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2. Capítulo I: Do Golpe à Abertura: elementos de historiografia

2.2. Teatro musical de 1964 a

2.2.2. De Opinião a Dr Getúlio

O governo Goulart imaginava-se apoiado no que se chamou de dispositivos militar e sindical, rede de alianças que era, em verdade, precária, como os acontecimentos confirmariam. No início de 1964, João Goulart pretendeu efetivar as reformas de base – urbana e agrária, entre outras –, pontos-chave de seu programa, contornando as resistências do Congresso e “começando a realizar por decreto” as mudanças, registra Boris Fausto. O historiador explica: “Para mostrar a força do governo, reuniria grandes massas em uma série de atos onde iria anunciando as reformas. O primeiro grande comício foi marcado para o dia 13 de março no Rio de Janeiro. Ele ficou conhecido como o ‘comício da Central’ (...). Cerca de 150 mil pessoas aí se reuniram sob a proteção de tropas do I Exército para ouvir a palavra de Jango e Brizola, que, aliás, já não se entendiam” (Fausto, 2003: 459).

A tática adotada pelo governo acabou por acirrar ainda mais os ânimos políticos. A 19 de março, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, “organizada em São Paulo, a partir das associações das senhoras católicas ligadas à Igreja conservadora”, protestou contra o governo somando cerca de 500 mil manifestantes e demonstrando que “os partidários de um golpe poderiam contar com uma significativa base social de apoio”. A contra-revolução foi afinal deflagrada pelo general Olímpio Mourão Filho, que, com a anuência do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, mobilizou tropas e tanques – os soldados seguiram de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro sem encontrar adversários. “Na noite de 1º de abril, quando Goulart rumara de Brasília para Porto Alegre, o presidente do Senado Auro Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente da República” (Fausto, 2003: 460, 461).

Já se disse que os artistas de teatro foram os primeiros a se organizar para resistir ao Golpe de 64, depois de alguns meses de perplexidade. O Show Opinião, escrito por Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, estréia em dezembro daquele ano, no Rio

de Janeiro, utilizando-se da colagem de canções, piadas, histórias curtas. O espetáculo parte, entre outros motes, da biografia de seus protagonistas, Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Respectivamente, a moça de classe média alta, oriunda – e dissidente – da bossa nova; o sambista de morro, carioca pobre e assumidamente negro (Zé Kéti brinca, a certa altura, cantando o partido-alto: “Preto não vai para o céu/Nem que seja rezador/Preto, cabelo de espinho,/Vai espetar Nosso Senhor./O samba é bom,/Batido na mão...”); e o nordestino que, expulso pela seca e pelas relações sociais anacrônicas, se emprega, no Rio, na construção civil.

Assim, por exemplo, Zé Kéti fala sobre a vida de compositor, lembrando o cerco aos intérpretes, por muitos anos, até conseguir ter gravada uma de suas canções. Diz que, com o sucesso, pôde comprar “móveis no estilo francês” e freqüentar semanalmente a feira de onde trouxe para casa, durante três meses, duas sacolas cheias de mantimentos. É a deixa para Nara e coro interferirem, bem-humorados: “Ela come dois quilos de carne por dia, meu Deus, que horror./Mas na hora da coisa ela fica com coisa e não quer amor...” (CD Show Opinião [1995]).

O tom alegre pode dar lugar ao triste ou ao indignado, como na famosa Carcará, em meio à qual, no estilo brechtiano – recordem-se o nome dos autores e o do diretor, Augusto Boal –, Nara Leão brada estatísticas que dão conta do número de migrantes vindos do Norte para o Sul em busca de vida menos ruim. Em estados brasileiros como Alagoas, o índice de fugitivos da miséria chegara, em 1950, a 17% da população, grita a ex-musa da suave bossa nova. A denúncia social vem sob a forma da colagem que mantém o ritmo aceso alternando textos e músicas, material de procedência variada. Trata-se, propõem os autores, de “aceitar tudo, menos o que pode ser mudado”.

