• Nenhum resultado encontrado

DESCONTINUIDADES E REFLEXIVIDADE: PANORAMA DA GESTÃO

O cenário de mudanças no município de Goiana, representado pelo crescimento industrial, manifesta modificações na história do município, caracterizada pela produção da monocultura canavieira. Contudo, o histórico da atividade agrícola ainda é representativo da identidade local, como ressalta o estudo da Hemobrás; Fiocruz (2013, p. 33) “esse contexto de grande relevância adquirida pela cultura da cana ainda reflete bastante na estrutura fundiária e atividades socioprodutivas no município”. As constatações do estudo citado fortalecem a reflexão sobre a identidade cultural do município construído pela monocultura e as modificações da industrialização recente.

Considerar o cenário de mudanças implica buscar a compreensão de valores distintos. Se, por um lado, a estrutura fundiária do município torna presente a história econômica da monocultura local, por outro, mudanças significativas se estabelecem com a instalação de empresas e outros empreendimentos imobiliários.

O panorama municipal desse cenário de crescimento apresenta “continuidades” e “descontinuidades”, que se relacionam à história local. O quadro de contradições é visível nos aspectos de infraestrutura urbana, expansão urbana desordenada, sistema de coleta desestruturado, entre outras questões. Por outro lado, o município tem a implantação de empreendimentos industriais de alta tecnologia.

As “descontinuidades”, interpretadas a partir da teoria social proposta por Anthony Giddens, trazem elucidações sobre o processo de desenvolvimento desigual e evidenciam características da modernidade e, mais especificamente, consequências da própria modernidade como menciona o sociólogo.

“continuidades” e “descontinuidades” são compreendidas como integrantes do processo de desenvolvimento histórico e estão associadas à modernidade. Tal associação revela que os modos de vida produzidos na modernidade divergem dos modos de vida tradicionais e tendem dessa forma a revisões que alteram o caráter das práticas sociais promovendo novos saberes e modos de vida.

Em Goiana a modernidade, nos termos em que trata a teoria, é compreendida nas diferenças impostas pelas mudanças do crescimento industrial. A expansão urbana, crescimento desordenado, problemas de mobilidade, são exemplos de mudanças que se impõe ao contexto tradicionalmente apresentado pelo município. Outro exemplo, apropriado a essa discussão, é o aumento da taxa de homicídios analisado pela pesquisa da Hemobrás; Fiocruz:

Um dos principais motivos para esse fato está no tráfico e no consumo de drogas no município, diagnosticados pela população como um dos maiores problemas a ser enfrentado. Esse problema é ratificado pelo movimento de interiorização do tráfico e consumo de entorpecentes, que atinge cidades pequenas e médias, especialmente aquelas que passam por um período de crescimento econômico, como o caso de Goiana. (HEMOBRÁS; FIOCRUZ, 2013, p. 33).

Os modos de vida tradicionais são revisados à luz de novas práticas estabelecidas pelo crescimento industrial. O conjunto de inadequações, a falta de planejamento, estrutura inadequada e ausência de gestão democrática nas escolas, a que se referem às falas dos entrevistados, sinaliza a evidencia de que há um processo de “descontinuidades” na agenda de desenvolvimento econômico e social do município. Esse quadro revela que tais mudanças estão relacionadas, no cenário recente do município, à passagem de um contexto fortemente ligado à tradição agropecuária para um contexto industrial.

Essa reflexão teórica subsidia a interpretação do cenário de crescimento industrial em Goiana. Convivências entre práticas sociais diferenciadas anunciam o caráter multidimensional de mudanças e revelam dessa maneira “continuidades” e “descontinuidades” constitutivas da modernidade.

O caráter multidimensional da análise defendida por Giddens significa que não devemos conceber caracterizações exclusivas para elucidar questões da modernidade. Compreende-se que por um lado, questões econômicas exercem influência em determinado contexto, mas, por outro influências tecnológicas e outras que possam ser atribuídas no mesmo âmbito, podem também explicar tais mudanças. Nesse sentido, para o autor, cada um dos elementos presentes nas tradições representa algum papel.

As circunstancias diferenciadas, no tratamento teórico mencionado, são sinalizadoras de que mudanças não fornecem impactos totalizadores e isso se refere ao caráter multidimensional das mudanças. O autor destaca nessa discussão, as conexões entre diferentes regiões ou contextos sociais que se enredam na superfície da terra. Dessa maneira, pensar sobre a perspectiva local, a partir dessa reflexão teórica consiste em entender a influência da perspectiva global.

Pensar sob essa perspectiva global, expressa-se por exemplo, em compreender as implicações do contexto da economia globalizada para a elaboração de políticas educacionais locais. Para exemplificar Giddens menciona que corporações multinacionais, controlam imenso poder econômico e isso condiciona influências aos sistemas políticos. A reflexão

apresentada pelo autor desvela o caráter global embutido na concepção de políticas públicas e presença de atores não governamentais que influenciam a construção política.

