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Ocupa Tudo: Escolas Ocupadas no Paraná (56 min; 10 mai 2017)

5. PRIMAVERA SECUNDARISTA

5.2 DOCUMENTÁRIOS SOBRE AS OCUPAÇÕES

5.2.4 Ocupa Tudo: Escolas Ocupadas no Paraná (56 min; 10 mai 2017)

Com experiência no registro de movimentos sociais e ativismo político, o diretor argentino Carlos Pronzato também é responsável por dirigir os

documentários A partir de agora – As jornadas de junho no Brasil (2014)50, Carlos

Marighella, quem samba fica, quem não samba vai embora (2011) e A rebelião dos pinguins (2007)51. Observando que o primeiro e o último estão disponíveis

gratuitamente no YouTube.

A estudante Ana Júlia foi uma ativista que representou muito bem o movimento de ocupação e, neste documentário, ela é entrevistada para novamente dar voz às pautas reivindicativas da iniciativa estudantil ocorrida no estado do Paraná.

Além dessa fala, o filme apresenta um contexto temporal e histórico através de entrevista a pesquisadores. O vídeo coloca que, de caráter conservador, os paranaenses se mantiveram historicamente distantes de um posicionamento mais progressista. O que gerou bastante estranheza nas iniciativas juvenis, posto que estas questionavam o posicionamento governamental a partir da Reforma do Ensino Médio e do Teto dos Gastos Públicos. Tais modificações legislativas, segundo as falas selecionadas na produção – em geral de alunos secundaristas e universitários e de professores universitários –, ameaçam conquistas minimamente já realizadas no país. Assim, denota um risco a direitos adquiridos nas leis educacionais.

Algumas declarações identificam a possibilidade de conscientização cidadã mais ampla – além especificamente das pautas colocadas –, como na afirmativa de uma estudante: “querem transformar a gente numa máquina, né? Mão de obra barata, que vai ter o salário reduzido, numa condição de trabalho precária. Enfim, vai trabalhar dentro de uma fábrica para as grandes empresas crescerem”.

E mais:

Essa PEC e essa MP são feitas por pessoas que não precisam de escola pública, que não frequentam hospitais públicos, foi feita e foi aprovada por pessoas que não precisam de coisas públicas. Então eles realmente não sabem o que a gente precisa.

50 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3dlPZ3rarO0&t=21s. 51 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kYzkDql56yw.

Colocação que demonstra um caminho para a conscientização a partir de um olhar para a falta de representatividade dos anseios populares na política contemporânea.

Outro dado posto por um ciberativista é que “o movimento secundarista do Paraná já pode ser considerado o maior do mundo em número de escolas ocupadas” com mais de mil escolas ocupadas. Sobre esse número, para acompanhar o quantitativo de unidades que agregaram o referido índice, no ciberespaço, o site ocupaparana.org divulgava essa informação à medida que a Primavera Secundarista se ampliava no território estadual e, posteriormente, nacional (Figura 33).

Figura 33 – Mapa on-line de escolas ocupadas.

Na página, um mapa on-line mostrava todos os espaços ocupados, atualizados digitalmente e disponíveis para visualização por qualquer sujeito conectado.

De um modo geral, no crescente levante jovem, a democracia digital se constituía através da versão dos acontecimentos que eram narradas nas redes pelos próprios ocupantes que reagiam às fake news e às imagens distorcidas sobre a Primavera Secundarista nos discursos dos políticos e da mídia televisiva só para citar alguns exemplos. Dessa maneira, um estudante declara:

Nós também abrimos espaço nas redes sociais, nas páginas que nós temos nas redes sociais para divulgar várias movimentações principalmente para passar a versão deles, né? A versão desses estudantes para se contrapor à versão oficial, a versão da grande mídia principalmente aqui do estado que caracteriza esse movimento como movimentos que queriam apenas a baderna, que queriam apenas desorganizar o estudo aqui no estado. E que também afirmava que esses estudantes não sabiam pelo que estavam lutando.

O promotor de justiça Rafael de Sampaio Cavinchioli ratifica tal colocação afirmando que o “Então o governo federal se utilizou do aparato estatal para colocar suas ideias perante a opinião pública com esses anúncios publicitários, com ampla divulgação na imprensa”.

