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TEORIA PSICOSSOCIAL DO DESENVOLVIMENTO

CHBONOLO Idc&tity

1. Factores que contribuem para o desenvolvimento da identidade

No período da adolescência o indivíduo é assoberbado com a maturação genital, a incerteza de papéis a assumir na entrada no mundo adulto, a preocupação mórbida com o que possa parecer aos olhos dos outros e a busca de um novo sentido de continuidade e unidade. Além de tudo isto, e por

tudo isto, tem de enfrentar de novo as crises de anos anteriores e simultaneamente vivenciar a crise actual para definir a sua identidade(i).

Para que uma crise de identidade ocorra são neces- sárias quatro condições: (1) um certo nível de desenvolvimento intelectual (2) que a puberdade tenha ocorrido (3) um certo crescimento físico (4) pressões culturais que levem o indivíduo à ressíntese da sua identidade.

Para a integração dos elementos da identidade atribuídas à infância, o adolescente precisa de um período de moratória, período em que a sociedade permite ao adolescente lidar com estes elementos; é como que uma espera para investimentos adultos, ou antes uma permissividade selectiva por parte da sociedade e um jogo provocador por parte do jovem (Erikson 1968). É através de um processo de ressíntese de identificações anteriores, da experimentação de papéis, da construção e reconstrução de identificações mais apropriadas à sua posição actual e futura na estrutura social, que o indivíduo é capaz de decidir e definir o seu lugar na sociedade. No entanto, é necessário referir que esta moratória psicossocial permitida pela sociedade pode não ser o tempo que o indivíduo gasta ou necessita neste trabalho de definição da sua identidade.

(1) Na apresentação dos factores em jogo na crise da identidade seguiremos de perto, ainda que de modo sintético, a sistematização de Coté & Levine (1988 e 1989).

O período de moratória é governado por instituições e estruturas sociais que podem facilitar ou inibir a experi- mentação de papéis. Estas estruturas são chamadas por Erikson moratórias institucionalizadas que fornecem ao jovem modos de socialização para o ajudar a resolver a sua crise de identidade (rituais, aprendizagem escolar...). A crise de identidade do jovem decorreria, pois, neste período de

moratória psicossocial e num contexto de moratória institu-

cionalizada.

Os principais factores que definem os contornos da crise da identidade, isto é, o seu aparecimento, duração, severidade e resultado são: os sistemas de valores das moratórias institucionalizadas, o estádio de orientação para os valores em que se encontra o sujeito, a luta entre o ego e o super-ego para dominar a personalidade e outros factores sociais como as experiências de socialização, a estratificação social e as influências históricas.

a) Sistemas de valores das moratórias institucionalizadas.

Segundo Erikson as duas moratórias institucio- nalizadas mais importantes proporcionadas aos jovens na sociedade norte-americana, caracterizam-se por dois sistemas distintos de valores—o tecnológico e o humanístico; adoptados pelos indivíduos, estes sistemas originam a orientação tecno- lógica e a orientação humanista que afectam de modo diferente o processo e o resultado da crise da identidade.

A orientação tecnológica é fornecida pela sociedade

forme uma imagem do mundo e de si próprio em que os lemas subjacentes são: "o que funciona é bom" "eu sou aquilo que faço" (Erikson, 1975, 1968).

A orientação humanista é menos frequente e passa

pela recusa da tecnologia (Erikson, 1963); os sujeitos tendem a experienciar uma confusão de identidade maior na medida em que são hostis para com o meio (tecnológico) e, portanto, têm uma crise de identidade mais prolongada.

Como a sociedade actual é marcadamente tecnológica há como que, por parte do jovem, uma superacomodação. O sistema educativo é ostensivamente tecnológico e oferece uma moratória institucionalizada com caminhos bem definidos. Porque aceitam estes caminhos institucionalizados para investi- mentos profissionais, os jovens tendem a ter o trabalho facilitado na formação da sua identidade (Erikson, 1975).

Erikson refere efectivamente que a crise da juventude tecnológica é mais fácil. Não nos diz, no entanto, quais os factores que intervêm nesse processo (desenvolvimento prévio, conflictos inconscientes ou o processo de socialização). Também não explica a razão porque alguns jovens aceitam esta ideologia e outros não, embora refira que o jovem tecnológico tende a pensar de uma forma mais concreta e a não desenvolver, portanto, uma crítica e análise profunda do mundo e de si próprio, simplificando deste modo a sua crise de identidade.

