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O desenvolvimento das agências de propaganda e da comunicação no Brasil

CAPÍTULO 3 – ALCANÇANDO O BRASIL

3.5 OS EFEITOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO

3.5.2. O desenvolvimento das agências de propaganda e da comunicação no Brasil

As atividades em torno da publicidade no Brasil são antigas. Há registros, segundo Martensen (1990), de que o primeiro publicitário brasileiro tenha sido Julião Machado, na década de 1890, o qual ilustrava e escrevia os seus anúncios. Era comum a divulgação de produtos por meio das carroças (Figura 78) que circulavam pelas ruas das cidades. No início do século XX, Cadena (2001) referencia João G. Bonéis e João da Cunha Lyra como dois promotores de rua pioneiros. Em 1900, João Bonéis introduziu no carnaval carioca um carro alegórico com anúncios. O ineditismo da ideia influenciou outros promotores, através do patrocínio de corsos carnavalescos e, posteriormente, de pranchas de bondes transportando grupos de mascarados (CADENA, 2001). Nestes bondes, os patrocinadores colocavam as suas marcas nas laterais dos veículos (Figura 79).

Por outro lado, em 1907, João Lyra começou a viajar pelo Brasil divulgando e popularizando os produtos do Laboratório Daut & Oliveira, como a Boro-Boraica, A Saúde da Mulher e o Bromil (MARTENSEN, 1990). Natural do Rio Grande Sul, João Lyra introduziu técnicas promocionais inovadoras e componentes motivacionais nas suas negociações. De

acordo com Cadena (2001), João Lyra realizou corsos fora do período carnavalesco e reuniu estudantes em praças públicas, utilizando caixas que imitavam tambores para despertar a atenção dos pedestres. Além disso, distribuiu amostras grátis dos produtos nas ruas ou em ocasiões especiais como em exposições. Ainda organizou concursos de cartazes e afixou a marca A Saúde da Mulher em guarda-sóis e em sombrinhas, distribuindo-as para senhoras formadoras de opinião (CADENA, 2001).

Figura 78 - Carroças para distribuição de cervejas

amargas que a propaganda anunciava como medicinal - Déc. 1900.

Figura 79 - Pranchas de bondes para exposição de

Merchandising no carnaval - Déc. 1900-1910.

Fonte: Cadena (2001, p. 14). Fonte: Cadena (2001, p. 15).

Outros nomes relacionados à propaganda nas primeiras décadas de século XX foram os de Jocelyn Bennaton e João Castaldi, fundadores da Eclética, primeira agência de propaganda brasileira, situada na capital paulista (MARTENSEN, 1990). Em 1910, a Eclética utilizou revistas, jornais e cartazes para veicular os anúncios dos seus clientes (BOUCAULT, 2014; FALCÃO, 2014), movimentando o mercado publicitário da cidade de São Paulo.

Muito embora no final da década de 1910 São Paulo já possuísse cinco agências de propaganda e importantes anunciantes (a exemplo da Colgate-Palmolive, da Bayer e da Farinha Láctea Nestlé), foi apenas a partir da década de 1920 que houve um maior desenvolvimento no segmento da comunicação brasileira. Parte considerável deste desenvolvimento foi estimulada pela expansão do setor elétrico no estado de São Paulo. De acordo com (MUSEU DA ENERGIA, 2016a), além da capital, o serviço público de eletricidade foi expandido para importantes cidades do interior do estado, a exemplo de

Jundiaí, em 1905, Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul, em 1907, Santos e Guarujá, em 1910, e Bragança Paulista, Campos do Jordão e São José dos Campos, em 1918.

O setor elétrico gerou oportunidades para outros municípios e ampliou o alcance das marcas, atraindo outros anunciantes que se destacaram no mercado pelas mensagens veiculadas. A novidade dos produtos e dos serviços gerados pela eletricidade demandou de grandes empresas (e.g. General Electric – GE e Light) campanhas educativas e explicativas, para que os seus consumidores assimilassem melhor esses novos produtos e novos serviços e aprendessem a conviver com eles. A GE, por exemplo, optou por mensagens que enfatizavam os benefícios e as qualidades dos produtos, através de frases como “Que Prazer” ou “Facilitam os serviços domésticos” (Figuras 80 e 81).

