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CAPÍTULO 4 – DAS PRÁTICAS AO ENSINO DE MARKETING

4.2. ESCOLA NORMAL CAETANO DE CAMPOS

A Escola Normal Caetano de Campos, situada na Praça da República (São Paulo), destacou-se no ensino de São Paulo entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Segundo Golombek (2016), desde 1895, os cursos primários e secundários desta escola tinham a duração de cinco anos e uma média de 27 aulas por dia, distribuídas em cinco

classes. O tempo escolar era dividido em dois períodos com cinco aulas cada, separados por um intervalo de aproximadamente vinte e cinco minutos. As aulas começavam às 10 horas e terminavam às 15 horas.

A escola priorizou um ensino fundamentado numa metodologia intuitiva e com o objetivo principal de inspirar nas crianças os hábitos de ordem e de trabalho. Eram ofertadas disciplinas voltadas para as línguas estrangeiras, astronomia, aritmética, caligrafia, desenho, mecânica, música, história natural, canto e educação cívica (GOLOMBEK, 2016). Entretanto, para o objeto de estudo da nossa tese, esta Escola foi emblemática pela oferta de duas disciplinas de economia em sintonia com o contexto econômico de São Paulo no final do século XIX. Observamos que neste período já havia a preocupação em instruir os alunos (mesmo que ainda crianças) para os aspectos econômicos e de consumo que despontavam na capital paulista. De acordo com Golombek (2016), entre as disciplinas ministradas estavam a economia doméstica e a economia política, destinadas às meninas e aos meninos, respectivamente. Acreditamos que a separação por sexo residia na diferença de papel social exigidos à época e nos predicados que ambos necessitariam adquirir para desempenhar as suas atividades na sociedade e no ambiente de trabalho.

Das meninas era esperado o conhecimento acerca das atividades do lar e de algumas questões relacionadas ao consumo de produtos, especialmente no segmento de roupas, em função do comércio pujante em algumas regiões da cidade de São Paulo, a exemplo da rua 25 de março. Com essa finalidade, para Golombek (2016), a disciplina de economia doméstica oferecia, dentre outros assuntos, fundamentos sobre a qualidade e sobre os preços que envolviam o vestuário e os seus componentes (e.g. algodão, linho, lã e seda).

Por outro lado, era almejado dos meninos o provimento do lar, através do trabalho fora de casa. No final do século XIX, a industrialização em São Paulo, promovida pela economia cafeeira, estava no início, mas já era indutora do desenvolvimento econômico e dos postos de trabalho. Ciente desse cenário, em 1895, a Escola Caetano de Campos ofereceu aos meninos, através da disciplina de economia política, uma visão mais ampla sobre o consumo e a sua relação com o mercado e com a atividade produtiva. Segundo aponta Golombek (2016), nesta disciplina, além dos aspectos econômicos da renda, dos juros, dos lucros e dos impostos, foram abordados o consumo em geral, o consumo privado e público, o consumo do luxo, e as relações entre o consumo e a produção.

Além destas duas disciplinas de economia, outros dois fatores relacionados à construção da nossa pesquisa nos chamaram atenção na Escola Caetano de Campos: o

intercâmbio com os Estados Unidos, no início do século XX, e o legado acadêmico do ex- aluno Miguel Milano, a partir da década de 1920.

O intercâmbio e a influência dos Estados Unidos no nosso contexto educacional, ao longo da primeira metade do século XX, verossimilmente começou (ou foi potencializado) durante a gestão do professor Oscar Thompson (1901-1920). Segundo relatos de Golombek (2016), entre abril e dezembro de 1904, o professor Thompson visitou escolas nos estados de Nova York, Massachussets, Missouri e Illinois com o objetivo de estudá-las e de aprender os métodos de ensino estadunidenses. O professor Thompson também distribuiu, entre os docentes das escolas visitadas, o livro Education in the State of São Paulo Brazil, S.A (Figura 107), publicado em 1903, que descrevia a história de São Paulo e o seu desenvolvimento industrial, além de contextualizar o ensino da Escola Caetano de Campos. Possivelmente este livro foi um dos primeiros materiais brasileiros a circularem em importantes instituições de ensino americanas.

Figura 107 - Capa do livro Education in the State of São Paulo, 1903.

Fonte: Golombek (2016).

Nos Estados Unidos, o professor Thompson atestou, segundo entrevista concedida ao Jornal O Estado de São Paulo, em 18 de dezembro de 1904, as excelentes estruturas das instalações dos prédios escolares, a capacitação e a dedicação dos professores estadunidenses. Trouxe da viagem as tradições das escolas americanas, como as datas comemorativas e alguns esportes ainda desconhecidos no Brasil. Como exemplos, Golombek (2016) cita que o então diretor Thompson instituiu na Escola Caetano de Campos o Alumni Day, reconheceu o basquete (recém-chegado dos EUA) como esporte, e introduziu, no dia 19 de novembro de

1906, o Flag Day dos norte-americanos no calendário da escola, para que fossem cultivados o amor e o respeito à bandeira nacional.