Contrariamente, o jovem com uma orientação huma- nista preocupa-se com a ideologia vigente, que surge como que inarticulada com os valores humanos; tal preocupação manifesta-se, muitas vezes, pela procura de investimentos em

áreas sociais, ou pela menor submissão à aprendizagem institucionalizada graças a um intelectualismo questionador do status-quo; assim surge muitas vezes, o artista, o líder ideológico o académico, ou, se necessitar de um pouco mais de estrutura, o seguidor, o discípulo de uma ideologia em que se envolve profundamente procurando um objecto de fidelidade. Erikson refere ainda um outro tipo de juventude humanista a que chamou o "Protean Youth" (a juventude multiforme) que se caracteriza por estar indefinidamente numa experimentação como reacção à obrigatoriedade de se definir (Erikson ,1975).

De uma forma geral os investimentos na juventude humanista não se caracterizam pela fidelidade da tecnológica e por isso são mais mutáveis. Esta dificuldade, se de dificuldade se trata, pode estar ligada ao facto de a sociedade não lhe oferecer muitas condições de experimentação de papéis insti- tucionalizados, com valores humanistas, e, consequentemente, a experimentação de papéis processar-se-á em contextos marginais, sem o apoio social necessário à construção da identidade. É difícil manter investimentos que não são geralmente apoiados pela maioria social tecnológica.

b) Orientação para os valores e luta entre o ego e o super-ego

Erickson refere ainda o papel da orientação dos sujeitos para os valores que define em três estádios moral, ideológico e ético (Erikson, 1975).

A orientação moral, característica da criança, define- se essencialmente por uma lógica primitiva, categorial e

egocêntrica em que, perante a trangressão às normas, o indivíduo não é capaz de apresentar razões justificativas (Erikson, 1968).

Com a progressiva aquisição de competências cognitivas e tomada de perspectiva social, o indivíduo inicia uma orientação ideológica. Esta orientação, característica dos adolescentes, define-se por uma aumento da consciência do mundo e dos outros, em que múltiplas perspectivas são já aceites, ainda que marcadas por um certo egocentrismo. O indivíduo tem agora que decidir qual a sua perspectiva de justiça e de vida. Esta consciência ideológica é implícita quando

o indivíduo tem uma fé intuitiva de que a sociedade é boa e sabe o que faz, e é explícita quando o indivíduo constrói uma rede complexa para considerar o , porquê das coisas serem como são, ou para indicar como as coisas deveriam ser (Coté & Levine, 1989).

A orientação ideológica passa a uma orientação ética com a entrada na idade adulta: o indivíduo tem agora uma perspectiva universal, tem consciência de que o sistema de crenças é aberto a interpretações e que ele é o único responsável por estas. Embora não refira com exactidão qual a relação entre os estádios de orientação de valores e a crise de identidade Erikson refere que a aquisição de estádios superiores (ideológico-explicíto e ético) está associada a um agravamento da crise de identidade.

Segundo Erikson (1980), o progresso nos estádios de orientação para os valores é que dá conteúdo ao ideal do eu orientado para uma realidade socialmente relevante, que não é

mais do que a substituição do super-ego tirânico. Este processo dá um sentido de rectidão e estabilidade num processo de diferenciação psicológica da identidade do eu e identidade de papéis que parece ser básico para o desenvolvimento do ego, (Cote & Levine, 1987). É no período de Moratória psicossocial que a primeira distinção de uma identidade do self ocorre transcendendo à identidade de papéis. A orientação de valores tem neste momento a função de ajudar o ego a ter um sentido de segurança, sentido este que deriva da consciência da possibilidade de escolha entre diferentes papéis. O super-ego não muda o seu conteúdo e estrutura em resposta às circunstâncias, como faz o ego, tornando-se assim isolado da experiência como uma moralidade cega, categorial e rígida; no entanto, a sua importância é fundamental para a transformação do ideal do eu numa consciência ética compatível com a aquisição de valores que abrem o caminho de um bom funcionamento do adulto.

Embora, a aquisição de uma consciência ética seja condição necessária, para uma dominância do ego, não é suficiente para que a supremacia do super-ego não possa surgir quando a identidade fragiliza em consequência de experiências de vida.

Para a resolução desejável da identidade é necessário uma personalidade dominada pelo ego que é mais capaz de sintetizar e de lidar com informações discrepantes produzidas por uma sociedade não regulada: uma personalidade dominada pelo super-ego tende a desenvolver mecanismos de defesa que vão limitar o funcionamento de capacidades adaptativas de um ego enfraquecido.

c) Outros factores sociais

É de referir, finalmente, a influência de outros factores sociais no processo de crise de identidade.

As práticas de socialização podem facilitar ou não a

crise de identidade. Parece evidente que quanto mais institu- cionalizada for a moratória, no sentido da preparação instrumental para papéis adultos, maior facilidade haverá na resolução de crise; no entanto, se esta for demasiado simplificada pouca ressíntese de identidade existirá e a personalidade adulta reterá características de infância. Neste caso, as crises psicossociais posteriores serão mais proble- máticas. Pelo contrário, um contexto social não estruturado pode levar a uma crise de identidade mais significativa.