Em relação à falta de recursos econômicos dos ciberativistas para realizar campanhas multimidiáticas, Rafael indaga: é possível “disputar a palavra pública na sociedade?”, utilizando somente as redes sociais (Figura 34).

Figura 34 – Narrativas da ocupação no Facebook.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=JLz7szvKOFw.

O promotor esclarece, em seguida, que há “Uma grave desigualdade nas formas de utilizar a palavra em público”, pois o governo federal promoveu jantares para deputados federais, contratou revistas e anúncios publicitários a fim de defender as propostas do Teto dos Gastos Públicos e da Reforma do Ensino Médio. Segundo uma das vozes ouvidas no documentário, trata-se, desse modo, de uma mídia “golpista e antidemocrática”.

O documentário expõe opiniões que analisam o conflito possessório (de ocupação dos espaços escolares) que se sobressai sobre um conflito maior, o social. Isso porque o ato de ocupar as escolas foi um instrumento para o exercício do protesto, o direito à resistência dos desfavorecidos no contexto da luta de classes. Trata-se do alcance da discussão democrática, da percepção da própria força de combate, da visão além da necessidade que supera o individual e alcança o coletivo, da desconfiança em relação à manipulação da grande mídia.

Concernente a este último item, segundo uma secundarista, recomenda-se às famílias: “Pais, desliguem a televisão e vão até uma ocupação”.

O olhar pragmático, que observa à volta a precariedade social no dia a dia dos mais humildes, surte uma nova experiência de vida para a iniciativa juvenil que se fortalece no Paraná e se expande em todo o país dado o impacto de retrocesso nas modificações desejadas pelo governo em âmbito federal. Deseja-se afirmar direitos humanos e direitos fundamentais cotidianos usurpados pelo poder público.

De evidente papel pedagógico, a luta social vem preparando o aluno, reforçando aprendizados que não estão colocados no ensino tradicional: “O jovem tem total consciência e condição de falar sobre política”. Ou seja, a partir dessas experiências, ele pode aprender a lutar.

No filme, os alunos narram que o início de tudo se deu a partir da inspiração do poder estudantil do movimento de São Paulo em 2015, assim como este se inspirou no movimento chileno. Uma das jovens relatou sobre a conversa e troca de ideias com um aluno do Chile em uma viagem a outro estado. Outro comentou que já ouvira falar sobre a Revolta dos Pinguins, ou seja, informações compareciam interpessoalmente, mas a maior parte das práticas de ativismo circulavam na internet por conta da ausência de qualquer distância geográfica propiciada pelo ciberespaço.

A respeito do senso comum, um jovem afirma que “Toda a sociedade olha para o adolescente como alguém que não tem opinião própria”. Apesar do olhar cultural que estereotipa os interesses adolescentes, um ocupante declara: “Você se vê como um atuante na sociedade, você se vê como um ser político”.

Desse modo, são sujeitos políticos que, segundo os próprios, não precisam de líderes dada a horizontalidade na organização e no debate de ideias. Eles clamam pelo apoio do que um estudante denomina como “entidades”. Esse apoio não deve configurar um passo à frente dos estudantes, que exigem serem protagonistas da proposta que é totalmente colaborativa, sem liderança, posto que “quem controla as ocupações são os estudantes” segunda as vozes ouvidas no filme documentário.

Nesse ínterim, como pauta reivindicatória, a Primavera Secundarista abarcou também um posicionamento acerca do PL Escola Sem Partido, trazendo à tona uma situação em específico que envolveu a professora de Sociologia Gabriela Viola. Ao lecionar uma aula sobre Karl Marx, surgiu a proposta, em sala com os alunos, de abordar o tema utilizando o gênero paródia em recurso virtual. O material em vídeo divulgado pela docente e sua turma foi disseminado em várias páginas “de direita”. Assim como a repercussão negativa se propagou nas malhas da internet, após o afastamento de Gabriela da unidade escolar, os alunos tentaram viralizar a hashtag #VoltaGabi (Figura 35), ganhando visibilidade nacional por conta do suporte midiático do Projeto Escola Sem Partido. Segundo os alunos, essa foi a sua primeira experiência (positiva) de ciberativismo.

