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Capítulo 2 Delineamento e discussão sobre o referencial teórico: a leitura da deficiência a partir de uma perspectiva histórico-crítica

2.2 Diferença e deficiência

Estabelecida a relação entre o processo histórico-social e a construção da condição da individualidade, marcada pelo desvio, anormalidade ou estigma, os trabalhos de Lígia Assumpção Amaral e Sadao Omote empenham-se na investigação de questões relativas à deficiência e diferença, e suas implicações na construção do descrédito e desumanização da pessoa portadora de deficiência.

A abertura deste momento da discussão sobre o referencial teórico se estrutura, a partir da constatação de Omote (1994) de que o estudo da deficiência precisa ser feito no bojo da compreensão das diferenças individuais. Afirma que as diferenças entre as pessoas têm sido objeto de estudo da Psicologia, em momentos e de formas diversas. As diferenças incomuns, bizarras e inesperadas sempre foram alvo de atenção, despertando temor e desconfiança. Ressalta que há uma necessidade de serem encaradas como objeto de pesquisa, bem como as formas com que as pessoas lidam com certas diferenças, que podem trazer compreensão dos modos de funcionamento da própria pessoa.

Omote (1994) reconhece que as diferenças entre as pessoas são infindáveis, porém não são todas que interessam à Psicologia, e sim aquelas que, numa determinada circunstância e num determinado grupo, se evidenciam pela significação, ainda que esta não seja endossada por todos. Algumas diferenças se destacam e podem ser descritas e

significadas prontamente, enquanto outras se destacam pela singularidade e não familiaridade. Uma tendência comum, diante da diferença, é sua classificação em categorias distintas, que podem ser estudadas por diferentes áreas do conhecimento. Para tanto explica que:

Assim, são criadas terminologias especiais com referência a essa categoria e profissionalizam-se alguns conjuntos de atividades dirigidas aos membros dessas categorias. Nessa medida, uma categoria pode destacar-se como sendo, até, inteiramente a parte da categoria de pessoas convencionais da sociedade. (p. 66)

Torna-se então inegável que o estudo da deficiência tem suas peculiaridades na Psicologia e, desta forma, o autor desacredita da abordagem em que o deficiente é enquadrado como uma categoria diferenciada de pessoa, por não ser suficiente para a compreensão do funcionamento da mesma. Desta forma, propõe que o estudo da deficiência se dê no bojo da compreensão das diferenças individuais; somada a essa idéia, considera que a deficiência, do ponto de vista psicológico, não é uma diferença qualquer e tem necessariamente uma significação de descrédito social e de desvantagem.

Argumenta que, a partir do momento em que as diferenças se destacam e lhe são atribuídas significações de desvantagem e descrédito, não podem mais ser vistas como simples variações de características das pessoas. Portanto é imprescindível uma linguagem de relação e não de atributos para se compreender a deficiência. Não obstante, a mesma deficiência pode ter um sentido de vantagem ou desvantagem, dependendo de quem é o portador ou as pessoas que estão ao seu redor, envolvendo assim fatores circunstanciais. A deficiência, para Omote (1994), precisa ser compreendida como uma questão primeiramente política, depois lógica ou científica. Deve-se evitar, conseqüentemente, a concepção da deficiência como uma simples qualidade presente ou não no organismo, ou no comportamento das pessoas, porque a escolha de um critério ou padrão depende das forças sociais prevalentes no grupo social ou organização, em que a deficiência adquire um significado particular e constitui um importante problema. Na medida em que a abordagem centra-se nas características dos indivíduos, a tendência é de obscurecimento ou camuflagem do aspecto político, tornando difícil a análise da construção social da deficiência, que não pode ser reduzida a uma

qualidade presente no comportamento ou organismo da pessoa. É preciso, segundo o autor, incluir as reações das pessoas perante a diferença, que pode ou não ser definida como deficiente ou não-deficiente, pois é preciso considerar a interpretação da deficiência fundamentada ou não nas crenças científicas.

Ressalta que a abordagem da deficiência deve suportar ambigüidades, a serem tratadas como inerentes ao próprio objeto de estudo, ao invés de serem ignoradas ou camufladas,com a adoção de teorias mecanicistas.

