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4 GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO

4.2 DESCENTRALIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL

4.2.2 Políticas de Financiamento

A concepção de descentralização permeia a construção de políticas públicas e a concepção inicial de distribuição de responsabilidades, atribuições e autonomia, mantém também relação com a interface econômica. Krawczyk (2005, p. 811) registra que o processo de descentralização apresenta “novas formas de financiamento, fornecimento e regulação diferentes das tradicionais, exclusivamente assumidas pelo Estado”. O quadro apresentado pela autora se configura na reestruturação do estado, inseridas no processo de redemocratização política.

A reestruturação do estado correlaciona o processo de descentralização, que promove novas funções ao governo central, estaduais e municipais aos recursos para financiamento. Casassus (1990) analisa o processo de reformas estabelecido em ciclos que representam:

1) Reformas orientadas para a expansão dos sistemas educativos de modo que amplie as possibilidades de um maior número de pessoas ingressarem no sistema; 2) processos mais complexos e que são denominados de segunda geração, pois estão relacionados com temas, como os de gestão de sistema e de qualidade. (CASASSUS, 2001, p. 9).

As reformas são apresentadas por Casassus relacionadas à superação de desigualdades sociais, que se fortalecem na política de redução de recursos econômicos e a ineficiência de gestão. O rebatimento desse quadro se sedimenta no processo reformista que tem lastro nos impactos do sistema econômico, e influencia diretrizes políticas, sociais e culturais.

As diretrizes da política educacional desse contexto são fortemente ancoradas, de acordo com Shiroma; Garcia e Campos (2011, p.226), em princípios e preceitos do Banco Mundial. Para as autoras, os objetivos vinculados à maior qualificação da força de trabalho, são enfatizados para garantia da competitividade industrial. Por outro lado, Araújo (2006, p. 296) propõe a reflexão do papel da gestão local na consolidação de uma agenda para a política de educação que esteja ancorada nesses objetivos: “a hegemonia adquirida por essa agenda só se deu pelo papel ativo exercido pelos atores locais, governos que atuam no sentido de legitimar as mudanças educacionais realizadas”. Se, por um lado, aponta-se que as políticas

públicas de educação são permeadas por orientações, como o do Banco Mundial, por outro, os arranjos locais também promovem contextualizações significativas.

O quadro apontado é indicativo dos impactos da economia para a política educacional. Para Peroni, “é um período democrático politicamente, mas o financiamento delimita fortemente as relações entre os entes federados.” (PERONI, 2006, p. 342). A afirmação da autora evidencia uma relação entre os entes federados, direcionada por uma centralização da União. Peroni enfatiza que a subordinação dos entes federados se consolida na necessidade de recursos e isso motiva adaptações das políticas locais para aquisição de verbas.

A descentralização política aponta para mudanças em relação à autonomia dos entes federados, mas, por outro lado, torna o processo de gestão ainda centralizado nas diretrizes da União. Farenzena (2014) destaca que a federação que emerge da Constituição de 1988 e do quadro político desse período aponta para a não centralização do poder político e o reconhecimento da gestão municipal. Contudo, em meados dos anos de 1990, o estabelecimento de restrições produz limitações à gestão municipal:

Desde a segunda metade dos anos 1990 os estados e municípios foram sofrendo restrições na sua autonomia de implementação de políticas. Um dos principais fatores de restrição é o enquadramento dos estados e municípios na estratégia de ajuste fiscal (privatizações, renegociação das dívidas, geração de superávit primário, disciplina fiscal através da Lei de Responsabilidade Fiscal). (FARENZENA, 2014, p. 2).

A autora destaca ainda que as limitações à gestão municipal apresentam regras mais rígidas no que se refere ao uso dos recursos com programas sociais e que os subsídios da União não abrangem todos os municípios. Dessa forma, o quadro é caracterizado pela transferência de responsabilidade. Farenzena (2014) destaca que grande parte do financiamento da oferta da educação básica cabe aos governos estaduais e municipais. Essa política de descentralização para Leite pode ser compreendida como:

A descentralização, mais correto seria denominar desconcentração, buscava que cada instituição se responsabilizasse pelos serviços prestados, que a população usuária fiscalizasse esses serviços pela participação nos conselhos criados e a criação de um sistema de avaliação externo a ser divulgado publicamente para estabelecer a competitividade e, dessa maneira, a qualidade dos serviços. (LEITE, 2007, p. 221).