Figura 35 – Viralização da hashtag #VoltaGabi.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=JLz7szvKOFw.

Além do crescimento do movimento, havia paralelamente um frequente apoio de professores, que possuíam, neste estado, um histórico de luta significativa, em especial no protesto ocorrido na Praça Nossa Senhora da Salete, por conta disso rebatizada Praça 29 de Abril. Num ato de resistência, em 2015, os movimentos

social e sindical, abrangendo servidores estaduais – principalmente professores –, se opuseram ao projeto de lei da Paraná Previdência. O resultado dessa experiência foi que cerca de duzentas pessoas ficaram feridas.

Sobre a política contemporânea, uma professora explica o período histórico de retrocesso pelo momento de transição a um governo ilegítimo. E, por esse motivo, o Brasil passa por uma fase de instabilidade social e perda de direitos historicamente adquiridos.

O documentário aborda, ainda, sobre as forças que se estabeleceram contra o movimento de ocupação em organizações muitas vezes realizadas em inúmeras páginas criadas no Facebook (Figura 36). Em destaque, têm-se os coletivos MBL e “Mamãe, Falei” com militantes se organizando ofensivamente nas redes sociais, marca forte desses grupos marcadamente jovens que se popularizaram principalmente através de estratégias midiáticas na internet.

Figura 36 – Páginas pela desocupação no Facebook.

Conforme colocado no capítulo 3, a audiência dessas lideranças juvenis é muito significativa. Sobre elas, no ano de 2019, foi lançado o livro Como um grupo de desajustados derrubou a presidente: MBL: A origem, que, segundo descrição presente no site de vendas Amazon, a obra narra o “processo de constituição do movimento político que ajudou a articular o impeachment de Dilma Rousseff com a ajuda das redes sociais”52.

Como exemplo, em janeiro de 2020, o perfil do atual deputado federal Kim Kataguiri (Partido Democratas), fundador e coordenador do MBL, conta com 1,1 milhão de seguidores em sua conta do Instagram. Só para efeito comparativo, o ex- presidente da república Lula possui 1,7 milhão de seguidores em seu perfil na mesma rede social. No contexto do ciberespaço, o rapaz da MBL possui um pouco menos de influência digital que o governante que permaneceu politicamente atuante no governo federal por pelo menos treze anos, ou seja, oito anos como presidente democraticamente eleito, e mais cinco anos no apoio e suporte à ex-presidenta Dilma.

Assim como nos demais documentários, a exposição acerca da atuação policial recebe grande destaque pelo impacto aos jovens sem experiência em confrontos violentos, como no relato que aborda sobre uma ofensiva à escola ocupada: “Chegou PM, Batalhão de Choque, Guarda Municipal”, por meios oficiais, e “Pedra, bomba, tijolo, buzinaço, carros rondando”, por meios de ações da própria sociedade civil (Figura 37).

52 Disponível em: https://www.amazon.com.br/Como-grupo-desajustados-derrubou-

presidente/dp/850111796X?tag=lomadee0850015063-

Figura 37 – Self media que registra o ataque à escola ocupada.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=JLz7szvKOFw.

Em todas as experiências de embates físicos, inegavelmente uma das “armas” de salvaguarda do coletivo jovem foi o recurso da filmagem via self media, seja ela pessoal, pelos próprios alunos, ou dos coletivos jovens instituídos para atuarem como “jornalistas” dos acontecimentos. A ferramenta digital garantiria, nesses casos, a evidência do ponto de vista dos estudantes, representados imageticamente em suas ações enquanto subalternos, vítimas dos ataques conflituosos na guerra do Estado opressor contra a população sem direitos. Especialmente os direitos relativos à educação pública, pelos quais lutavam fortemente, e, ainda, pelo direito em se posicionar politicamente em ações reivindicativas.

A união daqueles atores sociais, naturalmente, representava uma ameaça pois reverberava e, aos poucos, conquistava mais apoio, assim como repercussão no ciberespaço. Os sujeitos que acompanhavam a Primavera Secundarista somente pelos telejornais, evidentemente, não assistiam a tais denúncias, posto

que o alcance se limitava aos internautas que possuíam alguma empatia ou confiança com a mídia alternativa. Vale colocar que a desconfiança em relação aos conteúdos virtuais ainda é bastante significativa, além do senso comum que gera diversos preconceitos em relação a conteúdos que representam a esquerda brasileira.

