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CAPÍTULO 3 – ALCANÇANDO O BRASIL

3.4 O CONTEXTO DA SÃO PAULO INDUSTRIAL

O desenvolvimento da economia cafeeira, o trabalho assalariado, e a contribuição dos imigrantes foram os fatores propulsores da industrialização brasileira e paulista no início do século XX. O interstício industrial entre as décadas de 1900 e 1950 representou o período de

construção das práticas de mercado, as quais se fortaleceram com o incremento do capital estrangeiro e com a americanidade dessas práticas. Descrevemos neste item o cenário da indústria de São Paulo, na primeira metade do século XX, que potencializou o mercado consumidor, as estratégias de propaganda e as práticas de marketing.

O setor industrial brasileiro e paulista, nas primeiras décadas do século XX, foi marcado por um contexto de oscilações entre a valorização da indústria nacional e a valorização das importações. Em ambos os casos, a contemporaneidade com a primeira guerra mundial trouxe reflexos para o setor produtivo local nas décadas de 1900 e 1910.

Além da guerra que provocou o desabastecimento de produtos importados no mercado brasileiro, a proibição da isenção de tarifas para bens importados com similar nacional favoreceu os investimentos na indústria nacional. Houve um aumento na procura por artigos manufaturados nacionais, gerando oportunidades para os empresários locais. Entre 1914 e 1919, aproximadamente 6 mil novos estabelecimentos industriais foram criados, alguns funcionando 24 horas por dia, e o valor da produção industrial subiu 212% (COUTO 2, 2004, p. 36). Nesse mesmo período, as indústrias de São Paulo começaram a adentrar, paulatinamente, o mercado do Rio de Janeiro.

Na década de 1920, o cenário se inverteu. Os estudos mostram uma valorização das importações e a adoção de medidas cambiais que favoreceram os produtos estrangeiros (POSSAS, 1982; SERRA, 1982), entre eles os tecidos ingleses e outros artigos de utilidade doméstica como os aquecedores de água (Figura 68) e os fogões (Figura 69) provenientes dos Estados Unidos. Em consequência, cerca de 70% da arrecadação Federal foram de tributos derivados das importações. De acordo com (COUTO, 2004b), o governo era pouco sensível à questão da indústria nacional, inexistia a regulamentação sobre a qualidade dos produtos, havia reclamações quanto aos preços das mercadorias e eclodiram reivindicações operárias nas fábricas.

Figura 68 - Aquecedor de água Humprey Co., 1920 -

Museu da Energia, São Paulo (2016c). Figura 69 - Fogão Westinghouse Eletric Co., 1920 - Museu da Energia, São Paulo (2016c).

Fonte: Museu da Energia (2016c), registrado pelo autor em mar. de 2016.

Fonte: Museu da Energia (2016c), registrado pelo autor em mar. de 2016.

Motivados por estas adversidades, os industriais de diversos setores produtivos de São Paulo se organizaram e fundaram o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). A primeira diretoria, empossada em 19 de julho de 1928, foi presidida por Francesco Matarazzo, tendo Roberto Cochrane Simonsen como vice-presidente. Além deles, havia os diretores Jorge Street e Plácido Meirelles, industriais do setor têxtil; Alfried Weiszflog e Horacio Lafer, industriais do ramo de papéis; Antônio Devisate, fabricante de calçados; Carlos Von Bülow, da Companhia Antarctica Paulista; e José Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim (COUTO 2, 2004, p. 144; CENTRO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2016).

O CIESP nasceu como uma associação aberta e voluntária cujas principais diretrizes estavam na ênfase ao papel da indústria como elemento propulsor da autonomia econômica e política, na necessidade de cooperação e de aliança entre capital, trabalho e governo, e na preconização de medidas protecionistas. Os associados advogavam que o crescimento do mercado interno, o incremento da capacidade de consumo e a ampliação da produtividade gerariam mais riquezas e promoveriam o bem-estar e a tranquilidade das pessoas (COUTO, 2004b, p. 145).

O objetivo do CIESP era defender as ideias, os interesses e o poder de barganha das indústrias, e fomentar os estudos e as pesquisas na área. No discurso de posse do vice- presidente Roberto Cochrane Simonsen, verificamos a preocupação com o conhecimento e com as ações de comunicações necessários para o alcance desses objetivos. Segundo ele, “promovendo o engrandecimento e a consolidação do parque industrial brasileiro por todos os

meios ao seu alcance, pelo estudo, propaganda e ação, dentro da ordem de ideias que acabamos de expor, o CIESP tem traçado o seu programa” (COUTO, 2004b, p. 145).

