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Determinação de combinações possíveis entre discurso direto, discurso

3. CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ANÁLISE

4.1. ANÁLISE DA EDITORIA, DA FONTE E DAS FORMAS DE CITAÇÃO

4.1.4. Sobre o verbo “dizer” e as formas de citação: discurso direto, discurso indireto e

4.1.4.1. Determinação de combinações possíveis entre discurso direto, discurso

Um dos aspectos mais interessantes que nosso levantamento mostrou foi que uma mesma fala, muitas vezes, chegava a mobilizar duas, três ou mais dessas formas de citação ao mesmo tempo. Discurso direto, discurso indireto e comentário podem, concomitantemente, combinar-se para fazer remissão a uma única fala ou a um mesmo assunto presente em falas de fontes diferentes, utilizando, nesse processo de remissão em conjunto, tanto verbos “neutros” como interpretativos.

Encontramos, no corpus, cinco tipos de combinações entre as três formas de citação indicadas e onze subtipos e dezessete variações dessas combinações (Tabela 9).

Combinações entre comentário, discurso direto e discurso indireto encontradas no corpus

Tipos Subtipos Variações

(A) Comb in õe s e n tr e d isc u rso d ir eto e c ome n

tário A.1) Comentário seguido de discurso direto

A.1.1) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo e

discurso direto com verbo “neutro”

A.1.2) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo e

discurso direto com verbo interpretativo

A.1.3) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo “neutro” e discurso

direto com verbo “neutro”

A.1.4) Comentário (do tipo CO + RES) com verbo interpretativo e

discurso direto com verbo “neutro”

A.2) Discurso direto seguido de

comentário

A.2.1) Discurso direto com verbo “neutro” e comentário (do tipo CO +

COT) com verbo interpretativo

A.2.2) Discurso direto com verbo “neutro” e comentário (do tipo CO +

COT) com verbo “neutro”

A.3) Comentário seguido de discurso direto seguido de

comentário

A.3.1) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo,

discurso direto com verbo “neutro” e comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo

A.4) Comentário seguido de discurso direto seguido de

discurso direto

A.4.1) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo,

discurso direto com verbo “neutro” e discurso direto com verbo “neutro”

A.5) Comentário seguido de discurso direto seguido de

comentário seguido de comentário seguido de discurso

direto seguido de discurso direto

A.5.1) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo,

discurso direto com verbo “neutro”, comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo, comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo, discurso direto com verbo “neutro” e discurso direto com verbo “neutro” (B) Comb in ão en tr e d isc u rso in d ir eto e c ome n tário B.1) Comentário seguido de discurso indireto

B.1.1) Comentário (do tipo CO + NÃO) com verbo interpretativo e

discurso indireto com verbo “neutro”

B.1.2) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo e

discurso indireto com verbo “neutro”

(C) Comb in õe s e n tr e d isc u rso in d ir eto e d isc u rso d ir eto

C.1) Discurso indireto seguido de discurso direto

C.1.1) Discurso indireto com verbo “neutro” e discurso direto com

verbo “neutro”

C.1.2) Discurso indireto com verbo interpretativo e discurso direto com

verbo “neutro”

C.2) Discurso direto seguido de

(D) Comb in õe s e n tr e d isc u rso in d ir eto, d isc u rso d ir eto e c ome n

tário D.1) Discurso indireto seguido de discurso direto seguido de

comentário

D.1.1) Discurso indireto com verbo interpretativo, discurso direto com

verbo “neutro” e comentário (do tipo CO + COT) com verbo “neutro”

D.2) Comentário seguido de discurso indireto seguido de discurso direto seguido de

comentário

D.2.1) Comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo,

discurso indireto com verbo “neutro”, discurso direto com verbo “neutro” e comentário (do tipo CO + COT) com verbo interpretativo

(E) Comb in ão en tr e d isc u rsos d ir

etos E.1) Discurso direto seguido de

discurso direto E.1.1) Discurso direto com verbo “neutro” e discurso direto com verbo interpretativo

Total: 5 Total: 11 Total: 17

Tabela 9. Combinações entre comentário, discurso direto e discurso indireto encontradas no corpus. Fonte: Análise da

edição de 03/02/01 do jornal Folha de S.Paulo

Vejamos, a seguir, os exemplos detalhados de combinações da Tabela 9:

(A) Combinações entre Discurso Direto e Comentário

A.1) Comentário seguido de Discurso Direto

O subsecretário de Esportes e Lazer contestou a versão. ‘É claro que foram

comunicados. Eles me ligaram, e eu disse que não poderiam entrar. Então ameaçaram dizendo que levariam a imprensa para forçar a entrada’, afirmou.

