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CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

1.5 O livro didático de Língua Portuguesa e o ensino de gêneros textuais

1.5.1 O livro didático de Língua Portuguesa

Podemos dizer que o livro didático de língua portuguesa (LDLP) vem passando, ao longo dos anos, por inúmeros questionamentos sobre sua validade e utilização nas situações de ensino, bem como por diversas mudanças, influenciadas, principalmente, pelas discussões acadêmicas acerca da concepção de língua, ensino de língua e pelas exigências do PNLD.

A esse respeito, Albuquerque e Coutinho (2006) enfatizaram que, a partir dos anos 80 do século passado, o cenário pedagógico vivenciou um forte discurso contrário ao uso do LDLP, sob as alegações de que esses manuais apresentavam erros conceituais, reproduziam preconceitos e estereótipos, além de as propostas para o ensino da leitura, escrita e AL afastarem-se das mudanças teóricas sobre as quais o ensino de língua começava a enveredar. Entendido dessa forma, o LDLP tornara-se, assim, um objeto desnecessário na sala de aula ou até mesmo, como esclareceram Santos, Albuquerque e Mendonça (2007, p. 112), um instrumento prejudicial à promoção do ensino e aprendizagem de língua materna, conforme alguns estudiosos da área defendiam.

Todavia, o livro didático continuava a apresentar-se como um dos principais instrumentos utilizados pelo professor em sua prática docente. Partindo disso, surgiu a necessidade de modificá-lo, de forma a disponibilizar um material didático que contribuísse,

efetivamente, para a formação linguística dos educandos (SANTOS, ALBUQUERQUE, MENDONÇA, 2007).

É nesse contexto de críticas e de divergências entre os conteúdos apresentados nos livros didáticos e os abordados em propostas curriculares, entre outros fatores, que o MEC iniciou, em 1995, o desenvolvimento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com as características que tem hoje, objetivando submeter esses manuais a um criterioso trabalho de análise e avaliação, a partir do qual é publicado um guia (Guia de Livros Didáticos), que fornece uma descrição e análise acerca dos manuais avaliados, visando auxiliar e orientar os docentes na escolha desse recurso didático (ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006). Para que um livro didático de língua portuguesa seja recomendado pela avaliação do PNLD, é necessário que o mesmo atenda aos critérios especificados para cada eixo do ensino de língua portuguesa, que se baseiam, em muitos aspectos, nas discussões teóricas fomentadas, principalmente, a partir da década de 80 do século passado (ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006; SANTOS, ALBUQUERQUE, MENDONÇA, 2007). Em outras palavras, é critério de avaliação dos livros didáticos a adequação das propostas dos eixos da leitura, produção textual, linguagem oral e AL.

Com relação ao ensino da leitura, diversos autores (ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006; SANTOS; ALBUQUERQUE; MENDONÇA, 2007; BUNZEN, 2007) enfatizam a diversidade textual e o predomínio de textos autênticos como um dos princípios específicos do PNLD. Além desse princípio, o Guia do Livro Didático PNLD/2011 (BRASIL, 2010) destaca que, tendo as atividades de leitura o objetivo de desenvolver a proficiência leitora dos educandos, estas deverão considerar: a leitura como processo de interlocução; as convenções e os modos de ler, próprios de cada gênero; as estratégias de leitura relacionadas aos gêneros e ao nível de proficiência proposto.

Em se tratando do eixo da produção textual, observa-se o direcionamento de propostas que contemplem a diversidade de “práticas sociais de leitura e escrita que existem na escola e fora dela” (SANTOS; ALBUQUERQUE; MENDONÇA, 2007, p. 120). Tais propostas deverão basear-se numa concepção de escrita como prática social e situada, considerando a produção como processo, no qual devem ser asseguradas as etapas de planejamento, revisão e reescrita dos textos. Essas propostas deverão contemplar uma diversidade de gêneros pertinente aos objetivos de ensino, com estratégias voltadas para as particularidades do gênero e do nível de proficiência almejado.

