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“E é necessário definir a ‘vontade coletiva’ e a vontade política em geral no sentido moderno, a vontade como uma consciência operativa de necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e imediato”.9

(Antonio Gramsci)

Segundo Marcos Del Roio (2018), vive-se, atualmente, uma crise ainda mais grave do que a vivida pelo italiano Antonio Gramsci em sua juventude. O filósofo nasceu na Sardenha, ilha localizada em área periférica da Itália, conhecida como uma região colonizada pelo norte do país – algo que sempre o preocupou.

Gramsci dedicou sua vida às questões operárias, posto que, ao sair de sua cidade natal, foi para a região industrial de Piamonte, local no qual pôde conviver com o mundo dos operários, o que o aproximou do partido socialista.

Posteriormente à Revolução Russa, também se tornou próximo do bolchevismo, além de outras influências essenciais ao desenvolvimento de suas próprias ideias, tais como os pensamentos de Karl Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo, George Sorel etc. Reflexões estas que compareceram, anos mais tarde, nos Cadernos do Cárcere.

À época de 1919 e 1920, ocorreu uma experiência significativa nas fábricas da cidade de Turim entre os conselhos operários – ações inspiradas nos conselhos da Rússia (“sovietes”, expressão traduzida do russo “совет”). Gramsci participou da fundação do Partido Comunista Italiano (PCI), em 1921, após a derrota dos conselhos, o que foi fundamental para o desenvolvimento intelectual do pensador sardo. Ele assumiu a direção do partido em 1924, sendo consagrado secretário-

9 Tradução livre. Original: “E occorre che si definisca la ‘volontà collettiva’ e la volontà politica in

generale nel senso moderno, la volontà come coscienza operosa della necessità storica, come protagonista di un reale e immediato dramma storico”.

geral do PCI, reestruturando-o no âmbito de sua organização e concepção no período de 1924 a 1926.

Ao final de 1926, com a consolidação da ditadura fascista através da violência, ocorreram diversas prisões, incluindo daqueles que possuíam imunidade parlamentar, como Gramsci. Apesar de sua saúde desde sempre delicada e, naquele momento, encarcerado, ele obteve autorização para escrever, e produziu 33 manuscritos (os intitulados Cadernos do Cárcere), o que ocorreu no período de 1929 a 1935.

Assistematicamente, os cadernos versam sobre diversos temas que foram elaborados e reelaborados – exceto quatro desses escritos, que são traduções. Curiosamente, à época, Gramsci recusou a publicação dos escritos pré-carcerários. Contudo, postumamente, seus registros se tornaram públicos e, ainda, necessários para a militância.

A leitura desafiadora destes cadernos gera inúmeras discussões por conta da ausência de uma interpretação una, o que possibilita distorções diversas:

No Brasil, Gramsci tem sido interpretado de muitas maneiras diferentes, conforme a inserção política de seus leitores, com polêmicas, controvérsias e críticas unilaterais sobre as formas de apropriação de seu pensamento, que não pretendemos abordar diretamente aqui, embora a nossa posição se esclareça na medida em que explicitamos a noção de verdade contida nos próprios cadernos. Entendemos que não existem proprietários da verdade sobre o texto de Gramsci (...). Os equívocos nascem da leitura parcial do autor ou da dificuldade de uma reflexão com base no método dialético, como é o caso da separação entre Estado e sociedade civil atribuída a Gramsci e completamente equivocada e, inclusive, criticada pelo próprio autor (SCHLESENER, 2016, s/p.). A morte de Gramsci ocorreu precocemente em função da sua prisão em Turi, onde permaneceu até 1933. Apesar de ter sido direcionado à clínica de repouso e ter saído da prisão após dez anos, ele morreu provavelmente por derrame cerebral em 1937. Contudo, há rumores de que tenha morrido envenenado (DEL ROIO, 2018).

Dentre as importantes reflexões gramscianas registradas em seus escritos carcerários, um dos legados essenciais envolve a ideia que postula o vínculo

indissolúvel entre teoria e prática e, do mesmo modo, a necessária não dissociação entre o pensamento e a ação.