Figura 80 - Anúncio Refrigerador GE – Década de 1930 - Museu da Energia, São Paulo (2016)

Figura 81 - Anúncio dos Aparelhos da GE na edição

de n. 28 de maio de 1930 da Revista da Light (1930).

Fonte: Museu da Energia (2016), registrado pelo

autor em mar. de 2016. Fonte: Revista da Light (1930).

Já a Light trabalhou na proposição de campanhas mais educativas para o uso correto e econômico da energia (Figura 82), especialmente após a adoção do horário de verão no Brasil entre os anos de 1931 e 1932. De acordo com os dados da exposição “Energia e Cotidiano” do Museu da Energia (2016d), havia, no Brasil, a preocupação em reduzir o consumo de energia elétrica, aproveitando ao máximo a luz natural ao entardecer, por isso a ideia do horário de verão, criado nos EUA em 1884, foi importada e implementada no início da década de 1930. Além dos anúncios educativos, observamos nas campanhas da Light a utilização de bordões (e.g. “Seguro morreu de velho”), a associação com o corpo feminino e a ênfase nos benefícios da energia (foto 75 e 76).

Figura 82 - Campanha Educativa

da Light - Década de 1930. da Light "Seguro morreu de velho" Figura 83 - Campanha educativa - Década de 1930.

Figura 84 - Campanha Light

"Experimente a Boa Iluminação" – Década de 1930.

Fonte: Revista da Light (1930). Fonte: Revista da Light (1930). Fonte: Revista da Light (1930)

A Light também desenvolveu anúncios de estímulo ao uso do bonde. Nas campanhas, a empresa valorizava o custo e o benefício do serviço (Figura 85), realçando a capacidade de transportar pessoas, bagagens e mercadorias para os pontos mais distantes da cidade com comodidade e rapidez. Entretanto, ao mesmo tempo em que os novos bondes despertaram o interesse dos pedestres para o seu uso, as reclamações com relação aos serviços e aos acidentes provocados por este tipo de veículo aumentaram (REVISTA DA LIGHT, 1930).

Estes incidentes contribuíram com uma outra forma de comunicação, a criação de personagens desenvolvida por chargistas e caricaturistas. Foi o caso de Benedito Carneiro Bastos Barreto, que inspirado nas reclamações dos usuários dos bondes criou, em 1930, o personagem Juca Pato (Figura 86), cidadão de classe média que sofria com os problemas urbanos e os serviços públicos da falta de bondes, da falta de iluminação pública, dos buracos nas ruas, das contas de energia altas, entre outros. A simpatia e o bom humor do personagem Juca Pato se popularizou e virou nome de cigarro, caderno, água sanitária e do famoso Bar Juca Pato, no centro de São Paulo, frequentado por artistas e jogadores de futebol (REVISTA MEMÓRIA ELETROPAULO, 1996).

Figura 85 - Campanha da Light de estímulo ao

uso do bonde, na edição de n. 33 de outubro de 1930 da Revista da Light (1930).

Figura 86 - Personagem Juca Pato em "O inimigo da

Light" e em “... o bonde não aparece!" na edição de n. 23 da Revista Memória Eletropaulo (1996).

Fonte: Revista da Light (1930) Fonte: Revista Memória Eletropaulo (1996).

Em somatório ao desenvolvimento do setor elétrico e dos seus anunciantes, outros fatores contribuíram para o desenvolvimento da comunicação brasileira a partir da década de 1920. Além do início das transmissões via rádio no Brasil, algumas empresas criaram o seu próprio departamento de propaganda, como, por exemplo, a General Motors (FALCÃO, 2014; MARTENSEN, 1990) e a Light. O alcance e a criatividade dos anúncios da Light valorizaram o departamento de propaganda da empresa ao ponto de, periodicamente, a revista da Light veicular informações sobre este departamento e sobre os profissionais que nele trabalhavam (Figura 87). Ainda dentro da revista, eram frequentes as campanhas de engajamento do departamento nas causas de utilidade pública (Figura 88).

