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Ouvindo as marcas da exclusão escolar a partir da ótica do indivíduo com deficiência mental

Nesta última parte das contribuições acadêmico-científicas, as pesquisas apresentadas se preocuparam em discutir a exclusão escolar33, a partir da perspectiva

do indivíduo com deficiência mental. A proposta de ruptura com uma visão de dependência, imaturidade e “eterna criança” do indivíduo com deficiência é o critério norteador da seleção; portanto são pesquisas respaldadas pela e na compreensão de que a perspectiva da exclusão pode ser tratada pelos próprios indivíduos com deficiências, relatando, analisando, interpretando aspectos da própria vida. Desta forma, os trabalhos selecionados são:

Título Autor Publicação Ano

Somos iguais a você - Depoimentos de mulheres com deficiência mental

GLAT, R. Livro 1989

Crianças de classe especial - efeitos do encontro da saúde com a educação

MACHADO, A.M. Dissertação de Mestrado

1994 Classe Especial: o olhar de seus usuários e

usuárias SANTOS, L.M. DENARI, F. Artigo da Revista Brasileira de Educação Especial 2001

Fica evidente que há um número inferior de pesquisas que se dedicam a compreender a perspectiva dos excluídos na condição de deficientes mentais, se comparamos com os momentos anteriores. Não é nosso intuito discutir os motivos dessa discrepância, mas esse pode ser um dado para justificar a relevância da presente pesquisa.

33 A discussão da exclusão escolar a partir da ótica dos alunos excluídos é uma temática que se estrutura,

nos anos de 1980, com as pesquisas pioneiras da Fundação Carlos Chagas. Para maiores informações, consultar: FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS - O ensino obrigatório e as crianças fora da escola: um estudo

da população de 7 a 14 anos excluída da escola na cidade de São Paulo. São Paulo, Departamento de

Pesquisas Educacionais/Fundação Carlos Chagas, 1981. FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS - O ensino

obrigatório e as crianças fora da escola: reavaliação do problema pela população de dois bairros da cidade de São Paulo. São Paulo, Departamento de Pesquisa Educacionais/Fundação Carlos Chagas, 1984.

FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS - A exclusão da escola de 1º grau: a perspectiva dos excluídos. São Paulo, Departamento de Pesquisas Educacionais/Fundação Carlos Chagas, 1986.

Sem o intuito de esgotar as referências, outros trabalhos que merecem destaque:

PATTO, M.H.S. A produção do fracasso escolar - histórias de submissão e rebeldia. São Paulo, T.A.Queiroz, 1990.

CRUZ, S.H.V. Representações de escola em crianças da classe trabalhadora. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia – USP, 1987.

Iniciaremos pela pesquisa de Glat (1988), desenvolvida com o intuito de ouvir o que as portadoras de deficiência mental tinham a dizer sobre si mesmas, e, por meio de relatos de sua vida cotidiana, tentar apreender o significado do estigma da deficiência mental. A premissa da pesquisa é que o indivíduo é percebido e tratado, dentro de determinado grupo, de acordo com as características correlatas à sua condição social, pois é condição inerente à pertença social o compartilhar valores; sendo assim, a rotulação de um indivíduo como portador de determinado estigma faz com que sua personalidade se desenvolva em conformidade ao papel que lhe é atribuído.

Nessa pesquisa, foram sujeitos 35 mulheres, entre 13 e 60 anos, diagnosticadas como portadoras de deficiência mental, alunas regulares de três instituições especializadas. Os dados foram coletados por meio de 35 entrevistas, na própria instituição, em sala separada, com 3 entrevistadas, que contavam suas histórias, uma de cada vez. No prefácio, a Profa Dra Monique Augras (Fundação Getúlio Vargas) revela a compreensão de que a pesquisa não tem o propósito da negação da diferença, ao contrário, busca resgatar a plena dimensão humana de pessoas que costumam ser vistas sob o prisma exclusivo da incapacidade.

Verificou-se que os temas abordados nas entrevistas foram o dia-dia em casa e na instituição, a família, os amigos e namorados, dificuldades que sentem no relacionamento social e sua integração na vida da comunidade, bem como os problemas físicos e de aprendizagem. As questões consideradas relevantes variavam de acordo com o sujeito, bem como a descrição de situações e seus significados; porém todas partilhavam da mesma situação de excepcionalidade, ou seja, pessoas classificadas como deficientes mentais.

Glat (1989) salienta que mulheres de diferentes idades freqüentavam o mesmo programa, sem que fossem consideradas as diferentes necessidades de uma adolescente de 15 anos e de uma mulher de 35 ou 50 anos, revelando, assim, que a idade cronológica dessas pessoas portadoras de deficiência mental não era levada em consideração; por conseguinte, eram tratadas de maneira infantilizada pelos familiares, profissionais e entre elas mesmas. Verificou-se, também, que não há uma diferença de estilo de vida em função da idade, a saber, nenhuma era casada e, somente uma, a mais velha, morava

sozinha, porque os pais haviam falecido. A autora afirma que, como conseqüência dessa não diferenciação, era difícil determinar, tanto pelo conteúdo como pela linguagem, a idade de quem estava falando. A pesquisa, segundo Glat (1989), trouxe contribuições que romperam com o mito de que todas as pessoas com deficiência mental formam um grupo homogêneo e qualitativamente diferente do resto da população, o que não exclui o reconhecimento de que, em alguns momentos, havia consonância entre os relatos, sendo, porém, as histórias únicas, pessoais e originais.

