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Narrativa do processo de aprendizagem da pessoa cega

Narrativa 4

Rosa, 50 anos, é professora da rede pública de ensino básico. Segundo uma das professoras de Língua Portuguesa do curso de Licenciatura Plena, Rosa tinha pleno domínio do Sistema Braille, entretanto, o mesmo não acontecia com a professora. A instituição de ensino superior não possuía impressora e livros em Braille, tampouco Atendimento Educacional Especializado. Rosa informou que descrevia todas as ações, e mediadores, utilizados na aula, permitiam e incentivavam Rosa a gravá-la. Rosa gravava as aulas e depois transcrevia em Braille. Sempre havia um(a) colega de sala que assumia a função de tutor(a). Na Narrativa 4, embora a professora tenha utilizado estratégias que facilitaram a comunicação entre professora/aluna/alunos(as), podemos veri icar, nos dias atuais, que ainda existe a ausência de pro issionais para o AEE e para os recursos de acessibilidade e pedagógicos que, certamente, colaborariam para não criar barreiras para a aprendizagem. De mais a mais, a presença de pro issionais que atuam no AEE viabilizaria o trabalho de assessoria à professora, o que possibilitaria também a redução da ansiedade do(a) aluno(a) cego e potencializaria o desejo e a disponibilidade do(a) professor(a) para ensinar conteúdos de Língua Portuguesa.

5.1.4 Representações de de iciência visual e mediação

Para darmos continuidade à re lexão sobre mediação, é importante rememorar como a pessoa com de iciência visual é representada por membros da comunidade escolar, da família e da comunidade em geral. Re letir sobre os signi icados dessas representações na orientação das práticas sociais.

A de iciência visual (tanto a cegueira quanto a baixa visão, mas, principalmente, a cegueira) é representada, por uma parcela signi icativa da população, como uma escuridão, uma ausência total de luz e, consequentemente, ausência de possibilidades de crescimento e desenvolvimento cognitivo, social e cultural. Há também a falsa crença de que os cegos são pessoas que podem fazer coisas “extraordinárias” com os outros sentidos (olfato, tato e audição).

Alguns até classi icam as pessoas com de iciências visuais como pessoas com “super sentidos”. Todavia, a capacidade que uma pessoa com de iciência visual tem de reconhecer a voz de alguém ou de se locomover sozinha pela cidade ou de reconhecer um local pelo odor ou de ler o Braille vem das interações com pessoas e objetos, que oferecem oportunidade para construção de conhecimento sobre o sujeito e o mundo. Essas capacidades não são “extraordinárias”, são apenas consequências de práticas cotidianas.

Como mencionado, anteriormente, o processo de desenvolvimento e aprendizagem segue as mesmas leis gerais, tanto para pessoas com de iciência visual como para os videntes. Logo, as leis que regem o desenvolvimento do aluno com de iciência são as mesmas que regem as de outros alunos (Vygotsky, 1987). Contudo, há a necessidade de adaptações metodológicas para que as especi icidades desses sujeitos sejam atendidas pela ação mediadora do educador. Isso, então, reforça a ideia de que a presença da de iciência visual não determina limites para a capacidade de aprender, senão pelas condições sociais, fato já discutido anteriormente. Com isso, reforçamos que todos os alunos se igualam em termos de capacidade para pensar, raciocinar, na capacidade de serem sujeitos éticos, culturais, humanos, cognitivos e de aprendizagem.

Entende-se que a pessoa com de iciência visual (cego ou com baixa visão) é capaz de aprender com suas experiências, é capaz de fazer atividades diversas e, portanto, deve ter preservada a sua condição de humanidade, assim como acontece com as demais pessoas. Obviamente, os estímulos precisam ser diferentes, os veículos de mediação precisam ser adequados para cada atividade e para cada indivíduo. As pessoas com de iciências visuais não são iguais. Um cego com cegueira congênita, causada por lesões ou enfermidades que comprometem as funções do globo ocular, precisa ser estimulado de maneira diferente que aquele indivíduo que se tornou cego, mais tarde, denominada cegueira adventícia.

