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REFORMA DA GESTÃO PÚBLICA E GERENCIALISMO

4 GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO

4.1 REFORMA DA GESTÃO PÚBLICA E GERENCIALISMO

A reforma da gestão pública implementada na década de 1990 se insere no contexto de definição do Estado após o período ditatorial. Abrucio (2007, p. 68) menciona que o processo de reforma se correlaciona com a “combinação de dois fenômenos: a crise do regime autoritário e, sobretudo, a derrocada do modelo nacional-desenvolvimentista”. Esse quadro desencadeou um processo de mudanças que impactam aspectos estruturais da gestão pública. As mudanças destacadas por Abrucio (2007) podem ser organizadas em três conjuntos: a democratização do Estado, a descentralização e a reforma do serviço civil, por meio da profissionalização da burocracia.

O contexto de reforma e o conjunto de mudanças apontadas são compreendidos dentro de uma agenda política mais ampla, que demonstra um movimento da política global do

neoliberalismo nas diretrizes políticas do período que compreende os anos de 1990. Para Dombrowski, essa visão política se apresenta na diretriz da descentralização. Sobre a discussão, o autor menciona que:

Ocorre que a ideia descentralizadora ganhou consistência no decorrer de uma agenda neoliberal de reformas do Estado – que apresenta entre seus objetivos não apenas a transferência de encargos da esfera federal para as estadual e municipal, como também a “desresponsabilização” do Estado, em todos os níveis, transferindo parte de suas obrigações para o mercado, ou para a sociedade civil. (DOMBROWSKI, 2008, p. 272).

A discussão apresentada por Dombrowski está associada à visão gerencialista da administração pública. O gerencialismo se constitui em um modelo de gestão que permeia a trajetória de reformas estabelecidas no período mencionado. Para Klering;Porsse;Guaddagnin (2010), relações econômicas e sociais incidem sobre o estabelecimento desse modelo:

Nesse novo contexto, de desafios impostos pela expansão das funções econômicas e sociais do Estado, do aumento do desenvolvimento tecnológico e da globalização da economia mundial, a proposição de um modelo de administração pública gerencial, emprestando conceitos de administração de empresas do mercado, surge como resposta ao modelo burocrático de administração pública. (KLERING; PORSSE; GUADDAGNIN, 2010, p. 7).

Para os autores, o modelo gerencial surge numa perspectiva em correspondência ao contexto de mudanças do Estado brasileiro e orientações quanto a valores de eficiência e qualidade permeiam o desenvolvimento de uma cultura gerencial. A transferência de serviços também é característica desse contexto: “o Estado repassa à iniciativa privada o que esta pode executar sob o controle do Estado” (KLERING; PORSSE; GUADDAGNIN, 2010, p. 8). A presença de empresas privadas configura parcerias entre o público e o privado, que fornecem serviços com subsídios do Estado. Klering; Porsse; Guaddagnin compreendem que esse processo:

Descentraliza para o setor público não-estatal a execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas que devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. (KLERING; PORSSE; GUADDAGNIN, 2010, p. 8).

O repasse de serviços recebe críticas e desencadeia resistência quanto ao estabelecimento do que os autores chamam de “publicização”6. A crítica à adoção de mecanismos mercadológicos é enfática em algumas análises e o destaque incide sobre a lógica mercadológica que diverge da orientação de serviço público para o cidadão. Sobre a discussão, Andriolo afirma:

O que parece ficar muito claro em relação ao paradigma gerencialista é que a adoção de critérios mercadológicos de efetividade para o setor público significa essencialmente a adoção de um critério de racionalidade puramente mercadológica sobre aquilo que, por natureza, é revestido de caráter público. (ANDRIOLO, 2001, p. 7).

O entendimento que se coloca é que a atribuição de serviços públicos situados na lógica de mercado produz negação da dimensão política da gestão pública. Uma vez que cidadão e cliente são concepções de contextos diferenciados. Autores como Andriolo (2001) fazem crítica enfatizando que não se trata de abandonar a diretriz de eficiência, mas de buscar conciliar a eficiência dentro de uma construção democrática no serviço público.

Em relação ao modelo gerencialista na educação, os sistemas de educação são imbuídos por uma lógica performática, voltadas para o desempenho. Ball (2005, p. 539) destaca que “a cultura de gestão e do desempenho como duas das principais tecnologias da reforma educacional que envolve a utilização calculada de técnicas e artefatos para organizar forças humanas e capacidades em redes de poder, as quais terminam por sonegar o espaço à constituição da identidade profissional dos professores como prática ético-cultural”. Novas relações são ocasionadas pelos novos papeis atribuídos ao modelo gerencialista.

Ball afirma que as “as organizações educacionais reformadas estão agora „povoadas‟ de recursos humanos que precisam ser gerenciados; a aprendizagem é reapresentada como o resultado de uma política de custo-benefício; o êxito é um conjunto de metas de „produtividade‟(BALL, 2005, p. 546)”. As inovações incidem sobre os papeis e se estendem à incorporação de novos conhecimentos que se correlacionam com objetivos de uma concepção de mercado de trabalho.

Em análise sobre os aspectos do modelo gerencialista no âmbito da educação Ball (2005) ainda aponta questões como a padronização, controles de resultados, estabelecimento de metas, questões estas que são uniformizadas para alcance de desempenhos definidos. No

6 Klering;Porsse;Guaddagnin (2010) utilizam o termo “publicização” para definir o repasse a iniciativa privada de serviços do Estado.

entendimento do autor, “cenários diferentes oferecem diferentes possibilidades e limites para o profissionalismo” (BALL, 2005, p. 547). A crítica se coloca ao exercício da docência no contexto do gerencialismo. A incorporação de técnicas e de determinados controles, engessa a possibilidade de respostas específicas. Para o autor esse direcionamento produz a ausência de autenticidade e incide sobre relações sociais e interpessoais:

Essas novas formas de regulação institucional e do sistema possuem tanto uma dimensão social quanto interpessoal. Elas se desdobram em complexas relações institucionais, de equipe, de grupo e comunitárias e penetram nas nossas interações rotineiras de forma tal que a interação de seus aspectos colegial e disciplinar torna-se sem dúvida muito obscura. (BALL, 2005, p. 556).

Ball aponta para as representações sociais construídas nesse contexto e como estão relacionadas ao discurso dominante da lógica da performance no âmbito educativo. O autor orienta que a pesquisa sobre essa temática da educação no cenário de reformas educacionais deve atentar para a recuperação de memórias excluídas e interromper a auto-evidência de discursos dominantes.

As considerações de Ball produzem uma reflexão sobre as influências das reformas situadas no contexto do modelo gerencialista e enfatiza a dimensão das relações sociais que são transversais ao processo de aprendizagem. De maneira oposta, as mudanças trazidas pela adoção do modelo gerencialista atribuem valores e orientações que inibem a construção de respostas específicas e tendem a generalizações. O autor não defende que a incorporação de instrumentos da tecnologia, os quais visem aperfeiçoar a gestão pública seja deixado de lado, mas atenta para o automatismo de posturas diante da orientação que tem por base o alcance de desempenhos.