As intenções participantes do show são ressaltadas em texto publicado no disco de 1965, em que se divulga “uma condensação do espetáculo feita de modo a preservar-lhe as qualidades e a autenticidade originais”. O texto, sem assinatura, diz:

Cerca de 100 mil pessoas viram e aplaudiram o espetáculo [no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Porto Alegre]. Qual a razão desse êxito? O Show Opinião é uma experiência nova no teatro brasileiro. Mas não nasceu por acaso: ele é fruto do trabalho de longos anos de um grupo de intelectuais e artistas que romperam com a cultura de elite e decidiram-se a levar a cultura ao povo. Para fazer cultura com e para o povo, meteram-se nas entidades estudantis, nos sindicatos. Pesquisaram, estudaram, debateram, erraram, acertaram. Este grupo chama-se hoje Grupo Opinião e o show foi concebido e escrito por três de seus membros: Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes.

Rompendo com os métodos usuais, o espetáculo foi feito de modo a revelar o substrato humano, social, político, que se encontra sob as composições musicais de João do Vale e Zé Kéti e na opção de Nara ao se tornar a intérprete da música popular socialmente engajada. Escrita a peça, foi chamado Augusto Boal, do Teatro de Arena de São Paulo, para dirigi-la, montando-se o espetáculo no Teatro do Super Shopping Center, do Rio (CD Show Opinião, encarte).

O fato de ter havido, a partir de então, efetiva ruptura com “a cultura de elite” nos espetáculos do Opinião e do Arena seria posto em dúvida em 1970 no artigo “Cultura e política, 1964-1969”, de Roberto Schwarz, citado acima, ou em trabalhos mais recentes como os livros Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião, de Edélcio Mostaço, de 1982, e A hora do teatro épico no Brasil, de Iná Camargo Costa, de 1996 – ainda que esses autores nem sempre utilizem os mesmos enfoques e argumentos ao questionar o valor que teriam aqueles textos e montagens.8

O “infeliz conúbio com a demagogia” era indigitado já em 1965 em crítica de Décio de Almeida Prado a Arena conta Zumbi, para citarmos exemplo ainda mais precoce (Décio, no entanto, no mesmo artigo reconhecia tratar-se de “um espetáculo agressivo e inteligente”). O debate ramifica-se em várias discussões e uma de suas raízes remonta aos tempos do CPC, com a cisão tácita ou explícita entre os que defendiam os direitos criadores do artista (o cineasta Cacá Diegues estava nesse grupo) e os que enfatizavam seus deveres emergentes de participação política (o teórico e dramaturgo Carlos Estevam Martins, por exemplo). Deveremos abordar aspectos do assunto mais tarde, no segundo e no terceiro capítulos.

O princípio da colagem tende ao painel, ao mosaico: constitui procedimento épico, pelo qual os atores entram e saem de suas personagens constantemente. Outro texto organizado conforme esse modelo é Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel (dirigido por Flávio, o espetáculo foi produzido pelo Grupo Opinião em

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Edélcio Mostaço e Iná Camargo Costa criticam o teatro político feito a partir de 1964 sob pontos de vista diversos. Mostaço pretere os espetáculos do Arena e do Opinião, que teriam criado ilusões de engajamento, em favor dos trabalhos do Oficina. O tropicalismo praticado por este grupo, segundo o ensaísta, “colocava-se numa terceira via” em relação à esquerda e à direita, validando-se, entre outros traços, “pela inclusão em seu discurso do onírico” (Mostaço, 1982: 117). Já Iná Camargo, em A hora do

teatro épico no Brasil, acredita que o teatro de agitação que se ensaiara no pré-64 diluiu-se depois do

Golpe, quando Opinião e montagens subseqüentes (inclusive as do Oficina) alimentaram pretensões participantes que já não possuíam base social efetiva. Terão sido não apenas hostilizadas pelo Estado

parceria com o Teatro de Arena). Os autores compilaram cenas, canções e frases de origens diversas, ligadas pelo tema do título, mobilizando dezenas de nomes famosos, de Jesus Cristo e Jean-Louis Barrault, de Platão a Moreira da Silva, de Osório Duque Estrada à escola de samba Império Serrano. A expectativa de que a peça não viesse a ter problemas com a censura, dado o prestígio de alguns daqueles nomes (há também sentenças tomadas a Abraham Lincoln, Thomas Jefferson, Winston Churchill), acabou por se frustrar: em O teatro sob pressão, Yan Michalski informa que, na temporada paulistana (a estréia se deu no Rio de Janeiro), o espetáculo chegou a sofrer 25 cortes (Michalski, 1989: 24).