Para Leite, a discussão da descentralização está atrelada ao tema do financiamento. A autora afirma que:

No Brasil, a descentralização aparece enquanto diretriz desejável no sistema público na Constituição de 1988, no esteio do processo social e político que se organizava a favor da retomada do caminho democrático e da Reforma Fiscal aprovada que recolocava a discussão sobre a responsabilidade dos entes federativos, em função da descentralização financeira. (LEITE, 2007, p. 226).

A diretriz legal comentada por Leite (2007) é consolidada na Constituição Federal de 1988, no artigo 212, que fixa percentuais destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino:

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os estados, e o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida e proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

Além da garantia dos percentuais fixados na Constituição, a criação de Fundos para a manutenção da educação é construída para atendimento de objetivos específicos relacionados à gestão financeira da educação. Sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF):

Genericamente, um fundo pode ser definido como o produto de receitas específicas que, por lei, vincula-se à realização de determinados objetivos. O FUNDEF é caracterizado como um fundo de natureza contábil, com tratamento idêntico ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), dada a automaticidade nos repasses de seus recursos aos Estados e Municípios, de acordo com coeficientes de distribuição estabelecidos e publicados previamente. As receitas e despesas, por sua vez, deverão estar previstas no orçamento, e a execução contabilizada de forma específica. (BRASIL, 1996, não paginado).

As mudanças promovidas pelo FUNDEF são consideradas por Oliveira e Teixeira (2014) uma inovação, por definir novos mecanismos de distribuição dos recursos já existentes que instituem legalmente e de fato um novo padrão de gestão da educação básica. As autoras mencionam que:

Essa inovação ocorre basicamente porque 15% de alguns impostos devidos aos estados e municípios são retidos numa conta única e repassados a esses entes federados proporcionalmente ao número de alunos matriculados no ensino fundamental das suas respectivas redes de ensino, considerando, no mínimo, o valor por aluno/ano definido nacionalmente. (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2014, p. 4).

As considerações sobre FUNDEF, por Verhine e Magalhães (2003)8 apud Oliveira e Teixeira (2014), destacam as mudanças que conferem uma concepção inovadora e, por outro lado, denunciam a insuficiência de recursos:

Se por um lado esse Fundo tem sido enaltecido pelas suas qualidades de promover transparência por meio da previsão de controle social e da correção das disparidades regionais pela definição de um dispêndio por aluno correspondente a um padrão mínimo de qualidade, por outro lado tem sofrido críticas que denunciam a insuficiência dos seus recursos, a focalização no ensino fundamental em detrimento da educação básica e a iniquidade na proporção de recursos disponíveis em cada estado da federação. (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2014).

As críticas ao FUNDEF culminam no estabelecimento de um novo fundo, que contemple toda Educação básica. Para as autoras, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) consolida uma proposta de inclusão, por abranger além do ensino fundamental, toda a educação infantil, o ensino médio e as modalidades de ensino para todos os níveis, como: educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional.

O FUNDEB foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao FUNDEF.

É um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Independentemente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica. (BRASIL, 2006, não paginado).

A concepção de fundos para a gestão financeira da educação é considerada um avanço para a política educacional, contudo, de acordo com Oliveira e Teixeira (2014), devem promover a qualidade da educação. Sobre essa crítica, Oliveira e Teixeira mencionam que:

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VERHINE, R. E.; MAGALHÃES, A. L. O impacto do FUNDEF no Brasil: resultado de um estudo comparativo realizado em rede nacional. IN: ENCONTRO INTERNACIONAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO COMPARADA: CONSTRUINDO IDENTIDADE LATINO-AMERICANA, 3., 2003, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: SBEC, 2003.

Introduzir a qualidade da educação como um conceito norteador da formulação da política de financiamento exige certa "inversão de raciocínio", pode-se chamar assim. Dever-se-ia partir daquilo que se pretende atingir com a educação, dos objetivos que esta tenha, da função que lhe é atribuída pela sociedade, do perfil de aluno que se deseja formar, das habilidades a serem por eles desenvolvidas. Colocar esse norte à frente da preocupação focalizadora em termos da formulação da política é primeiro saber o que se espera da educação e depois alocar os recursos de maneira a realizar essa expectativa. (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2014, p. 11).