Por este e outros pensamentos que compõem o seu legado, seus textos contribuem significativamente para o entendimento da sociedade nos dias de hoje e, ainda mais, para pensar de que modo se pode agir a fim de modificar a realidade a favor dos subalternos. E, ainda:

Seu humanismo e abertura para a filosofia pela noção de práxis coloca o processo de conhecimento, a pedagogia e a cultura no centro da necessidade e da produção humana para pensar os desafios da modernidade e do processo civilizatório (BOCAYUVA, 2019, s/p.).

Nas lutas populares, entende-se como necessário o estabelecimento de uma consciência política que permita perceber a realidade em seus aspectos democráticos de modo que os menos favorecidos possam reivindicar melhores condições de vida em sociedade, corroborando para a realização da práxis revolucionária.

Para a construção de tais subjetividades e, também, de uma coletividade que compartilhe ideais comuns, o Quaderno 13, produzido às vésperas de um colapso na saúde de Antonio Gramsci, em 1933, representa o ponto mais elevado dos escritos carcerários do pensador sardo.

O registro intitulado “Breves notas sobre a política de Maquiavel”10 se estende

inerentemente sobre a política – questão marcante em suas experiências de vida: “os 40 parágrafos que formam o Caderno 13 se apresentam como testamento político de Gramsci, ao mesmo tempo, um legado e um campo aberto de investigações e de férteis inspirações para o nosso tempo” (SEMERARO, 2017, p.36).

Na abordagem gramsciana – de visão orgânica –, nota-se a relação intrínseca entre política, filosofia e educação, assim como suas relações dialéticas, traduzindo, no âmbito político, a concepção da filosofia da práxis presente nos Quaderni 10 e 11 e, ainda, os pensamentos sobre intelectualidade e educação colocados no Quaderno 12. Assim, “Levando em conta a cronologia e a composição

das anotações, percebe-se que o Caderno 13 se coloca como a culminância do mais importante grupo dos Cadernos especiais 10-11-12-13, o coração da obra carcerária” (SEMERARO, 2017, p.36).

Partir dessa visão que engendra conceitos imbricados, portanto, torna-se necessário para traçar paralelos das ideias gramscianas com a contemporaneidade a fim suscitar interpretações e reflexões que envolvem a análise do movimento estudantil aqui observado no contexto da cibercultura. Isso porque o filósofo aborda sobre a potência das massas ao se tornarem atuantes na busca pela própria soberania, o qual marca o caráter autêntico e, principalmente, revolucionário da política.

Todos devem questionar as relações de poder concernente a uma ideia de imutabilidade de uma pirâmide que estagna possíveis modificações daqueles que detêm o controle sobre as decisões da nação. A direção das ações governamentais tomada por ricos, em detrimento da dignidade humana dos mais humildes, pode e deve passar para as mãos do povo dentro de uma proposta de reviravolta na relação entre dirigentes e dirigidos. Destarte:

Gramsci refunda a política não apenas sobre relações sociais sujeitas às mudanças na história, mas, principalmente, sobre a constituição do poder que se origina na práxis das classes subalternas. Neste sentido, o Caderno 13 apresenta-se como o esboço de um tratado político militante totalmente inovador, campo aberto para as atuações criativas dos dominados e a construção da sua hegemonia, em contraposição à tradicional consagração das teorias hierárquicas elaboradas pelas classes dominantes (SEMERARO, 2017, p.40).

E, para abordar outros pensamentos essenciais à pesquisa, mais adiante e, em mais detalhes, os próximos subcapítulos resgatarão importantes reflexões gramscianas para as análises propostas. Os quais, sempre que possível, serão relacionados à temática investigada para contextualização dos assuntos que compõem a tessitura da tese.

2.1 FILOSOFIA DA PRÁXIS

A atuação dos jovens estudantes que iniciaram o movimento Primavera Secundarista em São Paulo no ano de 2015 reacendeu a perspectiva de questionamento do próprio aluno em relação ao espaço que ele frequenta e “ocupa”. Pensar o seu papel em possíveis ações que possam reverberar melhorias para a qualidade de ensino de sua unidade escolar pode e deve ser uma de suas preocupações como jovem aprendiz, dadas as condições impróprias de muitas instituições públicas que, em princípio, deveriam prover conhecimento e formar cidadãos no país.

