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CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

1.3 A perspectiva de ensino de língua materna a partir dos gêneros textuais

1.3.2 Os gêneros textuais como objetos de ensino de língua materna

Na perspectiva de língua como atividade sociointerativa, ganha relevância o estudo dos textos orais e escritos, com ênfase nas regularidades, nas normas e convenções que os constituem (ANTUNES, 2009), de forma que o objetivo para esse ensino volta-se para o desenvolvimento de habilidades comunicativas necessárias para uma boa atuação verbal na sociedade.

Nesse sentido, um trabalho que objetive ter como ponto de chegada a promoção da competência discursiva, deve, pois, ter como ponto de partida as situações em que a língua é utilizada: o contexto de produção de determinado ato de linguagem, as relações entre os interlocutores, os propósitos comunicativos de cada situação e, obviamente, a forma de gênero adequada a esses parâmetros, uma vez que estes estão intrínsecos à situação discursiva.

A esse respeito, Schneuwly e Dolz (2004) ressaltam que a aprendizagem e o domínio da produção de linguagem na escola deveria ser mediada pelo trabalho com os gêneros textuais. Tal afirmação nos leva a concordar que os gêneros constituem-se como instrumentos de “mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade” (p. 51).

Nesse contexto, acreditamos que o trabalho com a linguagem na escola precisa acontecer em torno dos gêneros textuais, o que requer propostas e intervenções didáticas consistentes e sistematizadas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; SANTOS, 2007; ANTUNES, 2009).

Vale ressaltar que adotar essa perspectiva de ensino implica, também, a consideração de que os gêneros são, por natureza, objetos culturais, os quais não podem ser reproduzidos tais quais se apresentam nas situações interativas. Dessa forma, ao transpô-los como objetos de ensino para o ambiente escolar, estes assumem uma função para além de sua natureza interativa, tornando-se também instrumentos sobre os quais ações didáticas são desenvolvidas, com o fim de conduzir a determinada aprendizagem.

Em outras palavras, na situação escolar, os gêneros assumem a particularidade de serem, ao mesmo tempo, ferramentas de interação social e objetos de ensino com ações didáticas planejadas e sistemáticas (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; SANTOS, 2007). Com relação ao exposto, Schneuwly e Dolz (2004, p. 75) afirmam que os gêneros, na situação escolar, podem ser considerados como “megainstrumentos”, os quais fornecem “um suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma referência para os aprendizes”.

De acordo com esses pesquisadores, a introdução dos gêneros na escola é sempre fruto de decisões didáticas, cujos objetivos referem-se ao domínio, compreensão e produção de textos com base no gênero, tanto na escola como em situações interativas reais.

Nesse sentido, o trabalho escolar com os gêneros textuais implica o desenvolvimento de estratégias didáticas que possam representar, da forma mais aproximada possível, as particularidades dos gêneros em suas práticas de referências: suas propriedades funcionais e estruturais, os propósitos bem definidos, as condições de produção, o suporte textual, aspectos multimodais, visando criar situações propícias para a comunicação. Todavia, Santos (2007) enfatiza que é preciso não perder o foco do trabalho com os gêneros, uma vez que nas situações de ensino, estes são dotados de objetivos didáticos específicos e, sendo assim, tais situações devem ser sistematizadas e controladas.

Assim, o trabalho com os gêneros deve, ao mesmo tempo, propor situações que se aproximem das práticas de referências e que façam sentido para os educandos, como também informá-los de que “estão inseridos numa dinâmica de ensino-aprendizagem dentro de uma instituição que tem por objetivo fazer-aprender” (SANTOS, 2007, p. 23).

Diante disso, assume grande relevância a preocupação em desenvolver propostas que objetivam orientar a realização do trabalho com os gêneros, de forma a contribuir para que o ensino de língua seja coerente e relevante com as práticas sociais, sem perder de vista a dimensão dos gêneros como objetos de ensino e aprendizagem.

Podemos dizer que a elaboração de documentos curriculares como os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio e a Base Curricular Comum de Pernambuco já apresentam essa preocupação, além de fundamentarem-se em estudos que apontam para a dimensão da linguagem como atividade interativa.

