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CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

1.5 O livro didático de Língua Portuguesa e o ensino de gêneros textuais

1.5.2 O livro didático de Língua Portuguesa como objeto de investigação

Como dissemos anteriormente, os livros didáticos, a partir das discussões teóricas iniciadas na década de 80 do século passado e das avaliações do PNLD, vêm apresentando

diversas mudanças, razão pela qual, encontramos nos novos livros didáticos uma atenção maior para a diversidade de textos, de gêneros e de esferas de circulação, bem como uma maior preocupação com o ensino dos conhecimentos linguísticos, por exemplo.

Nesse sentido, a necessidade de compreender como os livros didáticos estão incorporando tais mudanças tem constituído um interesse crescente pelo desenvolvimento de pesquisas acerca de variados aspectos dos livros didáticos de língua portuguesa. A título de exemplo, podemos citar a preocupação com o ensino da argumentação (LEAL; BRANDÃO, 2007), da análise linguística (SILVA, J., 2008; SILVA, A.; MORAIS, 2009; APARÍCIO, 2009), dos gêneros textuais (BARROS; NASCIMENTO, 2007; LIMA, 2010) e, de forma mais específica, com a articulação da prática de AL aos eixos da leitura e produção de textos (COSTA-HÜBES, 2007; GULART, 2010).

Vale ressaltar que interessa-nos refletir, particularmente, sobre as pesquisas que tratam do ensino de AL e dos gêneros textuais, em especial de sua articulação. Dessa forma, discutiremos os resultados de algumas das pesquisas mencionadas, a fim de estabelecer um diálogo entre o que já foi pesquisado e o que pretendemos pesquisar.

O trabalho desenvolvido por Leal e Brandão (2007), por exemplo, trata, especificamente, de questões associadas à leitura de gêneros da ordem do argumentar nos livros didáticos de língua portuguesa. Nesse trabalho, as autoras buscaram analisar como são exploradas as estratégias de argumentação nas atividades de compreensão textual: se as atividades de compreensão nos livros didáticos estimulavam – e de que forma estimulavam – o desenvolvimento de habilidades argumentativas como a introdução, identificação e defesa de um ponto de vista, utilização de articuladores lógicos, entre outros aspectos inerentes à natureza dos gêneros argumentativos.

Para tanto, as autoras analisaram sete coleções didáticas do ensino fundamental, anos iniciais, recomendadas com distinção na avaliação do PNLD/2004. As autoras supracitadas encontraram treze tipos de questões, que foram agrupadas em três blocos: 1) análise de dimensões argumentativas dos textos, como a identificação de pontos de vista e de estratégias argumentativas; 2) construção de argumentos sobre valores, informações mobilizados no texto, como opinar sobre a relevância do tema tratado no texto; 3) construção de justificativas diversas, sem necessária abordagem do texto, como justificar preferências por um ou outro texto.

Partindo dessa categorização, a análise dos dados indicou um predomínio de questões voltadas para a “construção de justificativas”, com 148 atividades, as quais não implicavam, necessariamente, a leitura de textos, enquanto o bloco de questões referentes à análise de dimensões argumentativas presentes nos textos, foi o menos frequente, com apenas 84 atividades. Sendo assim, as autoras salientaram a necessidade de um maior investimento em atividades voltadas para o desenvolvimento de capacidades argumentativas, já que os resultados indicaram um investimento muito ínfimo dessas questões nas sete coleções analisadas.

Já a pesquisa realizada por Silva, A., e Morais (2009) tratou de questões relacionadas à prática de AL e, embora não tenha objetivado discutir a utilização de tal prática como ferramenta para o ensino dos gêneros, apresenta algumas indicações de como esse trabalho acontece nos livros didáticos. Nessa pesquisa, Morais e Silva, A., analisaram três coleções didáticas – anos iniciais do ensino fundamental –, aprovadas no PNLD 2007, as quais foram as mais solicitadas pelo estado de Pernambuco, investigando se o tratamento didático dado ao eixo da AL apresentava mudanças com relação ao ensino de gramática tradicional.

A análise dos dados partiu da categorização dos tipos de atividades utilizados no ensino de gramática/análise linguística em relação aos conteúdos de AL mais frequentes nas três coleções – produção, análise, identificação, conceituação, denominação, comparação e classificação. Os resultados obtidos indicaram que os conteúdos gramaticais considerados tradicionais, como o estudo da ortografia e das classes de palavras, dividiam espaço com novos conteúdos de AL, como as propriedades dos diversos gêneros textuais. Para os autores, esses dados parecem confirmar uma ampliação do eixo de AL nos novos livros didáticos, uma vez que, na tradição escolar, era comum, ao ensino desse eixo, apenas os conteúdos ligados à ortografia, morfologia e sintaxe.