Assim, o protagonismo juvenil é notoriamente marcante e significativo não só em suas ações ao ocupar as escolas e resistir às investidas do governo para estancar o crescente levante, como também nos registros virtuais públicos que “ocuparam” as malhas da internet via self medias que são, na rede, “espaços de troca de informação, mas não profissionalizada, já que são produzidos por utilizadores comuns” (AMARAL; SOUSA, 2009, p.2).

Posto que a filosofia da práxis fundamenta o arcabouço tanto teórico quanto metodológico desta tese, resgata-se a abordagem do referido conceito a partir do pensamento gramsciano. Por isso, acerca do que seja a filosofia da práxis, a pergunta urgente que abarca a questão é: qual é a função “educativa” de compreender os mecanismos do poder político? (MONASTA, 2010, p. 29). Uma possibilidade de resposta se aplica à possibilidade de uma visão não idealista da realidade que, de algum modo, promova a participação na luta política contra os poderes que oprimem a população. Assim como favorecer a formação de uma opinião própria à margem do poder político (MONASTA, 2010, p. 29).

Em O Príncipe, de 1513, Nicolau Maquiavel tece um relato sobre “os aspectos brutais e perversos do poder político, uma vez que o escritor florentino ‘descrevia’ o que era a política na realidade (e, talvez, o que sempre será) e não no que deveria ser” (MONASTA, 2010, p. 29). Ao desvendá-lo, introduz a concepção do que poderia ser chamado “pensamento crítico”, visto que, nesse processo de “descortinamento” das atuações reais dos sujeitos políticos, a compreensão crítica

pode ser estabelecida. Segundo Gramsci, tal visão não envolve simplesmente a dualidade em que se estabeleça uma postura contrária, ou seja, que a crítica seja “uma espécie de oposição contra alguma coisa que não queremos”.

O filósofo sardo vai além, pois seu pensamento vislumbra a base material histórica em contínua transformação. O seu enfoque é orgânico, fundamentalmente ideológico e, por isso, educativo:

A seu juízo, existe um particular enfoque ideológico, isto é, educativo, que é preferível a qualquer outro, não por razões teóricas, nem porque algum enfoque seja “certo” e os outros sejam “falsos”, mas, sim, por razões práticas: é a “filosofia da práxis”, um instrumento ideológico para expandir a consciência das massas sobre o mecanismo da política e da cultura e sobre a determinação histórica e econômica das ideias, tornando as massas populares melhor capacitadas para controlar suas vidas e “dirigir” a sociedade ou “controlando os que a dirigem” (MONASTA, 2010, p. 30).

Para Gramsci, tal instrumento ideológico corrobora para uma inseparável articulação entre teoria e prática, de modo que o pensamento se vincula à ação efetiva e, consequentemente, que esta venha a se tornar revolucionária. Nesse ponto, urge a superação do senso comum e da filosofia dos intelectuais, numa atitude polêmica e crítica. E mais, no processo crítico-reflexivo, coloca-se que:

uma introdução ao estudo da filosofa deve expor sinteticamente os problemas nascidos no processo de desenvolvimento da cultura geral, que só parcialmente se reflete na história da filosofia, a qual, todavia, na ausência de uma história do senso comum (impossível de ser elaborada pela ausência de material documental), permanece a fonte máxima de referência, para criticá-los, demonstrar o seu valor real (se ainda o tiverem) ou o significado que tiveram como elos superados de uma cadeia e fixar os problemas novos e atuais ou a colocação atual dos velhos problemas (MONASTA, 2010, p. 78).

Em sua primeira abordagem a respeito do termo “filosofia da práxis”, Gramsci coloca que “tudo se baseia na ação concreta do homem que, por suas necessidades históricas, opera e transforma a realidade”11 (Q 5 § 127).

Desse modo, tomando a filosofia da práxis como princípio de reflexão e investigação acadêmica, social e política, e partindo da abordagem que se

11 Tradução livre. Original: “si basa tutta sull’azione concreta dell’uomo che per le sue necessità

fundamenta na cibercultura, para esta tese, as ações concretas do movimento Primavera Secundarista identificadas nos registros virtuais são o foco da presente análise crítica.