Significa que a deficiência não é algo que emerge com o nascimento de alguém ou com a enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida por um grupo social na medida em que interpreta e trata como desvantagens certas diferenças apresentadas por determinadas pessoas. (p. 68)

Decorrente das considerações acima, Omote (1994) propõe que as categorias criadas, para administrar o conhecimento acerca das deficiências, devem ser alvo de investigação39. As categorias tradicionais são: deficientes mentais, deficientes visuais, deficientes auditivos e deficientes físicos; os outros nomes empregados são sinônimos ou subcategorias centradas no indivíduo, e definem rigorosamente as fronteiras entre essas categorias, de forma que são vistas como qualitativamente distintas umas das outras. Sobre a conceituação de deficiência, Omote (1996) explica que a mesma tem ocorrido de diversas maneiras, porém duas tendências podem ser identificadas como predominantes:

a) A deficiência como um atributo inerente ao deficiente, como algo que caracteriza seu organismo e comportamento. Tanto a definição da American Association on Mental Retardation como da American Foundation for the Blind caracterizam a deficiência como algo que está na pessoa.

b) A delimitação do objeto de conceituação, baseada em áreas supostamente específicas de comprometimento. Tem como implicação um modo específico de lidar com cada deficiência. São criados nomes e categorias, com o intuito de especificar diferentes tipos de deficiência; os profissionais e serviços se tornam

39 Com o intuito de discutir a relação entre as concepções de deficiência mental, e as atitudes frente aos

portadores dessa condição, MENDES, E.G. desenvolveu trabalho intitulado Deficiência Mental: a

construção científica de um conceito e a realidade educacional, como tese de Doutorado, no Instituto de

especializados, assim como as nomenclaturas. Pode ser verificada nas mais diferentes produções relacionadas à deficiência, como os manuais, as associações, os serviços e programas de atendimento, a formação e atuação do profissional da Educação Especial.

Explica que a abordagem centrada no indivíduo está fortemente enraizada à idéia de que apenas os deficientes devem se beneficiar de atendimentos especiais, porque se supõe que a deficiência está no indivíduo. Desconsideram-se os sentimentos e as dificuldades dos pais de crianças especiais, os irmãos, os profissionais... Outra repercussão dessa abordagem, segundo Omote (1996), refere-se à prescrição de serviços especiais, orientada pela categoria de classificação e não pelas necessidades especiais de cada criança, independente da natureza das limitações ou da patologia de que é portadora. Por conseguinte, a prescrição dos serviços é categorial, o que pode destacar ou exacerbar as possíveis semelhanças, assim como minimizar ou negar as diferenças existentes entre as pessoas colocadas sob uma mesma categoria. Desta forma, cria-se a ilusão da homogeneidade entre os membros pertencentes a uma mesma categoria, assim como de heterogeneidade entre eles e membros de qualquer outra categoria. O autor também destaca que, como conseqüência, as práticas institucionalizadas de cuidados com o deficiente são profundamente influenciadas pelas concepções que localizam no indivíduo a deficiência, e se propõem a diferenciar a pessoa de acordo com a categoria específica da deficiência na qual é enquadrada. Enfatiza que o foco no indivíduo deficiente dificilmente pode produzir um estudo da deficiência, pois se restringe à patologia de seu portador.

Para Omote (1996), as concepções sociais, opostas às centradas no indivíduo, enfatizam o que chama de audiência, pois é a reação que vai determinar se um indivíduo identificado será ou não tratado como deficiente. A deficiência passa a ser compreendida a partir de um contexto temporal, espacial e social determinado, sendo preciso especificar os critérios pelos quais é identificado o deficiente, pois a audiência é parte integrante e crítica do fenômeno da deficiência. No referencial das concepções sociais, é dada importância para noções de auto-conceito, auto-imagem e auto-estima do deficiente, como elementos importantes a serem trabalhados. O autor preocupa-se em

deixar claro que a abordagem centrada no indivíduo é bastante limitante em termos de compreensão da deficiência em si e de suas repercussões, tanto de ordem social como individual.

Tendo como referência essa discussão, e com o intuito de delimitar alguns aspectos sobre a conceituação de qualquer deficiência, Omote (1996) sugere que se deve levar em conta fenômenos de natureza: Anátomo-fisiológica : lesões, malformações, disfunções entre outras; Somato-psicológica : manifestações psicológicas resultantes de alterações constitucionais e; Psicossocial : autopercepção, identidade pessoal, autoconceito.