A exposição do Secretário de Educação do município de Goiana revela o entendimento sobre a construção de uma política de cooperação com as empresas para o apoio ao melhoramento da estrutura física das escolas. Entendemos que essa é a indicação de construção de uma nova agenda, que envolve a intermediação de novos atores na política educacional.

Nos relatos, que apresentamos sobre o município no cenário de crescimento industrial, destacam-se divergências do planejamento da política de educação, estrutura física de escolas inadequada, impasses entre as orientações legais e práticas da gestão, dependência financeira e ausência de espaços de participação social. Noutra dimensão, o cenário de crescimento industrial traz visibilidade a oportunidades de construção de uma nova agenda que impacta a gestão da educação local. Além disso, a capacitação técnica tem forte demanda como podemos perceber na análise da Hemobrás; Fiocruz, sobre as desvantagens da população local em preencher os novos postos de trabalho:

Desvantagem determinada, dentre outros aspectos, pela baixa oferta de cursos profissionalizantes para a juventude, pela parcela da população adulta apresentar pouca ou nenhuma qualificação, pelo elevado percentual de analfabetismo e pela baixa escolaridade, aspectos por sua vez evidenciados nas reflexões do setor educação. (HEMOBRÁS; FIOCRUZ, 2013, p. 111). As questões cuja visibilidade foi fortalecida pelo cenário de crescimento industrial evidenciam o papel de instituições modernas tratadas por Giddens. O autor ressalta o papel do Estado, como instituição, e as relações que se constroem entre os estados, permeadas por questões políticas, econômicas, culturais, assim como por processos de desenvolvimentos históricos desiguais como enfatiza o autor.

As reflexões da teoria social de Giddens, na qual se evidencia o papel das instituições modernas como o estado-nação nesse contexto de mudanças, aponta para o entendimento que as ações do Estado-nação são permeadas por relações de um contexto mais amplo. Nesse sentido, políticas de financiamento e diretrizes globais embutidas, formação tecnicista, em que a qualificação está voltada para a produção, o tratamento da sustentabilidade relacionado a reformas macroeconômicas e estruturais, confluem para o fortalecimento de uma economia de mercado no mundo.

O entendimento é o da existência de uma configuração do estado-nação, e do estabelecimento de diretrizes globais disseminadas pela conexão entre estados. A questão de

fundo dessa discussão é entender que contextos políticos globais estabelecem influências na política local.

Perceber a política local como resultado de orientações globais ressalta também a política local, no sentido das respostas que são construídas, por exemplo, pela gestão municipal. Percebemos que a gestão da educação tem buscado a construção de uma agenda para o cenário de crescimento que ressalta a cooperação com atores não governamentais para construção de políticas públicas. Esse é um indicativo de que a perspectiva de uma agenda de responsabilidade social está em curso e permeia a construção da política de educação no município.

Nesse contexto, tomando como exemplo a construção do sistema de ensino municipal, que evidencia a autonomia em relação à política educacional local. A construção do Plano Municipal de Educação é outro aspecto que fortalece as diretrizes da política local para a educação. Contudo, as responsabilidades, as demandas em torno da educação demonstram lacunas da gestão em responder a problemas da pauta da educação municipal, e com isso, consolidar diretrizes políticas locais.

As lacunas, como a relação entre o planejamento e as ações da política de educação, o estabelecimento da gestão democráticas nas escolas, entre outras questões, são como um sinal de que o poder público local também passa por processos de “descontinuidades” e de reformulações de suas práticas. Exemplo é a busca por novas formas de cooperação que citamos.

A respeito da dimensão política, Giddens enfatiza as influências do relacionamento econômico entre instituições. O autor menciona que “a autonomia do estado é condicionada, embora não determinada num sentido forte, pela sua dependência de acumulação de capital, sobre qual o seu controle está longe de ser completo” (GIDDENS, 1991, p. 61). Giddens destaca a importância da dimensão econômica, mas também destaca que a autonomia do Estado não deve ser percebida como determinação econômica. Nesse ponto o autor evidencia a dimensão política e tal interpretação subsidia as reflexões sobre governo local e como as diretrizes políticas podem contribuir para um desenvolvimento local inovador. Sobre a discussão Sarmento menciona:

[...] a valorização dos governos locais, entendendo-se as experiências analisadas como inovações que vêm se contrapondo ao padrão neoliberal, apontando para mudanças qualitativas nas relações e práticas do governo local. (SARMENTO, 2005, p. 1373).