Como situação ainda mais grave do cenário da violência, o filme homenageia o universitário Guilherme Neto, mais conhecido pelo sobrenome “Irish” (Figura 38), brutalmente assassinado pelo pai por militar politicamente. Segundo o noticiário: “Guilherme era ligado a movimentos sociais, incluindo as ocupações de escolas contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estabelece teto para o aumento dos gastos públicos” (SÍLVIO, 2016, s/p.). Em oposição ao engajamento do filho, Alexandre, que “não concordava com o comportamento e o modo de ser do filho, considerado ‘alternativo e revolucionário’" (SÍLVIO, 2016, s/p.), realizou vários disparos em direção ao rapaz após uma discussão. Sobre o ciberativismo do estudante, a reportagem coloca:

Em uma conta nas redes sociais, Guilherme demonstrava interesse em assuntos ligados à questões sociais e política. Além disso, ele também participava de comunidades sobre assuntos como o fim da cultura do estupro, legalização do aborto e se posicionava contra a gestão de Organizações Sociais (OSs) na Educação (SÍLVIO, 2016, s/p.).

Figura 38 – Homenagem ao ativista assassinado.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=JLz7szvKOFw.

Em suas considerações finais, o documentário coloca: “No dia 13 de dezembro de 2016, o Senado, temeroso pela resistência popular, aprovou às pressas a PEC 241/55. Neste mesmo dia, 48 anos antes, a ditadura militar emitia o AI-5, iniciando sua fase mais violenta”. Passado e presente relacionados findam mais uma reflexão sobre a democracia no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A escola unitária ou de formação humanista ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação intelectual”53.

(Antonio Gramsci)

Há pelo menos dez anos, venho realizando minhas pesquisas sempre com temáticas voltadas ao ciberespaço, linguagens e comunicações virtuais. Isso sempre me instigou pois abrangia, além dos recursos e suportes comunicacionais, as possibilidades de vínculos sociais na sociedade civil. Afinal, a internet reduziu distâncias ao desterritorializar espaços, proporcionou encontros, principalmente através das mídias sociais, e propagou ideias no tempo de um clique.

Desse modo, é comum o deslumbramento com tantos acontecimentos possíveis e realizáveis no universo da cibercultura a partir das TICs. Dentre tantas questões possíveis a serem abordadas, meu interesse se aproximou ainda mais das vozes que podem ser ampliadas. Falas, sentimentos e demandas que podem ser explicitados na grande rede mundial digital, ou seja, em todo o mundo. Segundo Pierre Lévy:

Essa ágora virtual facilitaria a navegação e a orientação no conhecimento, promoveria trocas de saberes, acolheria a construção coletiva do sentido, proporcionaria visualização dinâmica das situações coletivas, permitiria, enfim, a avaliação por múltiplos critérios, em tempo real, de uma enorme quantidade de proposições, informações e processos em andamento. O ciberespaço poderia tornar-se o lugar de uma nova forma de democracia direta em grande escala (1994, p.64).

Assim, nos termos de uma suposta democracia virtual, no contexto da luta de classes, comecei a presente pesquisa refletindo acerca do diálogo democrático

53 Tradução livre. Original: “La scuola unitaria o di cultura generale ‘umanistica’ dovrebbe proporsi di

immettere nella vita attiva i giovani con una certa autonomia intellettuale, cioè con un certo grado di capacità alla creazione intellettuale e pratica, di orientamento independente”.

já que as lutas não podem cessar enquanto houver tantas desigualdades latentes. E, afinal, a internet realmente promove debates significativos que ratifiquem a liberdade de expressão? Como construir um mundo mais justo através do acesso à cultura e ao conhecimento? O ciberativismo contribui para uma sociedade democrática a partir de uma práxis política de criação e conservação de direitos contra exclusões e privilégios? Conforme coloca Chauí:

A democracia é uma forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades (...) conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a ideia dos direitos (econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade (2019, p.11-12).