* Reações das audiências de outros significativos e das agências de controle.

Argumenta que as relações interpessoais e sociais, entre os deficientes e suas audiências, são elementos importantes para a construção e legitimação da deficiência imputada à pessoa identificada como deficiente. Com base em Verbrugge e Jette (1994)40, Omote (1994) incrementa sua análise ao afirmar que a deficiência é uma lacuna

entre a capacidade da pessoa fazer determinada atividade e a demanda da própria atividade. Segundo o autor:

Para se compreender o que é a deficiência, não basta olhar para aquele que é considerado deficiente, buscando no seu organismo ou no comportamento atributos ou propriedades que possam ser identificados como sendo a própria deficiência ou algum correlato dela. Precisa olhar para o contexto no qual, com o seu sistema de crenças e valores e com a dinâmica própria de negociação, alguém é identificado como deficiente. (p. 133)

Ressalta, a partir dessas idéias, que o contexto em que o indivíduo está inserido condiciona o modo de tratamento da pessoa deficiente e por esse é condicionado. Sendo assim, na presente pesquisa, a compreensão da subjetivação da condição de deficiente mental é um processo bastante complexo que envolve a terminologia e definição utilizada, o contexto social em que está inserido o indivíduo... Desta forma não é possível desconsiderar que toda a complexidade envolvida repercute na própria compreensão do indivíduo de si mesmo e da deficiência.

Com o intuito de auxiliar na organização e compreensão de algumas idéias colocadas anteriormente, serão sustentados, na presente pesquisa, os pressupostos

colocados por Amaral (1995). A discussão da autora, na maioria de seus escritos, é centrada na deficiência física, porém a pertinência de suas idéias extrapola o seu foco, podendo assim estar presente neste trabalho, cujo foco é a deficiência mental.

Para a autora, é preciso ter como princípio a preocupação em entender o indivíduo e a sociedade como algo indissolúvel, para se evitar, desta forma, a vitimização e a coisificação do deficiente, bem como a sua discriminação social, a qual precisa ser compreendida como um problema da sociedade que o estigmatiza e separa, e, ao mesmo tempo, do próprio indivíduo, que nela está inserido. Portanto, a concepção de sociedade como histórica, constituída de sujeitos concretos, permite que o deficiente seja compreendido como produto e produtor da história; o processo histórico, no qual se insere o quadro segregatório da deficiência, não será transformado pela informação, porém é ela que pode ampliar as bases para a reflexão crítica. A autora ressalta que o desconhecimento não esta aqui referido somente às questões de cunho informativo, no sentido cognitivo e racional, mas também ao desconhecimento das reações emocionais geradas pela presença da deficiência no universo afetivo de cada pessoa envolvida.

Amaral (1995) enfatiza que a Psicologia é importante colaboradora nas discussões que envolvem a temática da deficiência, por possuir um ferramental de entendimento tanto no nível individual como no psicossocial. Ressaltamos, neste momento, que a autora coaduna com Omote (1994) que os estudos acerca da deficiência estão divididos em dois grandes grupos de concepções, que são as descritivas, por enfatizarem o conhecimento de fatores intrínsecos ao fenômeno da deficiência; e as valorativas, que buscam problematizar fatores extrínsecos a ela, como interpretação e julgamento. A autora, com o intuito de propiciar melhor diferenciação, exemplifica que ter orelhas de abano é diferente de ser surdo, ter os pés chatos é diferente de ser paraplégico.

Há que separar para possibilitar a compreensão. Mas para diferenciar e separar há que conhecer o “divisor de águas” entre o normal e o anormal, entre o desvio e o não-desvio, entre o “legítimo” e o “ilegítimo”... (p. 26)

Em seus estudos, Amaral (1995) explicita que a condição de desviante pode ser estabelecida, tendo como referencial três ordens de critério: Estatístico - O indicativo da média, da moda estatística é o mais usual entre os critérios, para se demarcar o desvio. Exemplo: idade, sexo, raça, comportamento; Anatômico/funcional - Envolve a

integridade da forma e a competência para o exercício de funções. Exemplo: automóvel sem portas e sem motor, ser humano sem braços; Tipo ideal - Refere-se à aproximação (semelhança) ou ao afastamento (distinção) entre o analisado e o referencial ideal, resultando no pertencimento ou no desvio.

