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O MODELO DOS ESTATUTOS DE IDENTIDADE

II—ESTATUTOS DE IDENTIDADE NO QUADRO DO DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO

4. Desenvolvimento cognitivo e estatutos da identidade

Leiper (1979) apresenta um modelo hierárquico de níveis estruturais de formação da identidade que definem formas como os indivíduos pensam acerca das questões relativas à identidade, em que rede de significado estão a

níveis (quatro) vão desde uma perspectiva muito concreta do mundo até ao nível de reflexão em que diferentes pontos de vista sobre a existência humana são colocados.

No nível I os indivíduos funcionam a um nível muito

concreto, sem ambiguidades na forma como constroiem o seu mundo. As alternativas não são numerosas, colocam-se sempre em termos de oposição (esta ou aquela) e são muito concretas, referindo-se a tarefas específicas, em que a qualidade dessas alternativas e os valores inerentes estão submersos. Estes indivíduos vivem num mundo concretamente planificável em que há um caminho a seguir que os leva a qualquer sítio. As escolhas, em que as identificações e ligações têm um papel preponderante, fazem-se por elas próprias como se pre- determinadas (... eu sou um bom aluno em ciências, portanto vou para ciências...). Os valores envolvidos nessas escolhas são os existentes no seu mundo, não carecendo, portanto, de justificação; o porquê desta ou aquela escolha está sempre associado a esteriotipos e padrões existentes. As suas crenças colocam-se sempre em termos do certo e do errado; e o certo está sempre do lado em que eles se colocam, não deixando lugar a qualquer dúvida. Todas estas estruturas são definidas em termos de diferenciação eu/outro. Nestes sujeitos o eu define-se pela fixação a um objectivo "eu ocupo esta posição", não há distinção entre o eu e os valores do mundo, não há uma perspectiva conceptual que permita a consciencialização de valores: "As coisas são assim e eu estou fixado a elas". As entrevistas são frequentemente curtas e, na maioria das vezes, parece que não percebem do que estamos a falar. O conflicto

alternativas e na necessidade de fazer escolhas, mas na implementação dessas escolhas, no processo de tentar atingir os objectivos.

O nível II define indivíduos cujo problema essencial é

descobrir um lugar certo no mundo e esta descoberta exige procura e tentativas de possibilidades. Mas a "coisa certa" é aquela que está em consonância com os seus valores. Tematicamente, os valores referenciados por estes sujeitos são fundamentalmente a auto-satisfação e a realização. Quando se referem aos seus valores, têm necessidade de exemplificar a um nível concreto, ilustrando com histórias pessoais, são muito pouco abstractos. A abertura a outras opiniões é também frequentemente referida; as suas próprias ideias são como que um balanço o que lhes permite tolerância e ambiguidade, mas pouca sistematização.

O eu diferenciou-se das normas e valores do mundo social que os rodeia, mas ainda de uma forma muito geral; as escolhas têm uma qualidade dimensional e são feitas em função desses valores procurando uma combinação perfeita. As entrevistas com estes indivíduos são usualmente demoradas e agradáveis ainda que simplistas.

No nível III, a tarefa do indivíduo é construir um sistema de interpretação e avaliação, coerente e compreensivo, que lhe permita compreender e validar, a si próprio e às suas acções. Assim, estes indivíduos estão empenhados na exploração dos problemas, na análise e síntese de formas de avaliação. Os valores são agora seleccionados e interiorizados, há uma comparação de si próprio e dos seus objectivos com os

combinação, mas neste caso mais complexa, porque há já uma capacidade de lidar com os conflictos e contradições para encontrar soluções, é como que um jogo de integridade e responsabilidade.

É um estádio ideológico em que a construção de ideias é possível, através de um criticismo e debate à procura da resposta certa. O auto-conceito está mais articulado, como sistema cognitivo complexo numa perspectiva ideológica global e sistemática. Há uma capacidade de se distanciar de si próprio, de auto-reflexão e definição.