Naturalmente, essas questões são pontos anteriores à definição do escopo da presente tese, posto que, ao definir um recorte para iniciar este estudo, deparei- me com um movimento juvenil significativo e potente que reacendeu a discussão sobre o papel do jovem na política:

Outra questão que impressiona é o fato de serem tão jovens. As lideranças são crianças de 14, 17 anos. Mas é uma geração diferente, fala com desenvoltura, sabe o que quer e articulou um dos mais bem organizados movimentos juvenis dos últimos tempos. Tanto que o levante estudantil já está sendo chamado de “Primavera Secundarista” (RODRIGUES, 2016, p.10).

Os “ocupas” são nativos digitais, e comumente usam esse mundo cibernético de modo autodidata, “É como se a digitalização estabelecesse uma espécie de imenso plano semântico, acessível em todo lugar, e que todos pudessem ajudar a produzir, a dobrar diversamente, a retomar, a modificar, a dobrar de novo...” (LÉVY, 1996, p.49). E, na sociedade da informação, as self médias têm um papel fundamental concretizadas em narrativas públicas virtuais.

A narrativa da Primavera Árabe, disseminada nas mídias sociais, sensibilizou a população dos países envolvidos e, também, de outros países no mundo. A Revolução Egípcia, as Insurreições Árabes, os Indignados na Espanha, o Occupy

Wall Street e as Jornadas de Junho no Brasil, citando exemplos observados por Manuel Castells. Segundo o autor:

Quando se desencadeia o processo de ação comunicativa que induz a ação e a mudança coletivas, prevalece a mais poderosa emoção positiva: o entusiasmo, que reforça a mobilização societária intencional. Indivíduos entusiasmados, conectados em redes, tendo superado o medo, transformam-se num ator coletivo consciente (2013, p. 158).

Nesse contexto, a partir da possibilidade de resistência e mudança articulados no ciberespaço, surgiu para mim a questão: Como viralizar os ideais contra a hegemonia da classe dominante e conscientizar a classe oprimida?

Para Gramsci, a hegemonia – no âmbito cultural, político, ideológico, de concepção de mundo – é um conceito que explica a luta de classes, constituída pelo consenso das grandes massas que involuntariamente aceitam as ideologias dos grupos que estão no poder. Contudo, e se não houver tal aceitação? É possível questionar a liderança visto que esta propõe uma visão de mundo que remete a interesses dos privilegiados?

A transformação do mundo, segundo Gramsci, pode se desenrolar pelos vieses de uma reforma intelectual e moral. Controverter os intelectuais “escolhidos” pelo Estado, rechaçando a hegemonia social vigente e do governo instituído “democraticamente” acolhe modificações profundas na sociedade civil, que podem se constituir a partir de ações pedagógicas.

E se o start dessa mudança partir das escolas? Quando um aluno inicia uma rebelião contra leis federais, primeiro, ele ousa combater um potente sistema fundamentado no materialismo histórico, que se perdura ao longo da história do país desde a sua “descoberta”. A paixão estabelecida pelos secundaristas, paixão política colocada por Gramsci no Quaderno 13, que mobiliza, inspira e convida ao enfrentamento real, foi a chama que tornou a militância mais poderosa. Isso se comprova pelos recuos políticos observados, à guisa de ilustração, nos governos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Ao longo de muitos meses, as “crianças” inexperientes e não educadas para tanto – conforme se observa, considerando a realidade do sistema brasileiro da educação pública, propositalmente omisso e notadamente corrupto, sem

estratégias de melhoras significativas a longo prazo – superaram o senso comum. Os secundaristas aprenderam autonomamente a partir de buscas no Google, tutoriais digitais, vídeos no YouTube, relatos no Facebook, modos de apreensão que são peculiares aos nativos digitais. E, assim, inspirados em experiências positivas, principalmente no movimento de ocupação realizado num país latino- americano vizinho, o Chile, eles foram adiante, sem líderes, sem partidos, sem sindicatos, horizontalmente porque, desde o início, a proposta se compôs nesse formato. A perspectiva era por um “mundo melhor” para eles, seus filhos, netos, mas