Esse mapeamento inicial serve para localizar a questão do desvio e deficiência, sendo que a autora explicita a contribuição de Gilberto Velho como base para afirmar que desviar o foco para a sociedade não resolve o problema.

Assim sendo, embora seja legítimo pensar que a distinção dos diferentes níveis: biológico, psicológico, social e/ou cultural facilite a construção de um conhecimento analítico sistematizado, simultaneamente é preciso não ignorar que uma “ação social” desenvolve-se nos três níveis, ao mesmo tempo e no mesmo espaço. (p. 29)

Amaral (1995) deixa claro que não se trata de negar a especificidade de cada um dos fenômenos, mas sim de reafirmar sua importância, e de não perder de vista o caráter de inter-relacionamento complexo e permanente. Explica que a abordagem mais comum da questão do desvio, do indivíduo desviante é a médica, a patológica, que tenta distinguir e separar os indivíduos através dos ‘sãos’ e dos ‘não-sãos’. Além disso, a autora lembra que a doença, no nosso contexto sócio-cultural, é codificada como uma anormalidade, algo que determina a inferioridade, sempre tendo como referência a média da população e, desse modo, raramente é encarada como diversidade.

A dificuldade de delimitação da normalidade é explicitada pela idéia de que “entre o tipicamente normal e o claramente patológico existe uma zona cinzenta de condições semi-normais.”41 Amaral (1995) enfatiza que definir a normalidade é bastante

complicado nos sistemas físicos, e mais ainda nos sistemas biológicos. Há uma tendência, nas ciências que estudam os seres vivos, de, cada vez mais, sublinhar a individualidade, tornando o conceito mais dinâmico e flexível, diferentemente de tempos anteriores; como conseqüência, as distinções entre normal e patológico se sofisticam cada vez mais.

A autora recorre a Canguilhem (2002), também citado anteriormente, para discutir a etimologia da palavra normal, e esclarece que norma significa esquadro, aquilo

41 Frase retirada do livro; A doença, de Giovanni Berlinguer (HUCITEC/CEBES, 1998), nas páginas 59 e 60,

que não pende nem para a direita e nem para a esquerda, o que possibilita a compreensão em dois sentidos:

Normal como aquilo que é como deve ser; e o normal como aquilo que se encontra na maior parte dos casos de uma espécie determinada ou que constituía média ou o módulo de uma característica mensurável.(p. 31)

A partir da referência desse conceito, sustenta que há um grande equívoco, porque o termo designa simultaneamente um fato e um valor, ou seja, um julgamento daquele que fala do fato. Segundo Amaral (1995), é na vida cotidiana, com base no conhecimento de senso-comum, que há maior força de julgamento, e transformação do normal biológico num conceito de valor. Baseada em Georges Canguilhem, expõe que a diversidade não é doença, que anormal não é patológico; não obstante reconhece haver a possibilidade de uma analogia entre o tema deficiência e doença, que pode revelar situações coincidentes, mas que não o são, necessariamente, além de que, a classificação das doenças é feita de acordo com o modelo médico.

Para substanciar seus argumentos, Amaral (1995) recorre ao autor, Dr. Berliguer (1988), que afirma de forma cabal ser uma arbitrariedade fazer coincidir anormalidade e patologia (com sua carga de preconceitos), pois, se existe uma normalidade, a ela está ligada uma normalidade social, com sua avaliação ética e moral dos comportamentos; avaliação essa que, além de mesclar critérios objetivos e subjetivos, é sempre dependente do contexto. Ressalta que, para ele, nas sociedades desenvolvidas, as interações e reações entre as instituições são mais intensas, sendo que a característica social mais marcante das pessoas é a de ser pobre e marginal, favorecendo, assim, a maior probabilidade de que essas pessoas sejam definidas como anormais. Acrescenta que existe também uma tendência acentuada na sociedade atual, extremamente competitiva e tecnificada, de multiplicar as barreiras seletivas, procurando justificá-las com uma capa de cientificidade, ao invés de procurar maior integração, e de reduzir as condições patogênicas.