De acordo com o presidente da Federação de Automobilismo do Rio, Djalma Neves, a vistoria da pista não tinha nenhuma relação com a prova da Indy de 2001, que corre o risco de não acontecer (Folha de S.Paulo, 3 de fevereiro de 2001, caderno

Esporte, p. D6, grifos nossos).

Neste exemplo, há uma fala citada em discurso direto: “É claro que foram

dizendo que levariam a imprensa para forçar a entrada”. Essa fala é classificada com o

verbo “afirmar” – verbo tido como neutro. No entanto, percebemos que, tal como o verbo “afirmar”, o “verbo-comentário” interpretativo “contestar” aplica-se à fala em discurso direto. O CO + COT “contestou a versão” parece preparar terreno para (introduzir, anunciar) a fala que vem na seqüência em discurso direto.

Construídas e interligadas desta maneira, as duas formas de citação colaboram para que levantemos o questionamento em torno do sentido da fala citada: afinal, trata-se de uma afirmação, de uma contestação ou de ambas? A nosso ver, os dois sentidos podem ser atribuídos à fala citada. Questões desse tipo, envolvendo a articulação de verbos diferentes e formas de citação diferentes na remissão a uma mesma fala, orientam a nossa análise, sinalizando lugares de onde o sentido da fala pode ser buscado. Sinalizando, portanto, que o sentido de uma fala classificada com determinado verbo não é necessariamente o sentido que aparece descrito no Manual para tal verbo. Essa idéia será reforçada nos próximos exemplos, em outras perguntas que também sugerem a variedade de sentidos para os verbos classificadores de falas na notícia.

Quanto à combinação na seqüência comentário seguido de discurso direto, percebemos que pode ser feita com verbos tidos como neutros e verbos interpretativos em ordem diferente da já apresentada. No exemplo anterior, os verbos empregados em seqüência foram “contestar” (interpretativo) e “afirmar” (“neutro”). Vejamos este segundo caso de comentário seguido de discurso direto:

Segundo avaliação do diretor da OIT no Brasil, ‘poucos países conseguiram fazer tanto em tão pouco tempo’.

O ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, que ficou internacionalmente conhecido pela implantação do projeto bolsa-escola, é mais

crítico à atuação do Brasil no combate ao trabalho infantil.

‘Na velocidade com que as mudanças vêm sendo feitas, vai levar muito tempo para erradicar o trabalho infantil do país’, ponderou (Folha de S.Paulo, idem,

caderno Cotidiano, p.C4, grifos nossos).

Temos o CO + COT “é mais crítico à atuação do Brasil no combate ao trabalho

infantil” e o discurso direto “Na velocidade com que as mudanças vêm sendo feitas, vai levar muito tempo para erradicar o trabalho infantil do país”. Os verbos empregados em CO +

COT e em discurso direto são, respectivamente, “ser (mais crítico)” – “verbo-comentário” interpretativo – e “ponderar” – verbo interpretativo. Nesse caso, verbo interpretativo combina- se com um outro verbo interpretativo no processo de citação comentário seguido de discurso

direto. Outra possibilidade, ainda, é o comentário feito com verbo considerado neutro seguido de discurso direto com verbo também considerado neutro:

‘Não está na agenda do PT, nesse momento, constituir comissão de ética, fazer advertência, suspensão ou expulsão. Estamos aguardando os diretórios regionais’, afirmou.

Dirceu também falou sobre as críticas feitas anteontem pelo presidente

Fernando Henrique Cardoso aos que se opõem à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Sem citar nomes, FHC disse que ‘os eleitores’ não toleram mais administrações perdulárias.

‘O presidente está fugindo da discussão, fazendo uma generalização indevida, como faz em outras questões. O presidente tem essa mania. Acho até que, do ponto de vista intelectual, não é uma postura honesta’, afirmou (Folha de

S.Paulo, idem, caderno Brasil, p. A5, grifos nossos).