O nível IV é o nível mais elevado deste sistema categorial. O indivíduo neste nível é capaz de uma perspectiva reflexiva sobre si próprio, tem os seus pontos de vista, está envolvido num sistema de pensamentos e acções, que são a base das suas escolhas e investimentos. Estes indivíduos estão efectivamente empenhados na escolha da sua identidade numa forma criativa e são os únicos responsáveis pela sua própria vida; sentem uma necessidade grande de fazer coisas, de explorar possibilidades e deixam em aberto as suas opções; preocupam-se com o seu próprio crescimento e com a sua vida.

Este nível caracteriza-se por um relativismo episte- mológico, ou pelo contrário numa visão pragmática do conhecimento, em que este está sempre aberto a novas revisões em função do significado da sua relação com o mundo. Os indivíduos são capazes de lidar com o prazer, usam formas de pensamento paradoxais e dialéticas.

O autor relacionou estes níveis estruturais com os quatro estatutos de identidade de Mareia e verificou que os

resolução de elementos da identidade. Assim no nível I foram encontrados predominantemente indivíduos no estatuto de

Foreclosure enquanto os Achievers o, Moratória se situavam

nos níveis III e IV. No entanto, encontram-se indivíduos dos diferentes estatutos nos diferentes níveis (ainda que de uma forma não representativa) com excepção do Foreclosure em que nenhum sujeito está no nível superior.

Em resumo, poderíamos dizer que o processo de explo- ração de alternativas e de envolvimento criativo na definição de uma identidade implica estruturas cognitivas complexas; no entanto, outros factores parecem também contribuir para este processo. E de salientar a necessidade de outros estudos segundo este modelo na medida em que este estudo contava apenas com quarenta e nove sujeitos.

Adams (1976) refere a necessidade da integração de sequências de desenvolvimento cognitivo, do ego e psicossocial para a melhor compreensão da identidade. Esta tentativa de integração baseia-se na ideia de que a formação da identidade não é um mero produto de uma só componente psicológica mas de um desenvolvimento complexo e multidimensional que engloba a integração de inúmeros mecanismos de desenvol- vimento psicológico.

Genericamente a formação da identidade processa-se da integração da experiência social e do desenvolvimento intra- psíquico, de um estado indiferenciado a um nível diferenciado e complexo de conceptualização. Os mecanismos do eu têm um papel estratégico de integração da função conceptual da personalidade e da forma como o eu interage com o mundo

vimento do eu, devido a mudanças maturacionais da resolução da crise e paralelamente do desenvolvimento cognitivo (ego- centrismo). Aparentemente, a componente cognitiva é a unidade organizacional que estrutura a interrelação entre pensamento, percepção e interacção social. Esta unidade situa- se no sistema cognitivo e organiza a estrutura de um esquema. A evolução dos estádios do egocentrismo permite a maturação da percepção do mundo; assim, o esquema está continuamente a ser reorganizado através de um processo de assimilação- acomodação e é este processo de organização do esquema e de estruturação do sistema do eu que contribuem para a confi- guração da identidade; isto não é conseguido enquanto o indiví- duo não está descentrado de si próprio e se reconhece como semelhante aos outros e distinto deles.

As múltiplas perspectivas cognitivas transformam o eu num sintetizador dos trocas sociais, em que cada crise e a sua resolução surgem renovadas na adolescência e incorporadas pelo eu numa configuração da identidade. A resolução positiva de crises anteriores será acompanhada pelas trocas sociais com os outros e cada troca influencia o progressivo desenvol- vimento do eu assim como do egocentrismo. Então, parece haver uma relação recíproca entre as respostas sociais e o desenvol-vimento do egocentrismo em que este afectaria a percepção das respostas sociais; as respostas sociais e a resolução das crises são a base para mudanças sociais posteriores.