Para a autora, é importante não negar a existência de uma dada alteração corporal, de uma deficiência; pondera, porém, que essa concretude não corresponde à totalidade do fenômeno, pois não é possível julgar o patológico e o normal só pelo biológico, assim como excluí-lo. O primordial é que, embora a diferença se constitua

sobre bases biológicas ou psicológicas, ao se revestir de um juízo de valor social, certamente trará conseqüências na vida cotidiana. Esse valor social, diferente em cada sociedade, e de acordo com determinadas características daquele momento histórico, elege um determinado número de atributos que configuram como deve ser seu homem ideal, nos seus vários aspectos, a saber, intelectual, moral e comportamental. Essas atribuições tornam-se uma referência uniforme para todos, embora haja sutis diferenças entre os distintos grupos, classes ou categorias. (Amaral, 1995, apud Rodrigues 1983)42.

Desta maneira, Amaral (1995) propõe que a noção de desvio seja pensada com inovação; não mais como patologia, seja benéfica ou maléfica, mas como expressão da diversidade da natureza e da condição humana, independente do critério funcional utilizado, sem que deixe de ser preocupante a distinção entre denominação e conceito de cada termo.

Explicita em seus escritos que há uma dificuldade muito grande com relação à denominação e conceituação, pois a referência do Código Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde (OMS), está na língua inglesa, o que, nas suas pesquisas, revelou-se com múltiplas possibilidades de tradução, em diferentes publicações na língua portuguesa. Após análise das diferentes publicações, Amaral (1995) optou pela seguinte tradução:

Impairment como Deficiência.

Definição: Deficiências são relativas a toda alteração do corpo ou aparência física, de um órgão ou de uma função, qualquer que seja sua causa; em princípio significam perturbações em nível de órgão. (p. 63).

Disability como Incapacidade.

Definição: Incapacidades refletem as conseqüências das deficiências em termos de desempenho e atividade funcional do indivíduo; as incapacidades representam perturbações ao nível da própria pessoa.(p. 63 e 64)

Handicap como Desvantagem. Definição: Desvantagens dizem respeito aos prejuízos que o indivíduo experimenta devido à sua deficiência e incapacidade; refletem, pois a adaptação do indivíduo e a interação dele com o meio. (p. 64)

Na presente discussão, sobre a subjetivação da condição de deficiente mental, interessa saber como se efetiva a organização desses conceitos e seu encadeamento.

Amaral (1995) explicita que, por meio de um acidente, doença ou perturbação, uma situação intrínseca, existem alterações manifestas (exteriorizadas) que podem ser percebidas por uma anomalia na estrutura ou aparência, no funcionamento de um órgão ou sistema, causando deficiências que serão percebidas na capacidade de realização (incapacidade objetivada), podendo levar o indivíduo à situação de prejuízo, portanto, desvantagem percebida pelas outras pessoas que o cercam. Ressalva que não é um simples encadeamento linear, é um fenômeno complexo; em outras palavras, pode-se afirmar que deficiência é dano, incapacidade é restrição na execução, e desvantagem é um conceito relativo, que envolve outras pessoas.

Outros dois conceitos importantes, conforme a autora, são deficiência primária e deficiência secundária. A deficiência primária engloba deficiência e a incapacidade. “Trata-se, portanto de um elemento ou fenômeno que engloba os fatores intrínsecos, as limitações em si”. (p. 68). A deficiência secundária está ligada ao conceito de desvantagem, bem como ao de invalidez. Incidem sobre ela os fatores extrínsecos, ou seja, não é inerente, mas está relacionada com a leitura social que dela é feita, envolvendo significações afetivas, emocionais, intelectuais e sociais que o grupo atribui a dada diferença. Nesta discussão, importante esclarecimento é feito pela autora: a conceituação objetiva e universal só é possível para a deficiência primária, sendo a secundária passível de leituras específicas, conforme o espaço e o tempo. As limitações ligadas à deficiência primária por si só não impedem realmente o desenvolvimento e a vida plena, considerando-se apenas forma e ritmo específicos; ao contrário, a deficiência secundária pode impedir o desenvolvimento da vida plena, e aprisionar as pessoas numa rede que poucas vezes tem a ver com a própria deficiência, rede essa constituída e