No exemplo, “falou sobre as críticas feitas anteontem pelo presidente Fernando

Henrique Cardoso aos que se opõem à Lei de Responsabilidade Fiscal” é o CO + COT com

verbo tido como neutro – “falar”. Esse comentário aplica-se à fala em discurso direto “O

presidente está fugindo da discussão, fazendo uma generalização indevida, como faz em outras questões. O presidente tem essa mania. Acho até que, do ponto de vista intelectual, não é uma postura honesta”, fala esta explicitada com o verbo “afirmar” – verbo considerado

neutro. É interessante notar que entre o comentário e o discurso direto aparece a fala de FHC, citada em discurso indireto, sobre a qual discursam as falas desses mesmos comentário e discurso direto.

Graças ao recorte expandido dos enunciados-alvo, pudemos atentar para o fato de que não só as formas de citação, mas também os verbos tidos como neutros e os verbos interpretativos articulam-se entre si, antecedendo-se uns aos outros ou colocando-se uns após os outros, mesmo que a ordem da combinação comentário seguido de discurso direto, por exemplo, não se altere. Esquematicamente, teríamos, portanto, possibilidades combinatórias como:

Comentário combinado com Discurso direto

verbo neutro combinado com verbo interpretativo verbo neutro combinado com verbo neutro verbo interpretativo combinado com verbo neutro verbo interpretativo combinado com verbo interpretativo

Cabe perguntar: faz diferença, no momento de o leitor atribuir sentido a uma fala, se esta fala (1) é antecedida por um comentário com verbo interpretativo e, a seguir, classificada em discurso direto com verbo tido como neutro? ou (2) é antecedida por um comentário com

verbo interpretativo e, a seguir, classificada em discurso direto com verbo interpretativo? ou, ainda, (3) é antecedida por um comentário com verbo tido como neutro e, a seguir, classificada em discurso direto com verbo considerado neutro? Esses questionamentos permitem demonstrar por que nos interessam os procedimentos de citação do comentário e do discurso direto articulados, bem como os usos do comentário e do discurso direto feitos, nessa articulação, com verbos tidos como neutros e como interpretativos. A atribuição de sentidos a uma fala dependerá, por um lado, do reconhecimento, pelo leitor, do processo de citação, isto é, da articulação entre verbos e formas de citação, e, por outro, do modo como se dá o diálogo do leitor com elementos desse processo.

A combinação comentário seguido de discurso direto apresenta, no material analisado, pelo menos quatro formas de articulação em função da mudança de posição de verbos tidos como neutros e como interpretativos. Essas formas de articulação podem ser do seguinte modo esquematizadas:

A.1.1) combinação de comentário com verbo interpretativo e discurso direto com verbo tido como neutro;

A.1.2) combinação de comentário com verbo interpretativo e discurso direto com verbo interpretativo;

A.1.3) combinação de comentário com verbo tido como neutro e discurso direto com verbo tido como neutro. Notando que o comentário considerado nesse esquema é o CO + COT, tipo que apareceu nos exemplos citados de comentário seguido de discurso direto. Vejamos a combinação comentário seguido de discurso direto realizada com outro tipo de

comentário:

Para Marielza, a cidade vive uma espécie de ‘neurose coletiva’ em relação aos animais.

A advogada Mônica Grimaldi confirma que muitas ações são motivadas por

‘vendetas pessoais’ – ou briga de vizinhos. ‘Há pessoas que têm conflitos com outras e usam o cão como uma espécie de ponto fraco’, diz.

Como ativista, Marielza afirma que já perdeu a conta do número de animais que deu abrigo e tutela porque seus donos estavam sendo ameaçados ou processados

(Folha de S.Paulo, idem, caderno Cotidiano, p. C7, grifos nossos),

em que CO + RES está representado pela fala “confirma que muitas ações são motivadas por

‘vendetas pessoais’ – ou briga de vizinhos”. “Confirmar” é o “verbo-comentário”

interpretativo. A fala em discurso direto é “Há pessoas que têm conflitos com outras e usam o

neutro – “dizer”. CO + RES está articulado com o discurso direto na remissão à mesma fala. Temos, nesse caso:

A.1.4) combinação entre o comentário com verbo interpretativo e discurso direto com verbo tido como neutro, num outro tipo de comentário – CO + RES. Esse foi o único caso de combinação entre CO + RES e discurso direto encontrado no corpus. Também não encontramos os tipos CO + NÃO, CO + CON e CO + RO numa combinação com discurso direto que envolvesse verbos tidos como neutros e verbos interpretativos.

