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TEORIA PSICOSSOCIAL DO DESENVOLVIMENTO

IDENTIDADE DE ERIKSON

1. Críticas

Uma das críticas feitas à teoria de Erikson está de acordo com a própria dificuldade que o autor refere ao tentar definir o conceito de identidade. De facto, o conceito não é preciso; por vezes, é referido como uma estrutura de uma configuração, por outras, como um processo ou ainda como uma experiência subjectiva e uma entidade inconsciente (Kroger,

1989).

Outras críticas são feitas em relação à teoria na sua globalidade que é considerada conservadora porque valoriza o

conformismo com o status quo e o etnocentrismo da civilização ocidental (Roazen, 1980); ou então, demasiado radical e crítica em relação ao capitalismo e carácter americano. Para alguns, é hipervalorizadora da severidade da crise de identidade e dos seus benefícios para o desenvolvimento psicossocial: Claes (1985) refere uma análise de estudos realizados no período da adolescência em que apenas 20% dos adolescentes vivenciaram um período de crise como definido por Erikson.

A teoria da identidade foi inspirada por brilhantes pesquisas e intuições que tiveram a sua base quer na prática clínica psicanalítica, quer na investigação longitudinal sobre o desenvolvimento das crianças e, finalmente, na investigação antropológica sobre o terreno. É a junção destes trabalhos que conduz à formulação de uma teoria de desenvolvimento que, segundo alguns autores, é especulativa na medida em que, a não ser a análise clínica, não nos fornece uma metodologia adequada para o estudo da problemática de identidade psicossocial.

A formulação de Erikson sobre a identidade feminina é também criticada na medida em que parece estar apenas baseada em factores biológicos. Caplan (1979) contesta empiricamente a valorização de espaço interior na mulher verificada nos desenhos de crianças por Erikson. Gilligan (1982) refere que Erikson se contradiz quando refere que para

aquisição de intimidade é necessário ter resolvido com sucesso a crise de identidade e, no entanto, refere que na mulher esta só acontece quando encontra um companheiro "bem vindo ao espaço interior". Isto parece tanto mais contraditório quando na sociedade actual verificamos que muitas mulheres investem

primeiramente na vida profissional como um factor importante da sua identidade. A teoria de Erikson é assim considerada sexista, na medida em que parece ter tido em conta apenas o desenvolvimento no homem, sendo, talvez, necessário fazer algumas alterações ou, mesmo, acrescentar estádios que tornem a teoria válida para ambos os sexos (Kegan, 1982). A crise de identidade é tão importante para o homem como para a mulher, e as experiências relacionais e as identificações não são suficientes para a definição de identidade da mulher não tradicional (Morgan & Farber 1982).

Outras contradições são referidas pelos teóricos das relações objectais (Guntrip, 1971) na medida em que Erikson não se afasta da teoria de Freud quando valoriza o mecanismo biológico e instintivo e ignora a importância da interacção indivíduo-meio social. Ora sendo a teoria de Erikson funda- mentalmente baseada nesta relação não consegue, claramente, afastar-se da perspectiva energética instintiva de Freud.

2. Reconceptualização

Logan (1983, 1986), tendo presente a mudança sócio- cultural que alterou o estilo de vida dos indivíduos nos últimos tempos, na sociedade Americana, constatou a necessidade de reconceptualizar a teoria de Erikson, na medida em que esta tem presente e valoriza o contexto social em que o desenvol- vimento do indivíduo ocorre.

O autor salienta alguns elementos que considera importantes na fundamentação do seu esquema de desenvol- vimento: a sociedade contemporânea, dominada pela produção

e trabalho, passou a valorizar o prazer e o lazer e, concomi- tantemente, a necessidade de satisfação actual. A identidade, para Erikson, tem uma forte componente instrumental, isto é uma forte valorização da acção. Esta vertente instrumental pode ser verificada pela importância de estádios precedentes, iniciativa e indústria. Para a construção da identidade, no entanto, e segundo o autor, o apoio social para esta componente instrumental diminuiu significativamente na formação dos jovens na medida em que há um menor envolvimento na produção, uma maior tendência ao consumo. Parece também ter diminuído a importância do sentido de continuidade e história (tradição familiar, sociedade) na medida em que o indi- víduo hoje valoriza mais a sua própria existência, o presente em detrimento do futuro. A valorização desta vertente existen- cial, isto é, a avaliação do imediato e do presente transformou um construtor, num consumidor. Duas vertentes parecem pois existir no desenvolvimento do indivíduo—a instrumental e a existencial—e, em função dos elementos descritos, a identidade existencial parece suplantar a identidade instrumental.