Em sua edição de 25 de abril de 1965, o jornal The New York Times comentava

Liberdade, liberdade, que estreara quatro dias antes no Rio: “Os espetáculos teatrais que

elevam a voz com protestos políticos contra o regime semimilitar do Brasil estão produzindo, no país, bom entretenimento e uma nova visão dramática”. O jornal afirmava também: “Essas produções refletem o amplo sentimento existente entre os jovens intelectuais brasileiros de que o regime do presidente Humberto Castelo Branco, com sua forte posição anticomunista, é hostil à liberdade cultural e intolerante quanto às críticas de esquerda no que se refere às condições econômicas e sociais do país” (em: Fernandes e Rangel, 1977: 9).

O texto do correspondente norte-americano consta do livro com a peça e nota ainda que “essa atitude encontra campo para ataques nas atividades das comissões militares de inquérito [os Inquéritos Policial-Militares, freqüentes nos anos imediatamente posteriores ao Golpe], as quais prenderam muitos estudantes, professores e intelectuais por se envolverem em atividades subversivas. Tem havido também expurgos de esquerdistas nas universidades, e apreensão de livros” (em: Fernandes e Rangel, 1977: 10).

Liberdade, liberdade exibe passagens especialmente densas, como a das palavras

corajosas do filósofo Miguel de Unamuno diante dos franquistas, em episódio ocorrido durante a Guerra Civil Espanhola. Mas, a exemplo do que Opinião havia feito, recorre também a humor e música (Nara Leão está de novo no elenco, dessa vez ao lado de Vianinha, Paulo Autran e Tereza Rachel). Brinca-se com a incompetência militar para lidar com uma série extensa de assuntos. A certa altura, um oficial afirma, ao se defrontar com uma dificuldade: “Este é um problema que qualquer criança de três anos é capaz de resolver”. Depois, confuso, acrescenta: “Tragam-me uma criança de três anos” (Fernandes e Rangel, 1977: 75).

Entre os fatos “que podem ser mudados”, estão as relações humanas no Brasil, marcadas, no que diz respeito às classes e às raças, pela herança escravocrata. Arena

conta Zumbi, musical em que Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal se associam a

Edu Lobo, estréia em maio de 1965 e leva o espectador paulista à saga nordestina e seiscentista dos Palmares. Narra-se a trajetória de gerações de líderes, através do século XVII, de Zambi a seu bisneto Ganga Zumba ou Zumbi. As várias formas de açoite ou de tortura infligidas aos escravos são relacionadas em cena do início da peça (repartida em dois atos), comentando-se em seguida: “E foi através desses instrumentos engenhosos que se persuadiu o negro a colaborar na criação das riquezas do Brasil” (Boal e Guarnieri, em: Revista de Teatro, 1970: 33).

O tema de uma comunidade africana em guerra contra as forças portuguesas, áspero, não exclui humor. Motivos sexuais, relativos à vida cotidiana no território Zumbi, ensejam o riso ou o sorriso. E a ironia aparece quando, por exemplo, uma rápida passagem alude a um mercado em que se vendem escravos “purinhos”, “em perfeito estado de conservação”, “macho e fêmea” recém-chegados da África; faz-se desconto no caso dos “estropiados” (Boal e Guarnieri: 32).

Texto e música alternam narração e cenas. Estas, distantes do modelo tipicamente dramático da história que, encerrada em si, caminha com as próprias pernas em direção a um clímax e a um desfecho, sem interferências autorais, antes ilustram, encarnam o ponto de vista, as intenções épicas dos dois dramaturgos.

Vale observar os gêneros musicais que, nascidos no Brasil, foram mobilizados para a peça, entre eles o samba, a bossa nova, os ritmos de capoeira. E a qualidade de algumas das canções, depois famosas, capazes de sobreviver fora do contexto original, como Upa, negrinho, amplamente conhecida com Elis Regina. Arena conta Zumbi fornece bom exemplo do musical total, por assim dizer, espetáculo em que boa parte do texto é cantada e em que os diálogos e os trechos narrativos falados subordinam-se a um ritmo a que a música dá, em larga medida, o tom. A orientação vocal dos atores é falha, segundo se constata ouvindo a gravação do espetáculo; hoje, com o que se sabe de técnica da voz, qualquer elenco poderia render mais. O que falta em afinação e qualidade de timbres, no entanto, sobra em garra e senso teatral. O espetáculo inaugura as práticas depois cristalizadas no Sistema do Coringa (entre elas, a de dois ou vários atores se revezarem na interpretação de cada uma das personagens, evitando-se a identificação estrita de uma personagem a um único ator). O método, articulado por Augusto Boal, daria base à montagem de Arena conta Tiradentes, dois anos depois.