Pouco depois da criação do CIESP, a crise na economia estadunidense inverteu novamente o cenário industrial brasileiro. A queda na bolsa de valores de Nova York, em 24 de outubro de 1929, baixou o índice Dow Jones em 90%, deflagrando uma recessão nos Estados Unidos. A renda nacional caiu mais de 50% no início da década de 1930, o desemprego atingiu cerca de 25% dos norte-americanos e um terço da sua população ficou abaixo da linha da pobreza (COUTO, 2004b, p. 154, TOTA, 2014). Os reflexos negativos da crise atingiram a economia primário-exportadora brasileira e o mercado interno de bens industriais. Houve um declínio das exportações, como no caso do café, com uma redução de cerca de 40%. Metalúrgicas e indústrias de tecidos e de papéis reduziram suas operações para um quarto da capacidade instalada. Quanto às importações, houve um bloqueio devido à falência cambial (MUSEU DA IMIGRAÇÃO, 2016c)

Por outro lado, a Grande Depressão gerou questionamentos quanto ao ideário liberal, fortaleceu o intervencionismo e a proteção à indústria nacional, e colaborou com a industrialização substitutiva de importações. Em meio à crise não houve outra alternativa para o Brasil que não fosse o consumo interno e a valorização da indústria doméstica. A década de 1930 foi um período de intensa estruturação do parque industrial paulista e de importantes avanços na produção têxtil (aumento de 60%) e na exportação de algodão. Os empresários perceberam a manutenção do interesse dos consumidores nos produtos industriais e reforçaram os investimentos na fabricação e no aumento da produtividade. A indústria de bens de consumo foi se fortalecendo (COUTO, 2004b; SERRA, 1982).

A partir do final dos anos 1940 e o início dos anos 1950, a economia brasileira caracterizou-se pelo fortalecimento da indústria manufatureira e dos setores industriais da construção civil, da mineração, de serviços e de transformação, a exemplo dos bens de produção e dos bens de consumo duráveis. Foi um período de intensa industrialização, de entrada de capital estrangeiro na produção de bens manufaturados para o mercado interno e de crescimento do PIB de aproximadamente 11% ao ano (SERRA, 1982).

De acordo com Baer (2002), alguns eventos contribuíram favoravelmente para a industrialização brasileira nesse período. Observa-se que o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) no setor industrial e nos serviços urbanos, incluindo os assalariados no comércio e nos serviços públicos, estimulou mudanças na estrutura social.

Além disso, a base do mercado doméstico foi ampliada e o número de analfabetos entre as pessoas com mais de 15 anos de idade diminuiu.

Porém, mesmo com um cenário promissor, o processo de crescimento econômico brasileiro apresentou alguns desequilíbrios. Há de se destacar como entraves a insuficiência no desenvolvimento tecnológico das indústrias, a contração de dívidas pelo governo equivalentes a 1/4 do PIB, a elevação da inflação acima dos 20% ao ano e a incapacidade do sistema financeiro em mobilizar poupança para financiar os investimentos (SERRA, 1982). O desequilíbrio financeiro ameaçou o crescimento da economia brasileira, e, portanto, houve necessidade de ajustes e investimentos no setor econômico e na relação entre importação e exportação.

Destaca-se o papel do estado no processo de industrialização brasileira na metade do século XX, como protagonista na centralização financeira, na coordenação dos grandes investimentos, na construção da infraestrutura e na produção de matérias-primas e insumos básicos (LEOPOLDI, 1994; DRAIBE, 1985). Além dos incentivos e subsídios fiscais, as políticas protecionistas à indústria nacional e o fechamento da economia aos produtos importados eram recorrentes. Empreendimentos estatais foram criados, a exemplo da Vale do Rio Doce, direcionada à produção de minério de ferro; da Companhia Siderúrgica Nacional, destinada à produção de aço; da Petrobrás, que objetivava a prospecção, produção e refino do petróleo; e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, responsável pela otimização da infraestrutura de energia e transportes (SERRA, 1982; TAVARES, 2005).

Ademais, o estado incentivou a importação de máquinas e equipamentos para melhorar a capacidade instalada das indústrias brasileiras. Nesse ponto, duas instruções da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) foram importantes na década de 1950. A instrução 70, de 1953, disciplinou as importações de acordo com os interesses da indústria, e a instrução 113, de 1955, autorizava as empresas estrangeiras sediadas no Brasil a importarem máquinas e equipamentos livres de cobertura cambial (CAPUTO; MELO, 2009).

Havia, no Brasil, além das estatais, outros dois tipos de empresas que formavam o tripé da industrialização no país: as empresas de capital privado e as de capital estrangeiro. Estas organizações estavam inseridas no processo de “transnacionalização” da indústria brasileira e concentravam-se fortemente na indústria de transformação. Eram chamadas de Empresas Transnacionais (ET) e trabalhavam com um nível de capital, de produção, de tecnologia e de produtividade bem acima das empresas nacionais. Na década de 1950, as ET eram predominantemente de origem norte-americana e foram importantes no processo de

industrialização brasileira (TAVARES, 1978; POSSAS, 1982; SERRA, 1982), que, por sua vez, contribuiu para o desenvolvimento do comércio e das comunicações, principalmente em São Paulo. Os efeitos da industrialização nesses dois setores serão discutidos a seguir.