Além destas duas dimensões da identidade (instru- mental e existencial) o que não parece ser mais, embora com uma coloração diferente, do que as referidas orientações tecno- lógica e humanista de que Erikson nos fala, Logan (1986) apresenta um novo esquema da sequência epigenética de Erikson, valorizando diferencialmente a importânica de está- dios anteriores para o desenvolvimento de outros posteriores. Digamos que Logan considera que os estádios da idade adulta não são mais do que a recapitulação dos estádios da infância e da adolescência.

Assim, a intimidade vs. isolamento não seriam mais do que a recapitulação da confiança básica e da autonomia. A reafirmação da confiança em alguém é essencial na intimidade adulta, assim como a capacidade de manter a sua própria identidade numa relação próxima com outro, o que não é mais do que a reprodução da autonomia básica da infância combinada com a vergonha e a dúvida. Um indivíduo sente vergonha da sua incapacidade para estabelecer uma relação íntima e pode ter dúvida em relação ao investimento do outro na relação. A vergonha é considerada por diferentes autores como uma forma de isolamento colocando barreiras à intimidade (eg. Erikson, 1963, Bowlby, 1969).

O estádio da generatividade vs. estagnação será a recapitulação das crises de iniciativa e indústria. A generativi- dade é uma forma activa de ajudar os outros a crescer, ajudar as crianças a encontrarem o seu sentido de iniciativa e de indústria. A estagnação estaria, portanto, relacionada com a culpa e a inferioridade em que o sentimento de fracasso inicial (culpa) e o fracasso instrumental (inferioridade) seriam os factores que predominantemente interfeririam para o seu desenvolvimento.

Finalmente, o estádio de integridade representaria a forma mais complexa da confiança básica e da identidade que se manifestaria por um sentimento de totalidade, realização e satisfação, enquanto o desespero representaria a desconfiança básica e a difusão de identidade.

Fazendo a ligação entre a recapitulação de estádios e as orientações instrumental e existencial, o autor refere que os problemas relacionados com os últimos estádios do desenvol-

não resolução dos anteriores, mas apenas na valorização excessiva de uma ou outra orientação.

Por exemplo, um indivíduo com dificuldades ao nível da intimidade pode não ter desenvolvido a desconfiança básica de um esquizofrénico, nem a vergonha e a dúvida de um obsessivo, mas ter desenvolvido uma insegurança existencial que se manifesta pelo seu isolamento. Por outro lado, um indivíduo com dificuldades específicas ao nível da genera- tividade, não correlacionadas com falhas específicas em estádios anteriores, pode ter tido dificuldades na combinação da iniciativa e de indústria criando assim um sentimento de fraqueza global sentindo-se apenas realizado nas tarefas mais instrumentais da generatividade.

Em conclusão, poderíamos dizer que um indivíduo pode desenvolver uma identidade fortemente existencial ou instrumental; uma orientação é independente da outra, isto é, um indivíduo pode ter uma vertente fraca a nível existencial e não a ter a nível instrumental, porque vive numa sociedade em que o fazer é mais valorizado do que o ser.

Esta reconceptualização da teoria de Erikson parece- nos interessante para a melhor compreensão da importância dos diferentes elementos da identidade nas diversas tarefas do desenvolvimento da personalidade. A ideia de Erikson de que todos elementos estão presentes nos diferentes estádios está aqui presente; o que lhe é acrescentado, no entanto, é que a sua importância varia, o que aliás já foi confirmado em diferentes estudos realizados, como se verá no capítulo quarto.