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4. MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE

4.6 MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE PELO MUNDO

Na esteira da crise capitalista mundial, desde 2010, emergiram diversos movimentos sociais que possuem em comum a afinidade do modus operandi de tais insurgências, pois envolviam diretamente a organização colaborativa a partir das redes sociais virtuais em amplo crescimento – nos termos de sujeitos conectados – no mundo inteiro pela lógica da globalização cultural/econômica.

Tais ações coletivas foram surpreendendo o mundo pelo ineditismo das ações estabelecidas nas malhas da internet. Assim, a cibercultura gerou novos paradigmas de interação que colaboraram para a práxis política de resistência à hegemonia do poder dominante.

Os movimentos sociais que utilizaram o Twitter, Facebook e YouTube são constituídos principalmente por sujeitos nativos digitais, ou seja, aqueles que já nasceram e, consequentemente, cresceram utilizando as novas mídias interacionais baseadas nas TICs. Por isso, é natural, para esses atores sociais, a comunicação a distância, on-line, sem a limitação temporal ou de distância espacial.

A Primavera Árabe, que se desenrolou a partir de 2010 e englobou países do Oriente Médio e norte da África, constituiu-se de protestos que englobaram greves, manifestações e passeatas e, principalmente, o uso das mídias sociais.

Conforme narrativa exposta por Castells:

Tudo começou num lugar totalmente inesperado, em Sidi Bouzid, uma cidadezinha de 40 mil habitantes na empobrecida região central da Tunísia (...). O nome de Mohamed Bouazizi, vendedor ambulante de 26 anos, agora está gravado na história (...). Sua autoimolação por fogo foi seu último grito de protesto contra a humilhação que era para ele o repetido confisco de sua banca de

frutas e verduras pela polícia local (...). O primo de Mohamed. Ali, registrou o protesto e distribuiu o vídeo na internet (2013, p. 24-25). A polícia reagiu fortemente a todo o movimento que reverberou por conta dessa morte e de outras que encorajaram a juventude do país. Na internet, circulavam vídeos dos protestos e da violência policial e da mídia subserviente aos discursos das elites. O espaço público instaurado nas publicações via Facebook, YouTube e Twitter representaram a liberdade de opinião de resistência da rebelião tunisiana. A solidariedade se alastrou pela rede (CASTELLS, 2013, p.25).

Desse modo, discursos e ações nas redes e nas ruas impactaram a sociedade civil e, posteriormente a sociedade política, inclusive porque o movimento se ampliou para outros espaços geográficos, alcançando e inspirando outros países:

O processo de mobilização que levou a uma mudança política exitosa transformou a consciência cívica e tornou difícil qualquer tentativa futura de retornar à manipulação política como modo de vida. É essa a razão pela qual esses movimentos se transformaram em modelos para os movimentos sociais que, inspirados neles, iriam surgir na paisagem de um mundo em crise à procura de novas formas de convivência (CASTELLS, 2013, p.45).

No ano seguinte, em 2011, a Revolução Egípcia se destacou nas manchetes mundiais por conta da desobediência civil dos manifestantes que se rebelaram em reação a diversas questões sociais, tais como pobreza, injustiça, desemprego, violência.

Nessa luta, o grupo Movimento da Juventude criou um perfil no Facebook que foi seguido por cerca de setenta mil usuários. Os ativistas se articularam e se ampliaram pela internet. Vale destacar que, dentre as iniciativas na rede, a que se destacou foi aquela “criada em torno do grupo Todos somos Khaled Said, em alusão à memória do jovem ativista espancado até a morte pela polícia em junho de 2010 num cibercafé, em Alexandria, após distribuir um vídeo mostrando a corrupção policial” (CASTELLS, 2013, p.46).

A propósito, diversas denúncias viralizaram e, por fim, o movimento alcançou as ruas, ocupando a praça Tahrir (praça da Liberdade), reunindo milhares de pessoas no local. Após inúmeras manifestações, a revolução conseguiu derrubar a ditadura de Mubarak, prosseguindo posteriormente em luta contra a opressão.

Já na Europa, destaca-se o movimento Indignados na Espanha, ocorrido no mesmo ano de 2011. Caracteriza-se como um conjunto de protestos espontâneos, estabelecidos virtualmente pelas redes sociais a partir de um descontentamento em relação a medidas socioeconômicas do governo, que contemplaram cortes orçamentários na saúde, educação e serviços sociais. Além dos níveis altos de desemprego, que atingiram a marca de 47% entre os jovens (CASTELLS, 2013, p. 86).