À estratificação social por sua vez, está inerente a possibilidade ou não de experimentação de papéis que actualizem as potencialidades de um indivíduo, o que, como já foi referido, é um factor importante para o desenvolvimento do

ego, assim como a valorização de determinadas características e

a desvalorização de outras que interferem na imagem que o indivíduo tem de si em comparação com os outros, (raça, género, religião, classe social). A dimensão da organização social assim como a falta de solidariedade são particularmente importantes para o desenvolvimento da identidade.

Finalmente, a importância para a formação da identidade de variáveis relacionadas com um determinado

momento histórico (guerra, recessão económica, epidemia)

pessoal da transformação comunitária, assim como não poderíamos separar a crise de identidade individual, da crise contemporânea no desenvolvimento histórico, porque ambos se definem mutuamente e estão relacionados entre si. Estes factores são demonstrados nos casos de Luther & Gandhi descritos por Erikson (1958 e 1969).

2. Factores que contribuem para a difusão da i d e n t i d a d e

A confusão da identidade não sendo anormal por si só, surge muitas vezes acompanhada por sintomas neuróticos ou quase psicóticos. Para Erikson, grande parte da sintomatologia da confusão da identidade não é mais do que a manifestação da incapaciadade do indivíduo mobilizar a sua energia interior e a sociedade para a construção da sua identidade. A confusão de identidade pode ser verificada na sobreposição de imagens de si próprio, de papéis e oportunidades contraditórias. Enquanto o processo de aquisição da identidade não está completo, a crise e a confusão permanecem. O balanço entre os dois poios permite ao indivíduo clarificar as percepções de si próprio e fazer ajustamentos à luz de novas experiências e de mudanças das circunstâncias da vida

Alguns factores são usualmente considerados respon- sáveis pelo desenvolvimento da difusão da identidade: (1) o processo de separação emocional na criança das suas figuras de ligação não foi bem sucedido; (2) o indivíduo não desenvolveu novas ligações e não conseguiu uma definição de si próprio; (3) dificuldades em lidar com as mudanças não só ao nível do eu

como das circunstâncias de vida; (4) conflito entre as expectativas parentais e sociais e as do grupo de pares; (5) perda de laços familiares e falta de apoio no crescimento do indivíduo.

IV—ESTÁDIOS POSTERIORES AO DA IDENTIDADE

1. Intimidade vs. isolamento

A intimidade no jovem adulto é para Erikson muito mais do que a capacidade de realização sexual; de facto, a actividade sexual pode ser apenas usada ao serviço de um conflicto de identidade e não como uma verdadeira fusão, ou entrega real de si próprio. Quando o jovem não é capaz de ter relações íntimas com outros, no final da adolescência ou início da idade adulta, as suas relações tenderão a ser estereotipadas com um profundo sentimento de isolamento.

É do desenvolvimento da identidade que emerge a competência do indivíduo para estabelecer relações caracte- rizadas pela capacidade de partilha e mutualidade. As relações na adolescência têm apenas a função de auto-definição e não de intimidade. Muitas relações e mesmo casamentos funcionam como pontes para a resolução da identidade, quer para facilitar a separação das figuras parentais, quer para permitir a definição vicariante da identidade através do seu(a) companheiro(a).

A psicanálise valorizou a genitalidade com uma das condições do desenvolvimento, mas a genitalidade não implica intimidade e mutualidade numa relação. A intimidade implica

comunicação, partilha de identidade e pode existir nas relações de amizade, amor e união sexual com o mesmo ou com o sexo oposto. Uma relação íntima pode existir mesmo na ausência física do (a) companheiro(a), assim como o isolamento pode existir mesmo na sua presença em que ambos parecem proteger-se da necessidade de fazer face à próxima crise de desenvolvimento: a generatividade (Erikson, 1963). O balanço entre os dois poios (intimidade vs. isolamento) manifestar-se-ia na capacidade de estar só, sentindo a segurança de uma relação íntima.

2. Generatividade vs. estagnação

O adulto é caracterizado mais pela necessidade de dar e ensinar: o sétimo estádio generatividade vs. estagnação é definido pela necessidade do indivíduo em orientar a geração seguinte, de investir na sociedade em que está inserido; a estagnação surgirá se o indivíduo se focalizar apenas em si próprio, sendo o próprio conforto a grande motivação para a acção.

O conceito de generatividade não implica ter ou querer filhos, reside no desejo de contribuir para o bem estar presente e futuro de outras gerações. São estes indivíduos os modelos necessários para a introjecção e identificação dos mais jovens. A patologia da generatividade, dada a sua natureza,

deve ser agora procurada na geração seguinte, que são o reflexo da falha generativa dos seus pais.