A atuação dos jovens, enquanto representantes subalternos – não são estudantes da elite brasileira (oriundos de escolas pagas), posto que frequentam as escolas administradas pelos governos estaduais e/ou federal – pode revelar um modo de agir orgânico, consubstanciado pelo materialismo histórico no qual comparecem os movimentos sociais da era digital. Historicamente, diversas insurgências populares reivindicatórias vêm se organizando a partir das redes sociais virtuais. Inclusive, nesses espaços, inúmeras “denúncias” político-sociais são disseminadas de modo a buscar a sensibilização, e até a revolta, dos sujeitos conectados, convidando-os à luta.

Contudo, tais debates não podem permanecer no âmbito dos espaços on- line para que uma mobilização se torne efetivamente prática, alcançando o conceito da filosofia da práxis. Por isso, após um suposto processo reflexivo, de críticas às mudanças legislativas na educação nacional, os secundaristas decidiram, em assembleias internas nas suas respectivas instituições escolares, ocupar as escolas. O efeito dominó, em que, gradativamente crescente, o número de unidades ocupadas foi aumentando, pode ter se dado a partir dos recursos tecnológicos da cibercultura, de acordo com a velocidade e alcance que a internet permite a seus usuários.

Conforme Gramsci expõe no seguinte excerto:

É evidente que, para a filosofia da práxis, a ‘matéria’ não deve ser entendida nem no significado que resulta das ciências naturais (...) nem nos significados que resultam das diversas metafísicas materialistas (...). A matéria, portanto, não deve ser considerada como tal, mas como social e historicamente organizada pela produção e, dessa forma, a ciência natural deve ser considerada essencialmente como uma categoria histórica, uma relação humana12 (Q 11 § 30).

12 Tradução livre. Original: “É evidente che per la filosofia della praxis la «materia» non deve essere

intesa né nel significato quale risulta dalle scienze naturali (...) né nei suoi significati quali risultano dalle diverse metafisiche materialistiche (...). La materia non è quindi da considerare come tale, ma come socialmente e storicamente organizzata per la produzione e quindi la scienza naturale come essenzialmente una categoria storica, un rapporto umano”.

A relação humana realizada virtualmente nas malhas da internet resultou num ciberativismo que promoveu um levante significativo em mais da metade dos estados brasileiros. Por isso, de algum modo, a filosofia da práxis – que, por conceito, é revolucionária, posto que se rebela de modo a refletir e, também, a agir – pode fundamentar o movimento social dos alunos das escolas públicas brasileiras, engajados prioritariamente na contestação das leis governamentais.

2.2 HEGEMONIA

Gramsci utiliza o termo hegemonia entre aspas ao relacionar seu sentido “à genérica acepção de ‘preeminência’, ‘supremacia’”, “constituindo um espectro extremamente amplo de significados em um âmbito de contextos” (COSPITO, 2017, p. 365). Nos Cadernos do Cárcere, também surgem termos adjacentes vinculados ao conceito, que são “hegemonia cultural”, “hegemonia político-cultural”, “político- intelectual”, “intelectual, moral e política” e similares (COSPITO, 2017, p. 365), tornando inviável a definição precisa da expressão.

Apesar disso, o pensamento gramsciano explicita o modo como as forças sociais se relacionam e se movimentam através de instituições diversas em disputa pelas direções política, intelectual e moral da sociedade (SILVA, 2017).

Em Gramsci, a ideia de hegemonia se vincula dialeticamente às dimensões ideológica e econômica posto que a reforma econômica se materializa a partir da reforma intelectual e moral. Além disso, ele coloca sobre a questão ético-política da dominação hegemônica:

O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos hegemônicos sobre quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromissos não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo

dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica (Q 13 § 18).13

Para uma reforma que enfrenta uma hegemonia já estabelecida socialmente, parte-se da ideia da construção hegemônica fundamentada no domínio da esfera econômica, e permeada pelo controle de setores estratégicos, como da mídia e da produção do conhecimento – que envolve, neste ponto, a intelectualização tradicional.