Por outro lado, o trabalho de Machado (1994) possibilita uma reflexão consistente sobre os alunos de classe especial para deficientes mentais leves. Para a autora, a criança, ao ser encaminhada para esse tipo de atendimento especial, passa por um processo de descaracterização em que não há o reconhecimento de sua história pessoal e de sua individualidade. Explicita que considera a classe especial como um lugar de aprisionamento de desejos, por conseguinte seu objetivo é, justamente, movimentar com as próprias crianças o sentido e o significado de ser um aluno de classe especial.

Relata que, para os alunos, estar na classe especial era natural, naquele momento, a ponto de não saberem o motivo de terem sido encaminhados para ela, o que permite afirmar, segundo a autora, que é uma situação marcada pelo ‘não pensar sobre’, bem como reconhecer que os alunos, aprisionados na condição de especial, permaneciam cristalizados, não só na escola, mas em outras instâncias da vida. Durante a pesquisa percebeu que o processo de questionamento da situação somente seria possível a partir da constatação inicial de que a única movimentação dos alunos, naquela situação, era a da loucura e o medo acoplado a essa condição, tendo em vista que os mesmos se portavam de forma indiferente em relação aos problemas de seus amigos de sala. Os questionamentos com as crianças sobre a própria condição de especial possibilitou a emergência de multiplicidade, em que histórias pessoais, seja de trajetória escolar ou familiar, foram recuperadas, com o auxílio da família e da professora, pois se encontravam encobertas e esquecidas na classe especial. Ao finalizar, Machado (1994) afirma que a classe especial é um espaço de aprisionamento, por oferecer pouca movimentação de desejos, de comunicabilidade com o ensino comum. Ressalta que a marca de ter sido especial nas crianças é forte o suficiente, pois a individualidade lhes é

negada, de forma que são alunos especiais e diferentes, sem nada que os remeta à autenticidade, mas que os confunde com a loucura; a ruptura da naturalização envolveu o reconhecimento e a consideração de que, no bojo da condição de aluno especial, há uma história de vida que pertence a um sujeito.

Uma outra pesquisa sobre a exclusão, a partir da ótica do aluno da classe especial para deficiente mental e de seus familiares, foi desenvolvida por Santos e Denari (2001), na cidade de Manaus, com o intuito compreender a realidade da classe especial, por meio de depoimentos de seus alunos, a partir de suas vivências e percepções. Participaram da pesquisa 15 alunos de 1ª série especial, de uma escola regular, com história de fracasso na classe comum, e seus respectivos pais, sendo que as informações foram coletadas por meio de entrevistas e observações em sala de aula.

Nas entrevistas com os alunos, segundo as autoras, ficou evidente que a deficiência mental é algo indesejável, e sempre vem acompanhada de sofrimento, desconforto, embaraço e preconceito, o que possibilitou afirmar que freqüentar a classe especial implicava no reconhecimento da deficiência mental. Nos depoimentos dos pais, ficou evidente o desconhecimento dos objetivos dessa modalidade de atendimento educacional, o que, para as autoras, pode ser atribuído, num primeiro momento, a uma carência de informações prestadas aos usuários, bem como à comunicação insuficiente entre profissionais da área da Educação Especial.34

Contraditoriamente, os alunos entrevistados descrevem a classe especial como um espaço favorecedor de aprendizagem, privilegiado pelos seus recursos didáticos e pelo número de alunos reduzidos; não obstante, preferem estudar na classe comum. Para as autoras, uma das possibilidades de compreensão dessa contradição é o reconhecimento de que os pesos do rótulo e do estigma são marcantes, tanto na vida social, como na vida escolar dos alunos. Santos e Denari (2001) finalizam, afirmando que consideram necessária uma mudança de posicionamento frente à forma com que os alunos compreendem sua trajetória escolar marcada pelo fracasso, e também uma reflexão

34 Denari (1994) apontou que, em algumas situações, os profissionais da Educação Especial se limitavam, em

muitos casos à informação verbal do encaminhamento do aluno para a classe especial, sem nenhuma interação entre os profissionais envolvidos.

sobre como vem se efetivando esse serviço, seus resultados e suas conseqüências para a carreira social e profissional dos usuários.

Apresentadas as contribuições das pesquisas que buscam compreender a situação de exclusão a partir dos próprios excluídos, assim como as produções acadêmico- científicas que discutem a questão da deficiência a partir de múltiplos olhares, e que servem de embasamento para a presente pesquisa, torna-se necessário discutir o referencial teórico, a partir de uma perspectiva crítica a respeito da deficiência, seja por uma visão histórica, cultural, materialista (histórica), ou dialética. Desta forma, no próximo capítulo será delineado o referencial teórico que dará suporte à análise dos achados da presente pesquisa, no intuito de compreender o processo de escolarização e de subjetivação da pessoa com deficiência mental leve, bem como sua produção, a partir da perspectiva dos egressos das classes especiais para deficientes mentais leves.

Capítulo 2 - Delineamento e discussão sobre o referencial teórico: a