Sucesso de público, Arena conta Zumbi não obteve, no entanto, unanimidade crítica. Décio de Almeida Prado, em artigo publicado na ocasião da estréia, citado acima, faria restrições ao “maniqueísmo” do espetáculo, embora sabendo situar os propósitos do grupo. O crítico escreveu: “Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri nada têm de ingênuos. Se reforçaram de tal maneira as linhas capitais da peça, até que não se visse nada além do arcabouço, é que desejavam contrapor outros mitos aos mitos burgueses, inclusive o da superioridade da raça branca. Acreditam que a luta social se faz por meio de gigantescas simplificações, cuja finalidade é a de fortalecer o ardor dos combatentes”. Décio, embora buscando compreender as intenções em pauta, discordava dos autores: “E é exatamente isso que não nos agrada em Arena conta Zumbi” (Prado, 1987: 67).

Aquelas reduções, segundo ele, remetem à “visão tradicional da sociedade”, apenas com os termos opressor-oprimido invertidos, aproximando-se da demagogia. Lendo o texto e ouvindo a fita cassete com trechos da montagem, hoje, o que se nota não é propriamente demagogia, já que as intenções do grupo são entregues, às claras, desde a primeira cena ao juízo do espectador; mas é verdade que a ênfase e as simplificações apontadas por Décio de Almeida Prado em Zumbi caracterizam, em boa medida, texto e espetáculo.

O crítico iria elogiar, naquele mesmo ano de 1965, outra montagem, esta de caráter semiprofissional: Morte e vida severina, poema dramático de João Cabral de Melo Neto levado à cena pelo Teatro da Universidade Católica, o TUCA, com melodias de Chico Buarque, sob a direção de Silnei Siqueira, em São Paulo. A trajetória de Severino, em sua viagem do agreste ao litoral de Pernambuco, perde traços individuais para tornar-se exemplar do destino de homens e mulheres que vivem sob condições naturais e sociais miseráveis. À medida que o peregrino alcança novas regiões, muda “mais a qualidade do que a quantidade” da pobreza, como lembra Décio, mencionando trechos do poema (que fala em áreas “onde a caatinga é mais seca”, no interior, e em áreas em que miséria aparece “toda vestida de lama”, no litoral).

Esse quadro se apresenta, no entanto, sem que o poeta faça concessões ao sentimentalismo fácil: concordamos com Décio de Almeida Prado em que o texto exibe “esse empenho, tão característico de nossa época, de ser exato, medido, preciso, inclusive em poesia, sem que tal rigor de pensamento venha a prejudicar a espontaneidade ou a originalidade da obra de arte”. O crítico alude à rima toante e à redondilha, com o “regresso deliberado às raízes ibéricas”, cujo resultado “tem um

cunho entre arcaizante e popular, lembrando Gil Vicente e a literatura de cordel nordestina, mas submetendo ambas essas fontes à severa disciplina ‘cabralina’” (Prado, 1987: 101).

A trilha sonora do filme de Zelito Viana, adaptação do texto para o cinema lançada em 1976 (trilha procedente do espetáculo), mescla trechos do poema narrativo

O rio, do mesmo João Cabral, a Morte e vida severina. O procedimento é perfeitamente

legítimo: Severino caminha do interior para o Recife e, em O rio, o Capibaribe cumpre o mesmo trajeto (contado pelo próprio rio Capibaribe que, por prosopopéia, fala em primeira pessoa). As canções recorrem a ritmos e escalas regionais, estilizando-os para criar o ambiente musical adequado à história. Os arranjos valeram-se de violão, viola, flauta, percussão e coro, em vários momentos; ao final, temos o trio de forró – sanfona, triângulo e zabumba –, quando a atmosfera festiva celebra a chegada de uma nova vida, o nascimento de um menino, acontecimento com que o autor encerra o seu Auto de