Além das críticas à falta de conexão entre as políticas de financiamento e qualidade da educação, o quantitativo de recursos também é considerado insuficiente. Carneiro e Mesquita consideram que:

Os recursos distribuídos estão longe de garantir a equalização de oportunidades educacionais, e tampouco um padrão mínimo de qualidade do ensino, objetivos da assistência financeira da União aos estados e municípios, conforme o artigo 211 da Constituição Federal. Carneiro e Mesquita. (CARNEIRO; MESQUITA, 2006, p. 355).

Outra crítica diz respeito à descentralização que estabelece responsabilidades à gestão municipal na concepção de políticas de financiamento. Sobre os encargos direcionados aos municípios, Carneiro e Mesquita mencionam:

Os municípios que conseguem auxílio governamental para subsidiar projetos de manutenção da educação infantil, não representam a maioria dos municípios brasileiros, ficando comprovada, desta forma, a transferência desta responsabilidade para os municípios. (CARNEIRO; MESQUITA, 2006, p. 355).

Essa concepção é enfatizada por Farenzena ao se referir às atribuições da União:

A União tem mantido, ao longo dos anos, atribuições que visam construir uma organização nacional, em especial as tarefas de legislação, normatização e planejamento. Todavia, a gestão e grande parte do financiamento da oferta de educação básica cabem aos governos estaduais e municipais. (FARENZENA, 2014, p. 3).

Farenzena considera que essa concepção de descentralização está relacionada à política de descentralização e situada dentro da política neoliberal. Leite (2007) registra que a política neoliberal, empreendida por organismos financeiros internacionais, tomava centralidade na discussão sobre a concepção de descentralização, porém outras discussões também foram tematizadas para elucidar as mudanças estruturais da política nacional, como a

governabilidade, por exemplo. Para a autora, vale destacar os efeitos do impacto da globalização na periferia capitalista e o rebatimento nas reformas estruturais.

A respeito dos impactos da globalização e as influências para as políticas de financiamento, Leite compreende que:

Os estados que perderam capacidade de investimentos, só seriam governáveis se atraíssem investimentos privados, mediante a adoção do conhecido programa de reformas voltada para a desmontagem da institucionalidade em que se fundou a industrialização substitutiva de importações: desregulação, abertura, privatização e descentralização. (LEITE, 2007, p. 228).

Para a autora esse quadro coloca desafios à governabilidade. Leite considera a discussão proposta por Fiori (1995)9, na qual destaca que questões como o imobilismo governamental da União e legitimidade político- institucional permeiam a concepção de descentralização. Em relação ao imobilismo da União, a autora registra que o engessamento do governo central promove competição por financiamentos entre os entes federativos, o que distorce o pacto federativo e aprofunda desigualdades, como também promove acirramento da guerra fiscal.

Quanto à questão da legitimidade político-institucional, Leite (2006, p. 228) menciona que as experiências observadas em outros estados podem ser experimentas também no Brasil, como “o esvaziamento das militâncias partidárias, a substituição dos partidos políticos pela mídia e um crescente esvaziamento do próprio processo eleitoral”. Leite enfatiza que essas questões estão diretamente relacionadas à estratégia de descentralização e ajudam a entender o contexto de implementação das políticas educacionais.

O sistema de financiamento está inserido na concepção política que enfatiza a descentralização e, dessa forma, evidencia as desigualdades regionais. Araújo enfatiza que:

O sistema de financiamento da educação pública brasileira, escorado na vinculação de recursos de receitas fiscais dos três níveis de governo, implica na participação dos diferentes entes federados, com diferentes percentuais e com diferentes impostos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. (ARAÚJO, 2006, p. 308).

O autor aponta outras relações que permeiam o financiamento de políticas educacionais. Araújo (2006) menciona que:

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FIORI, José Luis. A governabilidade democrática na nova ordem econômica. Novos Estudos Cebrap, n. 43, p. 129-156, 1995.

O fato de que os municípios brasileiros tenham alcançado tal proporção de crescimento de suas despesas educacionais não é suficiente para eliminar as desigualdades existentes entre diferentes municípios, diferentes estados e diferentes regiões. (ARAÚJO, 2006, p. 309).

Esse quadro evidencia questões que permeiam a política de financiamento no que se refere aos governos municipais e as desigualdades regionais. O autor destaca, na discussão, a evidência da gestão local com financiamento educacional, uma vez que as regiões mais pobres são as que dispõem de menos recursos por aluno.

As considerações apresentadas pelos autores elucidam a necessidade de participação mais efetiva da União no que se refere à equalização de políticas de financiamento que diminua as disparidades regionais.