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4. MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE

4.2. DEMOCRACIA VIRTUAL

Os dispositivos de comunicação, tais como computadores, smartphones e tablets, são objetos de consumo, produtos que, além de atender um mercado volátil – no qual quaisquer gadgets (equipamentos eletrônicos) se tornam rapidamente

obsoletos e/ou ultrapassados para a aquisição de outros mais modernos –, propicia a intercomunicação sem limitação geográfica, o que lhes concede um grande potencial. Ambas as funções, contudo, demandam certo recurso econômico-social, visto que a sua aquisição, assim como manter-se conectado em rede, via acesso à internet, custam valores pelo serviço.

Interconectar o planeta, compartilhando inúmeras vozes de diferentes culturas, crenças e modos de vida, gera um valor que não pode ser pago por uma grande parcela da população concernente à realidade brasileira.

Disseminar ideias democráticas que reivindiquem melhores condições para os subalternos, nesse cenário de grande desigualdade social, não é uma ação necessariamente facilitada quando se fala das mídias sociais digitais. Isso porque, por mais que o sistema midiático tenha a capacidade de fixar ideologias, influenciando a opinião pública, existe um embate que se estabelece contra as falas anteriormente legitimadas pela classe dominante e pelos meios de comunicação de massa. Gramsci “pensou na importância da palavra (oral e escrita) em termos de concepções de mundo e de uma grande narrativa histórica. Esta reflexão merece ser projetada para os nossos dias” (BUEY, 2003, p.36).

Nos textos multimidiáticos, em palavras e/ou imagens, a dominação político- ideológica está presente, ocupando um importante espaço e, ainda, determinando padrões e estilos em nossa sociedade de consumo que funciona, naturalmente, pela lógica do capital. No sistema atual, os setores de informação e entretenimento pertencem “a um reduzido número de corporações que se incumbem de fabricar volume convulsivo de dados, sons e imagens, em busca de incessante lucratividade em escala global” (MORAES, 2013, p.19).

A manutenção do estabelecimento dessas corporações é garantida em função da potência conectada globalmente de todos os recursos e suportes comunicativos que possuem, ligando e buscando padronizar pessoas, sociedades, economias e culturas. Isso porque, o universo das multimídias comporta: “a vida social, as mentalidades, os processos culturais, os circuitos informativos, as cadeias produtivas, as transações financeiras, a arte, as pesquisas científicas, os padrões de sociabilidade, os modismos e as ações sociopolíticas” (MORAES, 2013, p.19).

Posicionar-se de modo a resistir à hegemonia é tarefa árdua para todos os grupos sociais que almejam conquistar algum espaço. A propósito,

tem-se escrito sobre o conceito gramsciano de hegemonia, suas nuanças, sua permanente relevância, a possibilidade de sua aplicação à análise crítica da política e da cultura contemporânea, e assim por diante, mais do que sobre qualquer outro aspecto da sua extensa e abrangente obra (BUTTIGIEG, 2003, p.39).

No entanto, não há um caderno temático proposto pelo pensador italiano para reunir as inúmeras notas que tratam da questão da hegemonia, do mesmo modo que não há qualquer trecho que defina mais delimitadamente o conceito do termo. Ainda assim, pode-se depreender que, em sua visão, Gramsci coloca que a perpetuação da civilização burguesa moderna se dá através de operações de hegemonia, “isto é, através das atividades e iniciativas de uma ampla rede de organizações culturais, movimentos políticas e instituições educacionais que difundem sua concepção do mundo e seus valores capilarmente pela sociedade” (BUTTIGIEG, 2003, p.46).

Verdadeiramente, a partir das ideias gramscianas, urge pensar na educação e em outros meios comunicacionais enquanto práticas pedagógicas políticas que possam corroborar para a formação intelectual a fim de preparar os sujeitos objetivando gerar um movimento em direção a um novo Estado.

Vale destacar que o pensador italiano é

um filósofo da práxis de um brilho extraordinário, cuja contribuição é valiosa e atual sete décadas depois de sua morte. A originalidade da sua obra se funda numa visão ao mesmo tempo dialética e não dogmática do mundo e da História. É seu mérito a valorização da dimensão cultural na formação das constelações civilizatórias, e sua crítica do que ele chama de “estatolatria”, em tempos em que os movimentos ditos revolucionários buscavam o poder do Estado como a grande finalidade da revolução (ARRUDA, 2016, p.1). Os seus pensamentos se mostram cada vez mais latentes e necessários à atualidade política para direcionar os sujeitos a uma práxis emancipadora e de cunho popular. Não basta requerer modificações pontuais, permanecendo na pequena política, pois deve-se ir além, conforme propunham as reflexões gramscianas. A política do dia a dia, a política parlamentar, a política de corredor não compreendem o que deveria ser a principal motivação na luta de classes: “A

grande política inclui questões relacionadas à fundação de novos estados, com a luta pela destruição, defesa, preservação de certas estruturas socioeconômicas orgânicas”28 (Q 13 § 5).

Entende-se como sendo uma estratégia do poder dominante descredibilizar a máquina governamental de maneira a desviar a atenção para abordagens que não são o cerne da questão no cenário da dialética hegemonia versus contra- hegemonia.

Diante de um quadro de desesperança e desânimo, visto que os noticiários constantemente revelam atos de corrupção, desvio de verbas, desrespeito aos direitos mais básicos dos cidadãos, desacatos às leis etc., é natural que o cidadão se veja diante de um problema irremovível, sem perspectivas para a luta. Ter acesso ao conhecimento, de modo a desconfiar das informações veiculadas pela televisão e diversos outros meios de comunicação de massa – comumente manipuladas –, e inspirar confiança na força da população no contexto da luta de classes são caminhos para se estabelecer a paixão política.

Trata-se de pensar a educação como um aparelho hegemônico, mantido dessa forma para a manutenção das ideologias dominantes. O medo da presença de uma “doutrinação de esquerda” nas instituições públicas mobiliza os governantes a criar estratégias para impedir o avanço reflexivo dos discentes. A escola que, hoje, foca na formação exclusivamente técnica para o mundo do trabalho, deveria preparar os alunos para o pensamento crítico, dando-lhes a condição da cidadania, democracia e autogoverno (LIGUORI, 2017b, p.407).

Por isso a necessidade de se refletir sobre quais são os ambientes propícios à recepção de novos ideais, e de que modo os excluídos podem – e precisam – se inserir nos espaços virtuais contemporâneos. A resistência que se estabelece em rede via movimentos sociais não deve permanecer exclusivamente on-line. Muitos movimentos se iniciam em debates nas redes virtuais, configurando discussões e

28 Tradução livre. Original: “La grande politica comprende le quistioni connesse con la fondazione di

nuovi Stati, con la lotta per la distruzione, la difesa, la conservazione di determinate strutture organiche economico‑sociali”.

organizações necessárias para a posterior ocupação das ruas no processo de emergência da situação reivindicatória.

Foca-se, aqui, no entendimento desse percurso, procurando compreender: o modo como ele se estabelece, os grupos que abrange, assim como, os grupos que exclui. Isso sem esquecer de que outras forças atuam nos mesmos espaços, pois estas podem dificultar a atuação do movimento dos subalternos.

Há muitos perfis nas redes sociais que representam a chamada “direita- conservadora” numa oposição ao estereótipo midiático denominado “doutrinação marxista”. Como colocado anteriormente, a situação de um confronto ideológico dicotômico excludente e, também, tendencialmente partidário é ratificada pelas grandes mídias.