Além do professor Thompson, outro docente da Escola Caetano de Campos desenvolveu intercâmbio cultural com os Estados Unidos no início do século XX. Tratou-se do professor Manuel Ciridião Buarque, que fundou, em 1913, a Brazilian Bureau of American Education (Figura 108), uma escola para brasileiros nos EUA. Em pouco tempo, a Brazilian Bureau of American Education, além da sua sede em Nova York, abriu três escritórios de representação no Brasil, estabelecidos em Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo da escola era encaminhar os brasileiros às principais escolas, colégios e universidades estadunidenses. Aos poucos, o professor Manuel Ciridião conquistou outros espaços na educação, como a oportunidade de ter ministrado, em 1914, o primeiro curso de língua portuguesa (Figura 109) em uma universidade norte-americana (Universidade de Columbia).

Figura 108 - Panfleto da Brazilian Bureau of

American Education - Década de 1910. Figura 109 - Folder com informações sobre o curso de Português na Universidade de Columbia (1914-1915).

Fonte: Golombek (2016). Fonte: Golombek (2016).

Afora os primeiros intercâmbios educacionais, a Escola Caetano de Campos formou alunos que se tornaram referências na docência e na publicação de livros voltados para o comércio e para a indústria. O professor Miguel Milano, por exemplo, publicou obras importantes para o contexto educacional das décadas de 1920 e 1930, como o livro “História do Comercio da Industria e da Agricultura”, de 1929. É possível que este livro tenha sido relevante para a educação comercial brasileira, porque trouxe uma descrição histórica da evolução do comércio e das atividades produtivas em nível mundial.

Analisando a obra “História do Comercio da Industria e da Agricultura”, verificamos que, num primeiro momento, o autor apresentou as origens e o desenvolvimento do comércio entre os povos do oriente e do ocidente, a variedade dos seus lugares, as vias e os meios de comunicação utilizados, as operações de créditos e o uso das moedas. Numa segunda etapa, foi contextualizado o comércio medieval no tocante às práticas comerciais e de importação, às indústrias e à agricultura, aos efeitos econômicos das descobertas marítimas e aos povos que mais contribuíram para as negociações nessa época (e.g. alemães, ingleses, franceses e judeus).

Na sequência, o livro discutiu as práticas comerciais e industriais adotadas pelos países europeus e as mercadorias envolvidas nas importações que caracterizaram o comércio moderno. Ainda em alusão ao comércio moderno, a obra debateu o sistema mercantil, a balança comercial, os tratados comerciais e a revolução monetária que impactaram a agricultura e a indústria. Por fim, o comércio contemporâneo foi mapeado à luz da dinâmica econômica da Inglaterra e da Alemanha pós 1815 (MILANO, 1939).

Ao que parece a abordagem histórica como método de ensino, utilizada pelo professor Miguel Milano para os assuntos econômicos e comerciais foi adotada por cursos com características mais práticas. O livro “História do Comercio da Industria e da Agricultura”, por exemplo, foi indicado para os alunos que estavam cursando os 3°s anos dos cursos de perito-contador, conforme indicação na própria contracapa do livro (Figura 110).

Figura 110 - Contracapa do livro História do Comércio da Indústria e da agricultura, de Miguel Milano (1939) Década de 1930.

Pontuamos que a Escola Normal Caetano de Campos participou do início do ciclo de ensino de aproximação com as práticas de mercado presentes em São Paulo, no começo do século XX. Neste processo, resgatamos que a Escola foi importante porque ofertou disciplinas de economia em reciprocidade aos acontecimentos industriais e comerciais. Os seus gestores demonstraram interesse em aprender e aplicar as metodologias de ensino utilizadas por instituições estadunidenses, ratificando os laços entre as instituições de ensino brasileiras e americanas que já aconteciam no início do século XX. Em somatório, a Escola formou alunos e professores que contribuíram com estudos e com publicações nas áreas do comércio e da indústria.

Contemporânea à Escola Caetano de Campos, destacamos a Escola de Comércio Alvares Penteado como instituição fundada para preparar profissionais capazes de desenvolver atividades aplicadas ao comércio, à indústria e à agricultura. Na sequência detalhamos, entre outros, o contexto de criação desta Escola, os seus primeiros docentes e as suas primeiras disciplinas e conteúdos relacionados às práticas de mercado.