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DESENVOLVIMENTO DA DISCIPLINA DE MARKETING NAS UNIVERSIDADES

CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO EM MARKETING: UMA HISTÓRIA A PARTIR DAS

2.6 DESENVOLVIMENTO DA DISCIPLINA DE MARKETING NAS UNIVERSIDADES

Muito embora os estudos sinalizem a participação da Alemanha, em especial da Historical School of Economics, na construção do conhecimento dos primeiros influenciadores do pensamento de marketing nos EUA, ao que parece, a filosofia germânica, crítica ao liberalismo econômico, defensora dos aspectos sociais e preocupada com as

externalidades da indústria, não foi exercida por estes acadêmicos estadunidenses nos cursos que ministraram. É possível que a metodologia histórica, estatística e pragmática das universidades alemãs tenha despertado um maior interesse de aprendizado e de aplicação do que os conteúdos críticos ao sistema econômico liberal.

A consequência foi a apropriação do método, aprendido em boa medida na Europa, para discussões acadêmicas voltadas para as empresas e para o mercado, e não necessariamente para o interesse social. Podemos atribuir esta ênfase dos acadêmicos estadunidenses às práticas de varejo e de produção, advindas da Revolução Industrial inglesa, e ao período de expansão da indústria e do comércio americano, que obtiveram um importante lócus de discussão nas escolas de negócios.

Assim como a temática dos primeiros cursos voltados para o marketing, na década de 1900, o desenvolvimento dos estudos e da disciplina de marketing nos EUA, até as décadas de 1950 e 1960, incorporaram os conteúdos e as metodologias direcionados fortemente às empresas e ao processo de distribuição.

Na década de 1910, os debates em torno do marketing se intensificaram e a Harvard University, dentre outras, foi uma das importantes instituições que participaram desse processo através da proposição do método do caso e do desenvolvimento de pesquisas na área. A criação do Bureau of Business Research em 1911, composto por membros da Business School e incentivado por Arch W. Shaw, estimulou as pesquisas na área de marketing, especialmente na identificação dos problemas de distribuição dos produtos e em setores como o de calçados, inicialmente (CRUIKSHANK, 1987; JONES; MONIESON, 1990). Em Harvard, as pesquisas sobre o varejo e a manufatura estimularam os debates nas salas de aulas de marketing em torno dos problemas das lojas de departamento, das estratégias dos varejistas e das dificuldades de marketing no setor industrial. Havia na Business School uma preocupação no ensino do ‘como fazer’, o que fortaleceu o método indutivo, a abordagem histórica e o laboratory method no estudo dos negócios, despertando a academia para as funções básicas de marketing (JONES; MONIESON, 1990).

O conceito de funções de marketing é de reconhecida relevância na construção do pensamento de marketing contemporâneo. Estudos apontam que Arch W. Shaw, ao analisar os problemas de distribuição da indústria no início do século XX, utilizou o termo ‘funções’ se referindo aos atos e serviços prestados pelos intermediários (CONVERSE, 1945; JONES; MONIESON, 1990). Essas ‘funções’ seriam universais e poderiam ser expressas como princípios ou generalizações de marketing, porém, para sua melhor compreensão e ensino,

Shaw defendeu a utilização do laboratory method7, da observação, da estatística e da perspectiva histórica. Estes princípios e generalizações, se combinados com o laboratory method, potencializariam as análises dos intermediários, a morfologia dos comerciantes e a formação do sistema de distribuição do mercado. Essa visão antropomórfica dos fenômenos da economia expressa por Edwin Gay no termo “morfologia” era uma característica presente na German Historical School (JONES; MONIESON, 1990).

Nos anos seguintes, alguns princípios de marketing foram formulados através das publicações de H. Maynard e Theodore Beckman (BARTELS, 1944), e outras temáticas relacionadas ao marketing como o varejo, o atacado e as vendas foram mais disseminadas e discutidas, especialmente com o advento do Consumer Movement e por meio de periódicos específicos, a exemplo do Journal of Retailing, em 1925 (WILKIE; MOORE, 2011). As obras Retail Merchandising, Wholesaling, The Economic of Installment Selling, na década de 1920, e Principles of Selling, na década de 1930, foram referências na época.

Entre 1930 e 1940, as abordagens institucionais e funcionais de marketing se intensificaram e os estudos na área foram ampliados, especialmente após o surgimento do Journal of Marketing e da American Marketing Association (WILKIE; MOORE, 2011). Sheth Gardner e Garrett (1988) resumiram o foco do marketing nas chamadas Escolas de Marketing (Quadro 1). Segundo estes autores, até a década de 1940, a Commodity School, a Functional School, a Regional School, a Institutional School e a Functionalist School permearam os debates acadêmicos.

Quadro 1 - As Escolas de Marketing.

ESCOLA INFLUENCIADORES ÊNFASE/CONTRIBUIÇÕES

Commodity School Charles Parlin (Início do Século XX) e Melvin Copeland (1925)

Analisou o movimento das mercadorias dos produtores para os compradores.