A expectativa de uma mudança de base engloba a conquista de espaços na sociedade civil, assim como a organização dos sujeitos enquanto “sociedade política”. Conforme coloca Semeraro: “Para chegar a isso não era suficiente se contrapor e derrubar o Estado autoritário, era preciso conquistar espaços na complexa rede da sociedade civil e se organizar como sociedade política” (2007, p.100). Nesse progresso, o projeto alternativo de sociedade, num estado democrático de direito, pode se tornar viável à medida que se ganha o consenso da população no campo da cultura, na elaboração da ideologia, nas organizações sociais como um todo, na formação de partidos, na orientação da produção, na condução da economia e da administração pública (SEMERARO, 2007), para citar pontos-chave. Segundo Gramsci, o domínio da sociedade civil: “obtém resultados objetivos de elaboração nos costumes, nas formas de pensar e operar, na moralidade, etc.”14 (Q 13 § 7), ou seja, em muitos âmbitos nos modos de viver do

povo.

Nesse embate, contra a hegemonia dominante: “a guerra de posição, na política, é o conceito de hegemonia”15 (Q 8 § 52), observado por Gramsci como

projeto alternativo de sociedade constituído por grupos populares organizados. O objetivo envolve a formação de dirigentes para o autogoverno em prol de uma mudança orgânica na construção de um estado democrático popular. Assim:

13 Tradução livre. Original: “Il fatto dell’egemonia presuppone indubbiamente che sia tenuto conto

degli interessi e delle tendenze dei gruppi sui quali l’egemonia verrà esercitata, che si formi un certo equilibrio di compromesso, che cioè il gruppo dirigente faccia dei sacrifizi di ordine economico‑corporativo, ma è anche indubbio che tali sacrifizi e tale compromesso non possono riguardare l’essenziale, poiché se l’egemonia è etico‑politica, non può non essere anche economica, non può non avere il suo fondamento nella funzione decisiva che il gruppo dirigente esercita nel nucleo decisivo dell’attività econômica”.

14 Tradução livre. Original: “ottiene risultati obbiettivi di elaborazione nei costumi, nei modi di pensare

e di operare, nella moralità ecc.”

Mais do que preocupada em se livrar da dominação e resgatar a própria dignidade, a conquista da hegemonia mobiliza para construir um projeto alternativo de sociedade, para se habilitar na direção de processos políticos e culturais capazes de expandir para toda a sociedade a democracia popular (SEMERARO, 2007, p.100-101). Na observação de diversos eventos criados nas redes sociais, podem ser identificados impulsos contra-hegemônicos que buscam enfrentar as organizações que se posicionam contra os direitos do povo, representantes de ideologias e cultura do poder dominante.

Os movimentos sociais em rede, de um modo geral, se concretizam a partir de um desvelamento da realidade, fruto de uma conscientização acerca dos acontecimentos que privam a dignidade de grande parte da população: a maioria (pobre) do país. E as redes colaborativas on-line, do mesmo modo que criam espaços de resistências, contêm estratégias que ratificam o posicionamento da hegemonia das elites via “intricadas tramas e seus algoritmos moleculares e globais, hoje condutores da biopolítica e das macroestruturas do poder” (PRETTO; SILVEIRA, 2008, p.7), o que pode ser denominado como “informática de dominação”. Perceber o modo como “as redes reconfiguram a sociedade, a educação e a cultura” (PRETTO; SILVEIRA, 2008, p.10) pode favorecer a organização dos movimentos sociais.

A mobilização popular, virtual ou não, é importantíssima, contudo, para a conquista da direção política, urge ir além da superficialidade reflexiva e da reivindicação que não alcança a modificação orgânica da estrutura social e econômica. Segundo palavras de Gramsci, “criar um novo nível de civilização”16 e

“uma questão de função e atitude do todo indivíduo físico no homem coletivo; questionar também qual é a ‘natureza’ do direito segundo uma nova concepção do estado, realista e positiva”17 (Q 8 § 52). O Estado e sistema econômico do modo

como são, permanentemente a serviço dos mais abastados, não servem aos subalternos. Da mesma maneira, não atendem a mínimas condições para uma vida

16 Tradução livre. Original: “creare un nuovo livello di civiltà”.

17 Tradução livre. Original: “quindi quistione della funzione e dell’atteggiamento di ogni individuo fisico