Com relação ao eixo da AL, os critérios de avaliação do LDLP dos anos finais do ensino fundamental, de acordo com o Guia do Livro Didático PNLD/2011 (BRASIL, 2010), voltam-se para a reflexão do aluno acerca dos usos linguísticos, de forma a ampliar habilidades de leitura, escrita e oralidade. Assim, são critérios avaliativos do PNLD para esse eixo: a articulação entre os conhecimentos linguísticos, as situações de uso e as atividades de leitura, escrita e oralidade; o respeito às variedades regionais e sociais da língua e o estudo da norma linguística de prestígio social; o incentivo à reflexão linguística e a construção de conceitos, mediante as atividades de reflexão.

Se observarmos, podemos notar que nos critérios de análise do livro didático de língua portuguesa, estabelecidos pelo PNLD, pesa a importância de desenvolver um ensino articulado de leitura, produção e análise linguística, que possa considerar particularidades inerentes às situações interativas, isto é, com atividades voltadas para as especificidades dos gêneros textuais e sua relação com a atividade social.

Nesse sentido, entendemos que a avaliação de livros didáticos propicia ao professor um panorama dos livros didáticos submetidos à avaliação, de como estes tratam os eixos do ensino e o que é pertinente para um trabalho coerente com o que se defende hoje no ensino da linguagem.

Embora a avaliação realizada pelo PNLD tenha demonstrado mudanças nos livros didáticos, alguns pontos com relação a essas inovações necessitam de esclarecimentos, o que requer a realização de trabalhos de pesquisa que tomem como objeto de investigação o livro didático.

Silva, A., e Morais (2007, p. 128), por exemplo, apontam que algumas pesquisas indicam uma inovação e maior investimento nas propostas de leitura e de produção nos livros didáticos, não ocorrendo a mesma coisa em relação ao eixo da análise linguística.

Por outro lado, Santos, Albuquerque e Mendonça (2007) observam que a diversidade textual é um aspecto bastante observado nos atuais livros didáticos, mas que, apenas isso, não é suficiente para o desenvolvimento de habilidades discursivas, sendo necessário um tratamento sistemático e efetivo dessa diversidade: “abordar efetivamente os gêneros textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que os distingue uns do outros, isto é, as suas características” (SANTOS; MENDONÇA; CAVALCANTE, 2007).

Partindo da observação de que a AL constitui um objeto importante que precisa ser mais investigado e da importância de desenvolver um tratamento sistemático da diversidade

textual, a partir das especificidades dos gêneros textuais, acreditamos que um aspecto importante que deve ser analisado é se o ensino dos gêneros textuais, isto é, o estudo sistemático de suas propriedades, é tratado, efetivamente, como objeto de análise e reflexão nos livros didáticos.

Na pesquisa realizada por Lima (2010), por exemplo, observou-se que o livro didático trazia tanto atividades que promoviam a reflexão sobre os aspectos constituintes dos gêneros, como atividades que, na maioria das vezes, apenas forneciam informações/conceitos acerca dos gêneros textuais, o que indicava a necessidade de um maior investimento em propostas que contribuíssem para a análise e reflexão das propriedades estruturais, linguísticas e sociodiscursivas dos gêneros.

Já a pesquisa realizada por Silva, A., e Morais (2009), a partir da análise de três coleções de livros didáticos, indicou que as propriedades dos gêneros eram mais exploradas em atividades de análise/reflexão. Entretanto, os autores ressaltaram que, assim como na perspectiva de ensino tradicional de gramática, havia informações, conceitos demasiados sobre os gêneros, em vez da proposição de situações nas quais os alunos pudessem construir as próprias hipóteses e conclusões acerca das dimensões dos gêneros textuais.

Assim, os dois exemplos demonstram que, embora os livros didáticos já apresentem propostas que possibilitem a reflexão das dimensões dos gêneros, essas ainda necessitam de um maior investimento, de forma que os LD e suas atividades possam aproximar-se mais dos debates e perspectivas atuais para o ensino de língua. Nesse sentido, a produção de pesquisas acerca dos livros didáticos torna-se essencial, uma vez que, a partir destas, podemos perceber, por exemplo, se os manuais didáticos estão se apropriando das novas orientações para o ensino de língua e se favorecem a promoção de um ensino comprometido com a ampliação da competência discursiva dos educandos.

Apesar de não termos encontrado muitas pesquisas que tratem, especificamente, sobre o assunto, apresentaremos, no próximo item, alguns resultados de investigações que se aproximam, de alguma forma, de nosso objeto de estudo.