessidade comunicativa desse povo5.

Porque, então, não usarmos o termo pessoa com de iciência, apesar da de iciência auditiva?

Nos Estudos Surdos6, os surdos passam a teorizar a cultura surda, que

pode ser de inida como sendo: história cultural, Língua de Sinais, identidades diferentes, leis, pedagogia da diferença, literatura surda, e outros jeitos de

5 As línguas de sinais não são universais. Cada país possui sua própria Língua de

Sinais e esta não tem relação direta com a língua oral daquele país. Além disso, cada Língua de Sinais possui os seus regionalismos, como acontece com qualquer língua. No Brasil, a LIBRAS (Língua de Sinais Brasileira) é reconhecida o icialmente, sendo regulamentada por meio da Lei n.º 10.436, de 24 de abril 2002.

6 É um programa que se constitui em grupos dos surdos pesquisando na área de

Educação de Surdos, defendendo a sua identidade, sua língua, sua cultura, que são entendidas a partir da sua diferença, do seu reconhecimento político.

ver o mundo, ou seja, dos espaços de Estudos Culturais7 e Estudos Surdos.

Embasados nesses estudos, podemos observar que são os próprios surdos que vêm construindo a sua identidade cultural. Aqui notamos um rompimento com a visão que encarava o surdo como uma pessoa com de iciência. A partir desse rompimento, essa visão se renovou e essas pessoas passaram a ser vistas a partir de uma visão cultural e visão sócio antropológica que encara o surdo como diferente. Nesse sentindo, vamos conceituar as diferenças com relação à visão clínica e à visão cultural. E vamos ligar essa discussão à questão da terminologia.

Pessoa com de iciência auditiva: Na visão moderna, o surdo é visto como uma pessoa com de iciência, por isso diversas áreas como: a médica, a linguística e a educacional, se uniram para curar essa de iciência. Essa visão clínica é uma visão mais especí ica da área de saúde, em que os pro issionais como os médicos, fonoaudiólogos entre outros, representam os surdos por meio de graus audiológicos, ou seja, por meio de diferentes graus de surdez (perda profunda, moderada, severa e leve). Muitos deles se referem ao ser surdo como perda de comunicação, como uma pessoa com de iciências auditivas, como portadores de necessidades especiais, e não reconhecem os surdos como possuidores de diferenças culturais e linguísticas. Essa área se preocupa com aparelhos de audiologia: implantes cocleares, oralização, treinamento de fala.

Surdo: Na visão sócio antropológica e/ou visão cultural, o surdo é visto como uma pessoa diferente. A partir dessa visão, diversas áreas como, por exemplo: educacional, antropologia e linguística se uniram para discutir temas relacionados à cultura, identidade, diferença e Língua de Sinais. O ser surdo é considerado uma experiência visual que se constitui no povo surdo. É uma experiência de convivência na diferença, no espaço de uma cultura, de um povo. Isto quer dizer que é um espaço que depende muito do jeito de ser surdo.

A partir do exposto, esclarecemos que, de agora em diante, utilizaremos o termo “surdo”, pois acreditamos, juntamente com Dorziat8, que o mesmo

representa uma tentativa de minimizar o processo de estigmatização dessas

7 Os Estudos Culturais surgiram no Reino Unido e foram fundados por Hoggart em

1964, e se espalharam para toda América Latina, Reino Unido e Estado Unidos, e são conhecidos por terem in luenciado teoricamente os mais engajados politicamente, focalizando a relação entre cultura e várias formas de poder, especialmente os con litos entre uma cultura dominante e várias subculturas. Existem várias culturas como, por exemplo: grupo de negros, indígenas, surdos, etc., que surgiram por causa do modo de vida das pessoas e não pelo corpo de trabalho imaginativo e intelectual. Esses grupos têm possibilidade de oferecer, no campo investigativo na área de Educação de Surdos, o respeito da sua cultura, que foi sendo construída durante séculos.

8 DORZIAT, Ana. Pessoa com Deϔiciência Auditiva e Surda: uma re lexão sobre as

concepções subjacentes ao uso dos termos. Disponível em: <http://www.nre.seed. pr.gov.br/londrina/arquivos/File/6encontrogesurdezdeein.pdf> . Acesso em: 10 agosto 2010.

pessoas. O uso da expressão surdo, neste sentido, revela uma amplitude social que situa a perda auditiva apenas como um fator que se refere aos níveis médico e terapêutico, no contexto de vida da pessoa surda, sem ocupar uma posição tão signi icativa para o seu desenvolvimento individual e de grupo.

O emprego do termo pessoa com de iciência auditiva, ao contrário, tem coincidido com a utilização de procedimentos que visam ajustar os surdos aos padrões linguísticos mais aceitos e valorizados pela sociedade, envolvendo tratamentos e/ou atendimentos sistemáticos de fala oral.

Os estudos que usam o termo surdo têm procurado abrir um espaço social para essas pessoas, respeitando suas especi icidades. Buscam a identidade social dessas pessoas entre os seus, sua legitimação como comunidade linguística diferenciada.

5.2.2 Estudos surdos: cultura e identidade surda