A criança com cegueira congênita não tem as mesmas possibilidades de comunicação e interação de uma criança vidente. Isso porque, a visão possibilita um tipo de contato com os objetos, favorece a mobilidade, a locomoção e integração e a organização das informações provenientes dos outros sentidos de forma ampla e simultânea. O mesmo se reforça para os indivíduos com baixa visão. Duas crianças podem ter a mesma visão residual4,

entretanto, apresentarem níveis diferentes de desenvolvimento psicomotor e cognitivo. Esse fato ocorre, pois cada indivíduo vivencia um tipo de experiência durante a sua vida. As experiências vividas tornam os indivíduos diferentes no processo de aprendizado e, consequentemente, requerem condutas diferentes de mediação do processo de ensino-aprendizagem.

4 Os termos: visão subnormal, baixa visão, visão residual, referem-se a uma redução

da acuidade visual central ou a uma perda subtotal do campo visual, devido a um processo patológico ocular ou cerebral.

5.1.5 A família e a escola:

di iculdades no processo de mediação

Existem duas formas básicas da criança se desenvolver: no que tange ao aspecto cognitivo, e na interação com o ambiente. A primeira, decorrente da aprendizagem por exposição direta aos estímulos, que são considerados fonte de informação, isto é, do contato direto com os acontecimentos e com as situações. A segunda acontece por meio da Experiência de Aprendizagem Mediada, ou seja, o processo de aprendizagem ocorre quando há outra pessoa interpretando os estímulos do ambiente, tornando esses estímulos relevantes e signi icativos para a criança (Cunha; Enumo; Canal, 2006).

Por essa razão, a irmamos que o desenvolvimento cognitivo das crianças com de iciência visual pode ser afetado pelo ambiente inadequado de ensino na escola, e também pela inadequação das expectativas dos pais e/ ou responsáveis; visto que tanto o professor da sala AEE como o professor da sala de ensino regular e os seus familiares são mediadores do processo de aprendizado.

A interação familiar é considerada um suporte importante para promoção de todas as áreas do desenvolvimento infantil. Entretanto, crianças com de iciências visuais podem ter o seu desenvolvimento cognitivo afetado por padrões inadequados de mediação que se constroem a partir da compreensão errada no que se refere ao aprendizado. Por essa razão, alguns autores como Cunha et al (2006) acreditam ser relevante a avaliação do padrão de mediação materna por instrumentos que forneçam indicadores de análise da mediação presente na interação entre a mãe e a criança. Para isso, um instrumento muito aplicado é a Mediated Learning Experience (MLE) Rate Scale (Escala de Avaliação de Experiência de Aprendizagem Mediada - Escala MLE)5. Essa escala

permite identi icar comportamentos que podem favorecer a construção de expectativas mais otimistas e de um padrão de mediação mais adequado de interação adulto–criança.

A Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada faz-nos acreditar na abordagem da Modi icabilidade Cognitiva Estrutural, que se baseia na principal premissa de que o desenvolvimento cognitivo de qualquer indivíduo é estruturalmente modi icável. Por essa razão, centra-se no ponto de que é possível, a partir da mediação, o adulto contribuir para modi icar cognitivamente a criança e reduzir a discrepância entre o desempenho típico e o desempenho potencial do desenvolvimento cognitivo infantil. Contudo, para que essa mediação seja positiva e e iciente é importante que o mediador

5Escala MLE elaborada por Carol Lidz em 1991, com base na Teoria da Experiência de

Aprendizagem Mediada. É uma proposta de avaliação da interação adulto-criança, na qual são avaliados os comportamentos mediadores do adulto (Cunha; Enumo; Canal, 2006, p.1).

conheça as condições da criança. O mediador não pode orientar suas ações por crenças, mitos e determinadas representações a respeito da de iciência visual.

5.1.6 A pessoa com de iciência visual e a mediação

Nos processos de ensino e aprendizagem deve ser mantida a condição de sujeito daqueles com de iciência visual. Assim, deve-se fortalecer a participação deles no processo de aprendizagem, e, sobretudo, aproveitar suas experiências sociais, culturais e afetivas, considerá-las na elaboração das atividades de mediação do aprendizado.

O desenvolvimento intelectual do sujeito com de iciência visual encontra- se articulado, devidamente, à mediação que se faz com o outro. É por meio da interação com os(as) vários(as) outros(as) que a pessoa com de iciência visual manter-se-á enquanto sujeito. E essa ideia deve ser partilhada tanto pela pessoa com de iciência quanto por qualquer mediador (a).

Mas, qual é o papel especí ico