Propôs a classificação tripartida dos produtos (conveniência, comerciais e especializados). Influenciou o tipo de

armazenamento, o método de distribuição pretendido e a propaganda

escolhida.

Functional

Analisou as atividades e as funções de marketing necessárias para a execução

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7 Laboratory method é um laboratório experimental de estudo dos processos de uma organização econômica e da

aplicação prática dos novos insights, objetivando a melhoria contínua da prática empresarial (JONES; MONIESON, 1990)

School

Arch W. Shaw (Década de 1910)

do processo de comercialização.

Destacou a importância dos

intermediários. Influenciou os departamentos de marketing das empresas e a estrutura dos currículos das universidades Regional School W. Reilly (1931) e P. Converse (1943 e 1945)

Analisou a distância na decisão de compra do consumidor e observou o fluxo de mercadorias entre diferentes regiões geográficas. Influenciou os estudos em Segmentação de Mercado

Institutional School

R. S. Butler (1923) e L.D.H. Weld (1916)

Analisou a estrutura e a evolução das organizações e dos sistemas de canais por meio de critérios de eficiência econômica. Analisou a quantidade e a utilidade dos intermediários para os negócios. Influenciou as funções e a eficiência da organização envolvida no processo de distribuição Functionalist School Wroe Alderson (A partir da década de 1940)

Analisou a estrutura do sistema dentro da qual o marketing operava e influenciava, além de compreender as entidades que atuavam no ambiente de marketing (e.g. famílias, empresas, canal

de distribuição, órgãos públicos, entre outros). Entendeu o marketing como a troca entre consumidores e fornecedores e introduziu os vocábulos transvections,

assortments, collections, conglomerates, sorting e transformations.

Fonte: Adaptado de Sheth, Gardner e Garrett (1988).

A partir da década de 1940, a managerial economics e a managerial school se desenvolveram, adotando uma abordagem conceitual e didática que facilitou a sua compreensão e a sua disseminação. A managerial economics foi estruturada por Joel Dean e William Baumol, entre as décadas de 1940 e 1950, pois acreditavam que os estudos em economia haviam se afastado do mundo prático dos negócios nesse período. Dean e Baumol argumentavam que a característica da managerial economics era traduzir as teorias abstratas da economia em princípios aplicáveis aos negócios e que fossem facilmente utilizados pelos executivos nas suas rotinas gerenciais (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988). Segundo Dean (1951), para que o pensamento econômico auxiliasse a formulação de políticas de negócios aplicáveis, era necessário repassar aos executivos as contribuições práticas desse pensamento, bem como os instrumentos gerenciais necessários.

Em consonância com o entendimento de Joel Dean, outros estudiosos em marketing arguiram e publicaram trabalhos, entre as décadas de 1950 e 1960, baseados na abordagem mais gerencialista do marketing, próprio da managerial school. Entre esses teóricos estavam Wroe Alderson, em 1957, com o livro Marketing Behavior and Executive Action, John Howard, em 1957, com a publicação da Marketing Management e Eugene Kelley e William Lazer, em 1958, com a obra Managerial Marketing: Perspectives and Viewpoints (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988; WILKIE; MOORE, 2011). Além destes, Ted Levitt, Neil Borden e Wendell Smith sedimentaram a abordagem da managerial school apresentando os conceitos de Marketing Myopia, Marketing Mix e Market Segmentation, respectivamente. De acordo com Sheth, Gardner e Garrett (1988), o objetivo era que os executivos aplicassem estes conceitos nos seus negócios, e para isso eles eram apresentados e escritos de forma simples, objetiva e elegante.

O marketing mix é apontado por Sheth, Gardner e Garrett (1988) como um dos mais importantes avanços conceituais da managerial school, pois levou os gestores a entenderem o marketing como um processo integrado de várias funções diferentes e simultâneas. Borden (1964) entendia que o marketing mix fazia parte das estratégias globais da empresa, representava a combinação de procedimentos e de políticas de marketing, e preocupava-se conjuntamente com diversos elementos de marketing (e.g. publicidade, venda pessoal, preço, embalagem, canais, armazenamento). Estes ingredientes conduziram o conceito de marketing de uma visão baseada na eficiência da produção para uma visão orientada às necessidades dos consumidores, o que tornou este entendimento, ou princípio, o mais famoso axioma desenvolvido na história do marketing moderno (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988).

A força e a popularidade da managerial school são atribuídas ao estilo didático de apresentação dos conceitos de marketing, à sua capacidade de traduzir as teorias econômicas e à preocupação com a aplicação dos conhecimentos de marketing management pelos gestores da área. Em consequência, de acordo com Sheth, Gardner e Garrett (1988) e Wilkie e Moore (2011), a ênfase na prática gerencial e nos conceitos de gestão de marketing se mantiveram de forma destacada nos livros de marketing nas décadas seguintes, como, por exemplo, nas obras de Philip Kotler (Marketing Management: Analysis, Planning and Control) e de Jerome McCarthy (Basic Marketing: A Managerial Aproach).