No Facebook, o grupo “Plataforma de Coordenação de Grupos Pró- Mobilização Cidadã”, inspirado pelo exemplo da Islândia, e integrado com ativistas de outros movimentos, evoluiu para uma formação de debate e ação, também na rede social Facebook, intitulado “Democracia Real Ya”.

Com várias denúncias que incluíam, entre outras pautas, a falta de democracia representativa no país, os manifestantes que não possuíam qualquer programa definido ou liderança específica, ocuparam as ruas, publicando, ainda, um manifesto que foi, naturalmente, ignorado pela grande imprensa.

Em poucos dias, a ocupação se disseminou para cerca de oitocentas cidades do mundo. Vale detalhar que a “mídia nacional e internacional fez a cobertura do movimento, embora geralmente apresentando-o de forma equivocada” (CASTELLS, 2013, p.89).

Também colocado aqui de forma breve, destaca-se a indignação do Occupy Wall Street, ocorrido em Manhattan, na cidade de Nova Iorque, no contexto da crise no mercado imobiliário norte-americano, em que milhares de pessoas ficaram sem suas moradias, revelando a profundidade da injustiça social gerada pela especulação financeira nos Estados Unidos.

O ciberativismo foi evidenciado a partir dos registros self media que eram publicados no YouTube, denunciando a repressão da polícia e mobilizando os manifestantes. O número de ativistas aumentou em acampamentos nas ruas, chegando a quinze mil: com “imagens e notícias espalhando-se pela internet, a ocupação começou espontaneamente em muitas outras cidades nos primeiros dias de outubro” (CASTELLS, 2013, p.123).

Desse modo, caracteriza-se o Occupy Wall Street como um movimento em rede, posto que ele

nasceu digital. O grito de indignação e o apelo à ocupação vieram de vários blogs (Adbusters, AmpedStatus e Anonymous, entre outros) e foram postados no Facebook e difundisos pelo Twitter. A Adbusters registrou a hashtag #occupywallstreet em 9 de junho de 2011 e era ligado ao seu grupo no Facebook, em 13 de julho (...). Com a expansão do movimento, o Twitter tornou-se a ferramenta fundamental para a comunicação interna nos acampamentos, assim como para conectá-los a outras ocupações e para o planejamento de ações específicas (CASTELLS, 2013, p.131).

Essas iniciativas apresentam demandas distintas, grandes diferenças e especificidades históricas, apesar de estabelecerem um embate contra as injustiças sociais, significadas na atuação política e econômica dos governantes de seus países. Isso porque, a crise financeira global de 2008 suscitou o nascimento de tais movimentos no mundo ocidental, e a politização de movimentos étnicos e multiculturais na América Latina (GOHN, 2016, p.1).

O que é relevante para esta pesquisa são as transformações tecnológicas e da sociedade civil que influenciam o coletivo, a organização virtual dos grupos, as ações no ciberespaço, refletindo o desenvolvimento e atuação nas redes sociais virtuais por aqueles que almejam alguma mudança da realidade.

Retomando a filosofia da práxis, percebe-se que a Primavera Árabe serviu de inspiração para que outras atuações se concretizassem, denotando a formação de uma paixão política coletiva e instigando que os cidadãos se fortalecessem fora das malhas da internet, ocupando as ruas, praças, avenidas. Segundo Tavares e Paula, as redes sociais virtuais podem servir como notórios ambientes em que demandas, a princípio, individuais se identificam e se reconhecem como coletivas. Além dessa possibilidade, permitem que “a cooperação dê maiores condições de ação aos indivíduos, especialmente se comparadas às ações individualizadas” (2015, p. 228).

Em diversas manifestações, ocorreram registros pelos celulares das atuações violentas contra os manifestantes de modo que o mundo conectado acompanhasse e, também, se indignasse com as atrocidades do poder dominante contra a juventude predominante nas ações.

Entende-se, por esse e outros motivos, que há potencial para que o processo pedagógico-político de elevação cultural das massas seja desenvolvido através dos debates on-line, contudo precisa avançar, talvez com uma liderança mais definida. Isso porque, outra semelhança entre eles, é a colaboração horizontal, sem um príncipe moderno, a figura de um partido político ou mesmo de um príncipe eletrônico que conduza a massa à revolução.