A reflexão de Sarmento converge para a discussão tratada por Giddens. Sarmento (2005) destaca que, afora as críticas neoliberais ao papel dos governos, esses são essenciais na construção de políticas de educação. O contexto de crescimento industrial de Goiana desvela essas considerações no campo prático, à medida que a gestão é chamada a responder demandas locais.

Dessa forma, entendemos que a gestão municipal, que age ora estabelecendo um Plano Municipal de Educação, ora regulamentando uma base legal orientadora da política de educação e, posteriormente, desarticulando práticas e instrumentos constituídos de gestão, apresenta “descontinuidades” que fragmentam o projeto político local para a educação.

O papel da gestão local, dessa maneira, não é entendido a partir de uma visão simplificadora em que o planejamento trará ordenação, como ressalta Dowbor. A própria realidade do município demonstra que constituir um Plano não é uma ação acabada. Porém entendemos que a ação planejada promove possibilidades de estabelecer diretrizes mais condizentes com as necessidades locais. Assim, o papel da dimensão política incide sobremaneira na consolidação do desenvolvimento local. Percebemos esse entendimento em críticas registradas nas entrevistas sobre a ausência de planejamento e as improvisações da política local.

Outra questão também tratada por Giddens que se refere à dimensão política é o papel dos movimentos sociais. Para o autor, o papel desempenhado pelos movimentos sociais na modernidade está situado no fortalecimento de canais de participação para o enfrentamento de problemas. Nas entrevistas, percebemos que há requerimento para o fortalecimento de canais de participação como exemplo, a gestão democrática nas escolas e, contudo tais condições ainda não foram estabelecidas.

A mobilização social é evidenciada pela ação contestatória, que se materializa em ações políticas. No contexto de Goiana não objetivamos elencar os movimentos sociais. Contudo, evidenciamos ações contestatórias, que podem ser identificadas como uma mobilização social e exercem influências na construção da política local como, por exemplo, o Sindicato de Professores do município. As críticas à concepção do Plano municipal, à ausência do processo eletivo para as direções das escolas e à falta de transparência em relação aos recursos para a gestão de políticas públicas convergem para esse entendimento da ação contestatória que representa a mobilização social. Assim, a participação política interfere no planejamento e isso se manifesta na capacidade de influenciar o poder decisório em uma sociedade democrática, estabelecendo correlação entre o que é planejado e as necessidades sociais.

No que se refere à participação social, evidenciamos nos relatos que canais de participação para a definição e gestão de ações políticas no contexto municipal são requeridos. Contudo, ainda não são evidenciadas. Por outro lado, a presença do Conselho Municipal de Educação, como órgão que assessora a Secretaria na elaboração da política educacional e concebido historicamente na condição de instância mediadora entre governos e sociedade, confere a estrutura organizacional da política de educação local um canal para que a participação seja constituída.

A fraca visibilidade de canais de participação agrava a aplicação racionalizada de recursos. O entendimento é de que a ausência de participação enfraquece a representação das necessidades da comunidade. A reflexão de Dowbor evidencia essa discussão, ao mencionar que:

Assim, a dramática centralização do poder político e econômico que caracteriza a nossa forma de organização como sociedade, leva em última instância, a um divórcio profundo entre as nossas necessidades e o conteúdo do desenvolvimento econômico e social. (DOWBOR, 2008, p. 5).

Dowbor, ressalta a participação como elemento de apropriação na construção de políticas púbicas. Para o autor, isso é entendido como uma espécie de recuperação do controle do cidadão, sobre as formas de desenvolvimento estabelecidas pelas ações políticas.

A discussão proposta por Giddens sobre a “reflexividade” corrobora com a discussão da participação, à medida que a reflexividade promove mudanças nas práticas sociais. O acesso a informações, o avanço tecnológico, que promove interações e possibilitam que as práticas sociais sejam examinadas e reformadas, produz alterações divergentes das práticas tradicionalmente constituídas.

As considerações apresentadas por Giddens elucidam sobre o papel da educação, como processo que estabelece a “reflexividade”. E a “reflexividade” compreendida nesta perspectiva teórica se correlaciona ao ativismo dos indivíduos que através da reflexividade são constituídos como agentes de mudanças, isto é, uma sociedade civil que fortalece a democracia.

Em consideração a essa orientação teórica, constatamos alguns dados que subsidiam o entendimento dessa categoria de análise proposta por Giddens. O município de Goiana é caracterizado por um contexto de ausência de articulação entre o planejamento político e as práticas da gestão, média de analfabetismo superior à média nacional11, precária infraestrutura

11

das escolas, falta de autonomia financeira da Secretaria de Educação, ausência de processo eletivo para os gestores das escolas e um modelo de gestão centralizado e pouco participativo, entre outros dados da educação em Goiana. Esses dados são indicativos de que o município apresenta lacunas que não promovem a “reflexividade” e que esse quadro é uma referência de “descontinuidades” dos projetos de gestão.