Olhando os estatutos de identidade, o investimento requer capacidades de abstracção para comparar e contrastar a

A capacidade de fazer estas comparações advém da maturidade do sistema cognitivo que completou o processo de descentração. Da mesma forma, os adolescentes que estão em crise ou num estado de difusão de identidade parecem não possuir o poten- cial integrativo do Achiever e do Foreclosure. Em termos de hipótese o autor refere que os adolescentes no estatuto de

Foreclosure não desenvolveram estratégias cognitivas de

descentração.

5 Os estatutos da identidade ao longo do ciclo vital

Waterman (1984) define a identidade como uma definição clara de si próprio no que concerne a objectivos, valores e crenças em que um indivíduo inequivocamente faz investimentos. Estes investimentos evoluem ao longo do tempo e são feitos porque os objectivos, valores e crenças foram julgados suficientemente de forma a darem uma direcção, uma finalidade e um significado à vida.

Segundo o mesmo autor (Waterman, no prelo b) importa analisar o desenvolvimento da identidade numa pers- pectiva do ciclo vital. Para isso propõe que se considerem três aspectos do constructor (a) a forma ou estrutura da identidade (b) a função da identidade e (c) o processo pelo qual a identi- dade se desenvolve.

Da forma ou estrutura da identidade fazem parte uma variedade de qualidades descritivas pertencentes aos objec- tivos, valores e crenças desenvolvidas, isto é, os aspectos

profissional, ideológico...) , o seu número, a sua elaboração, o grau de realismo e a interacção desenvolvida entre os elementos presentes em diferentes domínios.

No que respeita às funções da identidade, têm-lhe sido atribuídas múltiplas; não são independentes, mas dinami- camente relacionadas; ainda não foi feita, no entanto, uma análise funcional definitiva. Waterman faz a seguinte síntese destas funções descritas por outros autores e por ele próprio:

(1) Fornecer continuidade subjectiva entre o passado, o presente e o futuro antecipado do indivíduo;

(2) Fornecer uma coerência subjectiva através de uma estrutura de uma rede de organização e integração dos compor- tamentos nos diversos sectores da vida, o que permite uma consistência comportamental em diferentes situações;

(3) Fornecer um sentido de finalidade ou significado à vida;

(4) Fornecer uma direcção para a vida através da escolha de actividades específicas para implementação do sentido da identidade;

(5) Fornecer um mecanismo pelo qual as potenciali-

dades do indivíduo são reconhecidas e avaliadas;

(6) Fornecer uma base de comparações sociais no que concerne a papéis e competências, através das quais o indivíduo sabe onde se situa em relação aos outros;

(7) Fornecer uma base de comunhão com os outros, em termos de partilha de objectivos, valores, crenças e papéis sociais;

isto é, o que o indivíduo é ou não é em comparação com os outros;

(9) Fornecer o conteúdo da auto-representação que cada um dá aos outros;

(10) Fornecer um mecanismo para síntese de identi- ficações com os pais, os companheiros e modelos fornecidos pela sociedade e entre as expectativas dos outros significativos e os próprios interesses e capacidades;

(11) Fornecer um meio de protecção do indivíduo para a descontinuidade de experiências surgida do desenvolvimento biológico ou do meio social.

O processo de desenvolvimento, finalmente, é um dos aspectos mais explorado através do modelo de Mareia (1966, 1980) dos estatutos de identidade e das dimensões que os definem: exploração (crise) e investimento.

De seguida, Waterman apresenta algumas hipóteses relativas aos estatutos da identidade ao longo do ciclo vital no que se refere à forma, função e processo dos mesmos.

Em relação à forma ou estrutura refere que com a idade há um aumento de domínios considerados importantes; algumas investigações fornecem já indicadores neste sentido. Parece evidente que um indivíduo explore e invista numa determinada área de acordo com as suas necessidades e expectativas sociais. Se a um aluno do 9.Q ano de escolaridade é exigido, pelo plano de estudos, que faça opções em termos de área ou via de estudo que vai delinear a sua futura profissão, é

detrimento de outras, por exemplo a política, na qual só aos 18 anos lhe é pedido uma escolha, ou mesmo a religiosa relativamente à qual, embora a sociedade não exija uma escolha específica, na maioria das vezes essa escolha já faz parte do contexto educacional do indivíduo, e sobre a qual não lhe são fornecidas outras alternativas.