Outra constatação a que os autores chegaram reside no fato de que as dimensões dos gêneros eram mais exploradas mediante atividades de análise/reflexão, enquanto que atividades de classificação e comparação eram quase ausentes para esse estudo. Não obstante, os autores salientaram que a comparação entre textos de um mesmo gênero ou de gêneros diferentes seria uma estratégia que possibilitaria aos educandos a tomada de consciência das diferentes propriedades dos gêneros textuais.

Embora os resultados indiquem uma ênfase nas atividades que visavam à exploração das propriedades dos gêneros, os autores alertam para o fato de que as coleções recorriam, de

forma geral e desnecessária, a textos produzidos com a finalidade de “ensinar” as dimensões dos gêneros, em vez de utilizar textos autênticos, transmitindo também, em algumas situações, informações demasiadas sobre os gêneros e sua estrutura, como acontecia comumente no ensino tradicional.

Dessa forma, os autores consideraram que o ensino de AL, nos livros didáticos de língua portuguesa, apresentava mudanças e permanências, com relação ao antigo ensino de gramática, o que parece indicar um período de transição entre uma perspectiva e outra.

Com relação ao ensino gramatical articulado ao ensino dos gêneros, Costa-Hübes (2007) desenvolveu uma pesquisa cujo objetivo foi o de analisar o tratamento didático- metodológico dado aos gêneros textuais e como a gramática era trabalhada em relação aos gêneros, em dois livros didáticos de língua portuguesa para os anos iniciais do ensino fundamental, aprovados também no PNLD/2007.

Nessa pesquisa, a autora percebeu que, em um dos livros, o tratamento dispensado aos gêneros apresentava imprecisões teóricas, uma vez que ora o livro, para se referir ao gênero, falava apenas em texto e ora privilegiava a denominação “tipo textual” para designar gêneros como a carta e o bilhete, por exemplo. Quanto aos conhecimentos linguísticos, a autora salientou que, muito embora o manual do professor propusesse um ensino reflexivo, o tratamento dado a este eixo era o da gramática tradicional, a partir de atividades sem nenhuma ligação com o gênero a ser estudado, tratando, assim, os conhecimentos linguísticos desvinculados de suas relações de sentido com o gênero de texto em determinada situação interativa.

Com relação ao segundo livro analisado, a autora salientou que o tratamento dos gêneros era mais específico, visto que a função social do gênero era apresentada, mesmo que de forma, muitas vezes, superficial, conforme afirmou a autora. Entretanto, as atividades com os conhecimentos linguísticos também aconteciam de forma desarticulada com os gêneros, utilizando-se, na maioria das vezes, de textos como pretexto para ensino de regras gramaticais que não apresentavam nenhuma relação com os gêneros em estudo.

Dessa forma, a autora concluiu que, embora as discussões do campo da linguagem atentassem para a consideração dos gêneros e dos conhecimentos linguísticos atrelados a esses, muitos livros didáticos, como os analisados por esta autora, ainda não conseguiam favorecer propostas que viabilizassem a articulação entre os gêneros e os conhecimentos mobilizados para a sua produção.

Tais resultados parecem apontar para a necessidade de se discutir acerca de propostas nos manuais didáticos que objetivem articular o ensino dos gêneros textuais, mediante as atividades de leitura, produção e de reflexão sobre os gêneros, ao eixo da AL, uma vez que acreditamos que essa articulação pode viabilizar melhores resultados no desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. Assim, entendemos que a relação – gêneros e AL – deveria constituir um aspecto bastante analisado nos livros didáticos, a fim de perceber se tal relação visa a promover um conhecimento efetivo sobre os gêneros e suas funções sociais e, por extensão, se o livro favorece a ampliação da competência discursiva dos educandos.

Nesse sentido, podemos dizer que a pesquisa realizada por Lima (2010) nos oferece algumas informações de como essa relação vem sendo tratada nos livros didáticos. Cumpre salientar que, como objetivo de pesquisa, a autora, ora citada, pretendeu investigar as orientações dirigidas ao ensino dos gêneros textuais na Base Curricular Comum de Pernambuco e em um livro didático de língua portuguesa para os anos iniciais do ensino fundamental, aprovado pelo PNLD/2007, visando, assim, perceber relações de proximidade e distanciamento entre os dois documentos. Como nosso interesse reside na análise de livros didáticos, discutiremos, apenas, os resultados obtidos com relação ao tratamento didático dispensado aos gêneros no livro didático analisado por essa autora.

Ao analisar o livro didático mais adotado pelo estado de Pernambuco em 2007, esta autora identificou três tipos de propostas para o ensino dos gêneros: 1) propostas que apenas apresentavam conceitos ou propriedades dos gêneros, sem propor reflexão sobre esses aspectos; 2) propostas de reflexão a partir da identificação ou análise de propriedades dos gêneros; 3) propostas mais sistemáticas de estudo das dimensões dos gêneros, aproximando- os de situações reais de uso da língua.