Natal pernambucano (conforme o subtítulo da peça).9

“Uma ordem social aberta à sua própria modificação” é justamente o que desejam Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, de acordo com o prefácio a Se correr o bicho

pega, se ficar o bicho come, peça encenada pelo Grupo Opinião em abril de 1966, com

direção de Gianni Ratto, e publicada sob a guarida do atuante Ênio Silveira naquele mesmo ano. O texto integrou a coleção Teatro Hoje, coordenada por Dias Gomes para a editora Civilização Brasileira, pertencente a Ênio.

No prefácio, os autores alinham as razões políticas, artísticas e ideológicas para a fatura do Bicho. As primeiras dizem respeito a resistir a um grupo, o dos militares, que, empolgando o poder, se atribui o direito de tutelar os demais segmentos da população. As razões artísticas localizam as fontes na literatura popular – “a quantidade de acontecimentos sobrepujando a análise psicológica, a imaginação e a fantasia sobrepujando a verossimilhança” – e em Brecht. No autor alemão, “a forma não é mais tirada da natureza; é tirada da beleza, da necessidade de expressão do artista”. O mais rigoroso teorema destinado a demonstrar, por exemplo, que “o homem não ajuda o homem”, como ensina Brecht em uma de suas peças didáticas, não excluirá o encantamento: em última análise, o processo deve devolver ao espectador “seu amor à ação, à intervenção, à criação”, abrindo-lhe “o apetite para o humano”.

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No que diz respeito à instrumentação das canções, lembre-se o depoimento de Romário Borelli, que consta dos Anexos, segundo o qual a montagem original, de 1965, e a remontagem de 1969 (esta com

Esse programa é diligentemente aplicado à história de Roque, personagem que passa de apaniguado do coronel Honorato a perseguido pelo mesmo coronel, por tentar seduzir Mocinha, a filha do patrão. O enredo comporta várias reviravoltas e analisa, com os instrumentos da comédia, a composição das forças políticas no Nordeste brasileiro.

A peça utiliza canções largamente. Os diálogos são escritos em versos de sete sílabas, o metro do cordel, ou, mais raramente, de cinco sílabas. Outras medidas poderão aparecer, por exceção. É óbvio que o uso do verso tem muito pouco a ver, aqui, com propósitos idealizantes e mitificadores, como acontece (por exemplo) em peças clássicas francesas. Pelo contrário, dá inúmeras oportunidades a jogos verbais engraçados, nos quais a fala de uma personagem pode ligar-se à de outra pelo ritmo ou pela rima. E ajuda a instaurar, desde o começo da história, o clima cômico. A naturalidade, a leveza, a própria banalidade do verso de sete sílabas respondem por esses efeitos.

A música – segundo o que se depreende das indicações do texto – suplementa a ação, resume-a ou explica-a. Pode ainda servir como sinal de intensificação, acirramento da ação; ao mesmo tempo indica e promove esse acirramento, como acontece na cena em que Roque e seu pai brigam, sem se reconhecerem filho e pai; ou na cena em que Roque é espancado por camponeses. Nesta última, a personagem canta enquanto toma tapas e chutes; o ritmo das pancadas coincidirá comicamente com o das tônicas poético-musicais... Nos dois casos, o andamento se acelera e, por isso mesmo, ganha em comicidade. Trata-se de um processo capaz de convocar as qualidades críticas do espectador, divertindo-o.

O ambiente físico e social é naturalmente ilustrado pela música, que, desse modo, tem qualidades de cenário ou de elemento cenográfico – não visual, mas sonoro: situa a história em determinada região, determinada área; no caso, o Nordeste, de modo similar ao que se verifica em Morte e vida severina.

O Teatro de Arena volta a enredo histórico em Arena conta Tiradentes, texto de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri que estréia em abril de 1967, em São Paulo. O argumento reedita momentos decisivos da Inconfidência Mineira, ocorrida em fins do século XVIII, e é levado à cena conforme as regras do recém-estruturado Sistema do Coringa, que começara a ser pensado por Boal durante a montagem de Arena conta

Quatro técnicas básicas, procedentes de Zumbi, distinguem o método aplicado a