Nesse sentido, os PCN de Língua Portuguesa, por exemplo, já explicitam a ideia de que a apropriação e domínio da língua constitui forma privilegiada de participação dos indivíduos nas atividades sociais. Por essa razão, tal documento define a organização do ensino nos eixos do uso e da reflexão a partir dos textos orais e escritos pertencentes aos diversos gêneros que fazem parte do cotidiano das pessoas, isto é, elegem, como objetos, as formas reais de uso da língua, buscando orientar o ensino de língua para o desenvolvimento e a ampliação de competências discursivas relevantes para a participação social.

Convém salientar que o estudo dos gêneros textuais, associado ao campo do ensino de língua materna, constitui, na atualidade, um objeto de grande relevância entre pesquisadores (MARCUSCHI, 2002, 2008, 2011; ANTUNES, 2002, 2003, 2009; SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; SANTOS, 2007; BUNZEN, 2007; MENDONÇA, 2007a). Tais autores promovem discussões e propostas que visam orientar a realização de um trabalho efetivo, cujo foco seja a leitura e produção de textos, considerando as especificidades dos gêneros que circulam na sociedade.

Podemos relacionar como propostas que visam orientar esse ensino, conforme Santos (2007), o já citado PCN, que fornece orientações para a compreensão de aspectos relacionados ao texto, ao discurso e suas condições de produção, à articulação entre os eixos do uso e da reflexão linguística e à seleção dos diversos gêneros que devem constituir o programa de ensino.

Vale acrescentar que, embora os pesquisadores que se dedicam a estudar os gêneros no ensino de língua materna, nem sempre forneçam propostas, propriamente ditas, para esse trabalho, tais autores evidenciam uma série de características e contribuições que um trabalho focado nos gêneros textuais poderia favorecer.

Autores como Marcuschi (2002; 2008) e Antunes (2002; 2003; 2009) enfatizam que a proposta de ensino de língua com base nos gêneros textuais possibilitaria um trabalho pautado, de fato, nas formas reais de uso da língua, isto é, a língua que falamos e escrevemos no nosso cotidiano. Ambos os autores consideram que tal trabalho deve, pois, ter como núcleo a leitura, compreensão, produção textual e análise dos diversos gêneros que circulam na sociedade e dos quais fazemos uso.

De acordo com o exposto, entendemos que tal trabalho possibilitaria compreender as funções sociais da língua e seu caráter de variação, devido a parâmetros comunicativos e sociais, bem como o fenômeno de adequação dos gêneros aos contextos de produção e as diversas relações entre os interlocutores. Assim, entendemos que essa perspectiva de ensino possibilitaria o estudo de diversas questões relacionadas tanto ao material linguístico como aos aspectos discursivos e funcionais que envolvem as situações interativas.

Entre outras coisas, Antunes (2002; 2003; 2009) destaca que a partir do estudo dos gêneros textuais, seria possível: o estudo da forma composicional dos gêneros, os blocos, as sequências textuais que os compõem; a análise das especificidades dos domínios discursivos que propiciariam, além do reconhecimento de diversos gêneros específicos a essas esferas, o desenvolvimento de habilidades comunicativas, com relação à competência de argumentar, de expor, de relatar, etc.; a identificação de destinatários e seus papéis sociais; a escolha de unidades linguísticas adequadas aos critérios de produção dos gêneros, entre outros aspectos.

Tal proposta deve, pois, priorizar o contato e a análise de diferentes e diversos gêneros, visando à assimilação das regularidades da linguagem específicas a cada gênero textual (SANTOS, 2007; ANTUNES, 2009). Para tanto, faz-se necessário criar oportunidades “para o aluno construir, analisar, discutir, levantar hipóteses, a partir da leitura de diferentes gêneros de textos – única instância em que o aluno pode chegar a compreender como, de fato, a língua que ele fala funciona” (ANTUNES, 2003, p. 120).

Sendo assim, reiteramos a importância de um trabalho sistemático com os gêneros textuais, a partir de atividades que favoreçam a reflexão sobre as diferentes dimensões que os constituem. Nesse sentido, acreditamos que a prática de análise linguística poderia contribuir para esse ensino, razão pela qual discutiremos, na sequência, o ensino dos gêneros textuais a partir de atividades de análise linguística.