Assim, a autora constatou que conviviam, no livro analisado, tanto propostas que não favoreciam a reflexão dos aspectos composicionais, estilísticos e sociodiscursivos dos gêneros, nem dos efeitos de sentido produzidos nos textos, como propostas – essas em menor número – que contemplavam tais dimensões em situações de uso, direcionando a produção textual com vistas ao cumprimento de diferentes finalidades comunicativas.

Nesse sentido, tal livro incorporava variadas propostas de ensino dos gêneros: umas mais reflexivas, com ênfase nas propriedades dos gêneros e na articulação destes ao eixo da AL e outras que, de forma transmissiva e sem espaço para a reflexão, não viabilizavam a

compreensão dos fenômenos linguísticos nos diversos gêneros textuais que fazem parte do cotidiano e da comunicação verbal das pessoas.

Dessa forma, as pesquisas até aqui discutidas parecem indicar que não há, ainda, um grande investimento nessas questões. Vale ressaltar que esse entendimento parece remeter ao que concluiu Gulart (2010) em pesquisa realizada sobre a prática de AL em um livro didático dirigido ao Ensino Médio, volume único, PNLD/2009.

De forma semelhante ao que propomos investigar, essa pesquisadora buscou analisar se a AL era contemplada no LDLP do Ensino Médio como ferramenta para a compreensão textual, observando as particularidades formais e discursivas dos gêneros em que os textos das atividades de compreensão eram construídos. Nesse sentido, a investigação pautou-se nas estratégias de análise linguística que poderiam ser utilizadas pelos docentes para a reflexão dos fenômenos linguísticos, levando-se em consideração os aspectos concernentes à construção dos gêneros: contexto sócio-histórico, construção composicional do gênero, estilo verbal e conteúdo temático.

Nesse sentido, a categorização dos dados baseou-se, em primeiro lugar, na identificação das atividades que poderiam articular a prática de análise linguística aos gêneros textuais. Em seguida, a autora fez a associação dos conhecimentos linguísticos trabalhados nas atividades identificadas aos aspectos constituintes dos gêneros. Partindo disso, encontrou apenas seis propostas de compreensão que poderiam estabelecer um diálogo entre os fenômenos linguísticos abordados nas atividades de compreensão e os aspectos constituintes dos gêneros: conteúdo temático, forma composicional, estilo e o contexto sócio histórico no qual o texto se insere.

Isso posto, acreditamos que a pesquisa realizada também indica a falta de propostas que relacionem AL e gêneros textuais. Conforme afirma a autora, os resultados

indicaram que, se a prática de AL ainda engatinha nas salas de aula, sua conexão com os gêneros é ainda mais tímida nas atividades do LD, mas pode ser realizada enfocando diferentes dimensões dos gêneros que se desdobram em manifestações concretas da língua, pois as escolhas linguísticas também fazem parte de uma unidade de sentido (GULART, 2010, p. 5).

Os resultados dessas pesquisas têm demonstrado, de um lado, alguns avanços no tratamento da AL, principalmente das questões relativas aos gêneros, objeto de nosso estudo: diversidade de gêneros textuais; exploração de propriedades dos gêneros partindo de

propostas mais reflexivas, com a tentativa de articular o conhecimento linguístico aos gêneros e às situações de interação social, entre outras.

Por outro lado, ainda há alguns percalços que precisam ser superados na exploração da diversidade textual, que acontece efetivamente na abordagem daquilo que têm de específico nos gêneros – suas propriedades (SANTOS; MENDONÇA; CAVALCANTE, 2007). Assim, de acordo com as pesquisas: falta investimento em propostas reflexivas que viabilizem o desenvolvimento de capacidades argumentativas, por exemplo; falta uma clareza maior na integração entre AL e gêneros textuais, uma vez que muitas propostas, como as pesquisas indicaram, ainda não conseguem articular os gêneros aos conhecimentos mobilizados para a sua construção; ao lado de propostas reflexivas, convivem, ainda, propostas transmissivas que apenas expõem conceitos/informações demasiadas sobre os gêneros, sem mobilizar ou possibilitar a construção de outros conhecimentos.

Além disso, que gêneros estão sendo abordados nos livros atuais? Que dimensões estão sendo contempladas na exploração dos gêneros? Quais são privilegiadas? Quais os tipos de atividades que estão sendo utilizadas para o ensino dessas dimensões? Em suma, as atividades de AL presentes em livros didáticos podem contribuir para a apropriação dos gêneros?

Destarte, acreditamos que a produção de pesquisas sobre a relação entre análise linguística e o ensino dos gêneros textuais nos livros didáticos ainda parece ser muito tímida, necessitando, pois, de mais pesquisas que contribuam para a explicitação de como os livros didáticos se propõem a trabalhar os aspectos citados.