A elaboração do conteúdo da identidade também varia com a idade, o que logicamente se liga ao facto de o indivíduo possuir mais informação e uma maior capacidade de lidar com ela, de elaborar hipóteses e de teorizar acerca das mesmas. Esta maior capacidade de elaboração está directamente ligada com aquilo a que Waterman chama investimentos realistas, isto é, o realismo aumenta com a idade. O autor refere que este conceito não foi valorizado pela teoria e investigação dos estatutos de identidade. Alguns exemplos são apresentados de respostas dadas em entrevistas que ilustram estes investimentos realistas fruto de uma maior informação e experiência inerentes ao desenvolvimento (o jovem adolescente de 12-14 anos que adere incondicionalmente à doutrina dos pais, enquanto um de 16-18 anos refere a inconsistência aparente entre a bíblia e as explicações científicas... A mulher casada ou divorciada que refere "Se eu soubesse naquela altura o que sei hoje" "O casamento e a maternidade não é nada do que eu fantasiei". A experiência de facto, permite ao indivíduo analisar e tomar consciência de elementos de que não possuía conhecimento, alargando-lhe, ou confinando-lhe as alternativas nesse domínio.

idade, o que Waterman ilustra com o facto de algumas mulheres referirem na sua entrevista que o divórcio, ou a insatisfação conjugal, serviu de catalizador para mudanças importantes na definição delas próprias especialmente nas áreas de orientação de papéis sexuais, casamento e prioridade família/carreira.

Em relação à função da identidade, Waterman refere duas hipóteses: que a importância das funções da identidade varia com a idade e que essa variação é consequência de circunstâncias de vida. Em relação a estas hipóteses, o autor refere que não há investigação que esclareça estas questões, nem os instrumentos existentes, entrevistas, ou questionários, permitem avaliar as funções da identidade. No entanto, em relação à segunda hipótese o autor refere que situações de transição (eg. divórcio, universidade) frequentemente resultam em descontinuidade com o passado e com o futuro, numa perda de direcção e numa necessidade de outros, diferentes, com quem partilhar objectivos, valores, crenças e papéis sociais.

Em relação ao processo Waterman refere 2 hipóteses: a exploração e o investimento aumentam com a idade; mudanças (de circunstâncias da vida) durante a idade adulta levam a novas explorações e investimentos da identidade. Neste âmbito tem sido realizada bastante investigação, a apresentar no capítulo quarto, que analisa a sequência desenvolvimental dos estatutos de identidade em função da idade. Em resumo podemos dizer que a exploração e o investimento aumentam com a idade embora se verifique uma certa variabilidade em função do domínio.

de vida na idade adulta e as dimensões da identidade (investi- mento e exploração) foram examinadas por Archer (1987) num estudo realizado com mulheres divorciadas e casadas. No primeiro grupo constatou uma maior mudança do estatuto de

Foreclosure para. Moratorium ou Identity Achieve-ment no

momento do divórcio e de Moratorium para Achiever no momento actual. Este padrão de mudança não foi no entanto verificado no grupo de mulheres casadas.

IH— PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DOS ESTATUTOS DE IDENTIDADE

Após a caracterização dos estatutos de identidade e respectivo desenvolvimento é importante salientar a dinâmica do processo da sua formação. Como se pressupõe que o objectivo de tal processo é atingir um nível mais elevado de desenvolvimento da identidade, os movimentos possíveis são a passagem do estatuto de Diffusion ao de Foreclosure ou ao de

Moratorium e do estatuto de Moratorim ao de Achiever. Assim,

qualquer mudança para o estatuto de Diffusion só pode ser visto, em termos de desenvolvimento, como regressão, ainda que temporária.