Figura 87 - Departamento de Publicidade da Light.

Natal dos funcionários do departamento, na edição de dezembro de 1930 da Revista da Light (1930).

Figura 88 - Campanha "Para evitar os acidentes do

tráfego" do Departamento de Publicidade, na edição de outubro de 1930 da Revista da Light (1930).

Fonte: Revista da Light (1930). Fonte: Revista da Light (1930).

Somando-se ao advento da rádio e dos departamentos de propaganda dentro de algumas empresas, o Brasil presenciou a chegada de agências multinacionais. Em 1929, a J. Walter Thompson (JWT) foi a primeira agência multinacional a se instalar no Brasil, na cidade de São Paulo (SANTOS et al., 2009; J. WALTER THOMPSON, 2015), e implementou estratégias inovadoras como a fotografia nos anúncios e as primeiras pesquisas de mercado. No mesmo período, outra agência americana, a N. W. Ayer, instalou-se na capital paulista para gerenciar a comunicação e o planejamento da Ford Motor Company. O planejamento era um serviço até então inexistente nas agências de propaganda brasileiras (FALCÃO, 2014).

A partir de então, alguns marcos históricos envolvendo a comunicação podem ser descritos. De acordo com Sarmento (1990), nos anos 1930, a propaganda passou a ter uma coluna no jornal O Globo e despertou a atenção do governo, que dispôs decretos-leis envolvendo a concorrência e a propaganda falsa, criou o Departamento de Imprensa (DIP) e instituiu a Hora do Brasil. Ao que parece, a comunicação tornou-se um fator influenciador no processo de desenvolvimento econômico brasileiro, resultando, ainda na década de 1930, no surgimento da revista Propaganda, na fundação da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), no Rio de Janeiro, na criação da Associação Paulista de Propaganda (APP), em São Paulo, e no primeiro Salão Brasileiro de Propaganda, realizado na capital carioca (SARMENTO, 1990).

Nos anos seguintes, outros eventos foram emergindo e consolidando o segmento publicitário no contexto brasileiro. Dentre outros, Falcão (2014) destaca a criação da Associação Brasileira das Agências de Propaganda (ABAP), em 1949, a realização do primeiro Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1957, a criação da Editora Abril e da Revista Cruzeiro na década de 1950 e a promulgação da Lei n° 4.680, de 1965, que tratava do exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda. Na década de 1960, o governo militar tornou-se um dos principais anunciantes, destacando a importância da comunicação na época.

O fortalecimento da indústria e do varejo brasileiro na primeira metade do século XX demandou estratégias de estímulo às vendas dos produtos nas lojas e as agências de propaganda tiveram um papel fundamental na materialização dessas estratégias. As agências tornaram-se, além de agentes de comunicação, responsáveis pelo planejamento e pesquisa de mercado dos seus anunciantes. É possível que, em virtude da inexistência de profissionais de marketing no Brasil, até a década de 1950, as agências de propaganda tenham absorvido parte do protagonismo no estudo das demandas e das oportunidades do mercado. De acordo com Sarmento (1990), neste período as agências de propaganda foram responsáveis pelo plano de ação dos seus anunciantes, realizavam estudos sobre posicionamento dos produtos, imagem da marca, margem de lucro, preço de venda etc.

A incompletude do entendimento do marketing como sendo propaganda, assumida por boa parte da sociedade brasileira até hoje, pode ter explicações neste contexto histórico de práticas. Além disso, entre o primeiro Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1953, e o primeiro Congresso de Marketing no Brasil, em 1980, foram 27 anos, sinalizando que as discussões e os debates sobre a comunicação vieram primeiro.

Se em meados dos anos 1950 as agências de propaganda, as indústrias e o varejo foram alguns dos agentes que contribuíram para o desenvolvimento econômico brasileiro, e em cada um desses setores havia grandes empresas americanas como referência, podemos derivar a significância da influência estadunidense nas nossas práticas. No próximo item, detalhamos as origens do processo de construção dessa influência.