Até o momento, tratamos particularmente da combinação entre um único comentário e um discurso direto, nesta ordem, formando um jogo duplo de combinações. Mas a ordem entre comentário e discurso direto pode se inverter nesse jogo duplo, formando a combinação discurso direto seguido de comentário.

A.2) Discurso Direto seguido de Comentário

Na terça-feira, a bancada do PT se reúne para definir seu posicionamento em três hipóteses. Além da candidatura própria, o partido pode apoiar Inocêncio Oliveira (PFL-PE) ou Aécio Neves (PSDB-MG) – os dois favoritos. Segundo Dirceu, a bancada petista prefere a idéia da candidatura própria.

‘Não vamos ficar em cima do muro nem vamos votar branco ou nulo’, afirmou Dirceu, que justifica um eventual apoio do PT a candidatos do PFL e do PSDB.

‘Não há nenhuma razão, político-partidária ou ideológica, para deixar de votar em um presidente de Poder Legislativo de qualquer partido, a não ser veto ético ou questões relacionadas à repressão, à época da ditadura militar, algo que nos leve a uma incompatibilidade histórica com o nome’ (Folha de S.Paulo, 3 de fevereiro de

2001, caderno Brasil, p. A5, grifos nossos).

Neste outro exemplo, o discurso direto aparece seguido de comentário. A fala citada em discurso direto é “Não vamos ficar em cima do muro nem vamos votar branco ou nulo”. Em discurso direto, a fala é citada como uma afirmação, já que é referida pelo verbo “afirmar”. Imediatamente depois, o CO + COT “que justifica um eventual apoio do PT a candidatos do

PFL e do PSDB” vem complementar a fala em discurso direto, acrescentando tratar-se de

uma justificativa. Afinal, temos um caso de afirmação, de justificativa ou de ambos? Também neste caso, parece-nos que os dois sentidos podem ser atribuídos à fala em questão.

O discurso direto e o comentário estão estruturados, nesse caso, com um verbo tido como neutro e com um verbo interpretativo – “afirmar” e “justificar” –, respectivamente. Mas há outras formas de verbo considerado neutro e verbo interpretativo articularem-se numa combinação na ordem discurso direto-comentário:

A delegação de dirigentes da comunidade judaica brasileira que foi a Israel há duas semanas para encontros com autoridades do país, com o objetivo de transmitir apoio ao processo de paz, voltou com a sensação de que o fim dos conflitos na região tenha se tornado uma possibilidade mais remota do que o usual.

‘Depois de ver os rostos dos jovens palestinos crispados de ódio, ficou mais difícil do que nunca acreditar no desejo de paz de muitos deles’, disse à Folha Henry

Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista, falando em nome

da Congregação Israelita Brasileira (Conib), presidida por Jack Terpins, que liderou a viagem.

Sobel destacou a dificuldade em torno da questão de Jerusalém, ‘não só a primeira mas a única cidade sagrada para os judeus’, enquanto para o Islã é a terceira (Folha de S.Paulo, idem, caderno Mundo, p. A9, grifos nossos).

A fala em discurso direto “Depois de ver os rostos dos jovens palestinos crispados de

ódio, ficou mais difícil do que nunca acreditar no desejo de paz de muitos deles” é

explicitada com o verbo “dizer” – verbo tido como neutro. Na seqüência, o CO + COT que se aplica à mesma fala em discurso direto, “falando em nome da Congregação Israelita

Brasileira (Conib), presidida por Jack Terpins, que liderou a viagem”, traz “falar” – “verbo-

comentário neutro”. Nesse caso, um verbo tido como neutro articula-se com outro verbo tido como neutro.

Portanto, as duas formas de articulação entre discurso direto e comentário, nessa ordem, considerada a mudança de posição de verbos “neutros” e interpretativos, podem ser do seguinte modo esquematizadas:

A.2.1) combinação entre discurso direto com verbo tido como neutro e comentário com verbo interpretativo;

A.2.2) combinação entre discurso direto com verbo tido como neutro e comentário com verbo tido como neutro. O comentário considerado é o CO + COT, o único tipo que apareceu nos exemplos recortados de discurso direto seguido de comentário. Cabe novamente salientar que a forma de articulação diferenciada entre verbos considerados neutros e verbos interpretativos colabora para diferentes atribuições de sentido às falas da notícia pelo leitor.

Encontramos as formas de citação comentário e discurso direto também num jogo triplo de combinações:

A.3) Comentário seguido de Discurso Direto seguido de Comentário

Técnico e jogadores palmeirenses, que, segundo o lateral-direito Daniel, passam por uma ‘pressão infernal’ quando jogam em casa, temem

outro tipo de martírio no interior paulista.

‘É muito difícil jogar no calor das 16 h com o horário de verão’, afirmou o lateral-esquerdo Rubens, resumindo a preocupação de atletas e comissão técnica.

Daniel, considerado traidor por já ter atuado no arqui-rival Corinthians e malhado pela torcida palmeirense, continua de fora, já que o técnico Marco Aurélio irá manter o esquema 3-5-2 (Folha de S.Paulo, 3 de

fevereiro de 2001, caderno Esporte, p. D2, grifos nossos).

No exemplo, a fala citada em discurso direto é “É muito difícil jogar no calor das 16 h

com o horário de verão”. O verbo que classifica diretamente essa fala é “afirmar” – verbo

tido como neutro. No entanto, percebemos que outros dois verbos utilizados em comentários distintos aplicam-se a essa mesma fala que já é remetida pelo verbo “afirmar” em discurso direto.

Os dois comentários aos quais nos referimos são “temem outro tipo de martírio no

interior paulista” (CO + COT) e “resumindo a preocupação de atletas e comissão técnica”

(CO + COT). O CO + COT “temem outro tipo de martírio no interior paulista” parece preparar terreno para (introduzir, anunciar) a fala que vem na seqüência em discurso direto. Enquanto isso, o CO + COT “resumindo a preocupação de atletas e comissão técnica” complementa a fala citada anteriormente em discurso direto. Não bastasse esse “jogo” de relações entre diferentes formas de citação, os verbos de opinião usados em cada uma dessas citações são também diferentes: “temer” (interpretativo), “afirmar” (“neutro”) e “resumir (a preocupação)” [interpretativo], nessa ordem, arranjados sob a forma de articulação. Diante de uma construção como esta, cabe perguntar qual o sentido da fala citada “É muito difícil jogar

no calor das 16 h com o horário de verão”. Trata-se de um temor, de uma afirmação, de uma

preocupação ou das três coisas? A nosso ver, quaisquer desses sentidos podem ser atribuídos à fala em questão.

O esquema de aparecimento de comentário e discurso direto num jogo triplo de combinação com verbos tidos como neutros e verbos interpretativos pode ser do seguinte modo demonstrado:

A.3.1) combinação entre comentário com verbo interpretativo, discurso direto com verbo tido como neutro e comentário com verbo interpretativo. Lembrando que, no caso do

comentário, referimo-nos apenas ao seu tipo CO + COT, único encontrado no corpus na

combinação comentário seguido de discurso direto seguido de comentário. Também não localizamos nenhum outro tipo de articulação entre verbos considerados neutros e verbos interpretativos nessa combinação tripla. Mas detectamos que essa combinação tripla entre

comentário e discurso direto pode se apresentar em outra ordem, com a repetição não mais do comentário, mas do discurso direto: comentário seguido de discurso direto seguido de

A.4) Comentário seguido de Discurso Direto seguido de Discurso Direto

Nenhuma foto da nave no chão foi divulgada. Apesar disso, o governo chinês

nega possíveis falhas. ‘Nada saiu errado’, disse Zhang Xiaodong, porta-voz do

Consórcio de Ciência Aeroespacial e Tecnologia da China. ‘A Shenzhou-2 já está

em Pequim, mas não sei nada dos detalhes da reentrada’, disse [Xiaodong]. A nave

decolou em 9 de janeiro e retornou uma semana depois, após completar 108 voltas em torno da Terra (Folha de S.Paulo, 3 de fevereiro de 2001, caderno Mundo, p. A12,

grifos nossos).

No exemplo, “nega possíveis falhas” é o comentário (CO + COT) que prepara (introduz, anuncia) as duas falas que aparecem a seguir, em discurso direto (“Nada saiu

errado” e “A Shenzhou-2 já está em Pequim, mas não sei nada dos detalhes da reentrada”),

creditadas à mesma fonte da informação – Zhang Xiaodong. Ambas as falas são classificadas com verbos tidos como neutros, apesar do uso anterior de um CO + COT com “verbo- comentário” interpretativo – “negar”. Os verbos “negar”, “dizer” e “dizer”, nesta ordem, estão relacionados por meio dos procedimentos de citação utilizados em seqüência pelo repórter.

Temos, aí, comentário e discurso direto num jogo também triplo de combinação