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PARTE 2 – À VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO SOCIAL

2.1. ORIGENS DO ESTADO SOCIAL

Como visto, o Estado de direito surge no esplendor do liberalismo, em reação ao absolutismo. A infraestrutura econômica e social dos séculos XVIII e XIX, onde se forjou a conceção de Estado de direito, no entanto, logo foi alvo de revoluções, tensionando essa superestrutura jurídica, que passou a “testar” novos modelos estatais, como o Estado fascista, o Estado ético, o Estado nacional-socialista, o Estado soviético, o Estado socialista e suas respetivas variantes, como antíteses ao capitalismo e ao Estado liberal decorrente.243

Como bem observa Jorge Reis Novais, porém, todos esses modelos tinham como característica afetar, direta ou indiretamente, devido à sua radicalidade, a subsistência não apenas do Estado liberal, mas também do próprio Estado de direito. Suas experiências fracassadas demonstraram a importância dos princípios decorrentes do Estado de direito na manutenção da estabilidade das instituições políticas e sociais. Por outro lado, os pilares do Estado liberal, assentado na ideia central de separação Estado-sociedade, verificaram-se falhos em propiciar a manutenção de um equilíbrio econômico e social, nos moldes da “mão invisível” a que se referia Adam Smith244.

Mais uma vez em uma perspectiva dialética, a contradição entre Estado liberal (tese) e Estados anti-capitalistas (antitese) resolve-se na busca de uma forma nova, que carregue os elementos de ambos. Surge, assim, o Estado social.245

243 Sobre esses modelos, cf. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria..., cit., p. 130 et seq. 244 Segundo o economista Adam Smith, num mercado sob condições ideais, a interação dos

indivíduos com seus interesses privados levaria a um equilíbrio econômico. O indivíduo, perseguindo seu próprio objetivo, acaba, de maneira inconsciente, atingindo os objetivos da sociedade. É esse resultado não tencionado pelo indivíduo de que resulta um equilíbrio de forças que Smith chama de "mão invisível". A mesma ideia pode ser transposta para a forma como o liberalismo defendia o equilíbrio de forças sociais, havendo uma "mão invisível" a estabelecer a justiça social. Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. v. I. introd. E. Cannan. trad. L. J. Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 438.

245 Como explica Sérgio Resende de Barros, o Estado social e o Estado liberal se converterão um no

outro, na medida em que se transformem um ao outro no terceiro em que serão um só: o Estado democrático de direito. (...) Um é tese, o outro é antítese e, pela própria força da contradição, ambos tendem a evoluir para sua síntese. BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética..., cit., p. 261 (itálico no original).

Costuma-se fixar o marco inicial do Estado social nas Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, notabilizadas pela incorporação, em seus textos, de disposições que assegurariam, direta ou indiretamente, a interferência do Estado na sociedade, com a finalidade de promover maior justiça social, inclusive com a prestação direta de serviços aos cidadãos.

Essa ideia comum leva, muitas vezes, a acreditar que os direitos sociais apenas apareceram com essas constituições, inexistindo a contemplação constitucional de direitos dessa natureza nas constituições liberais. Jorge Reis Novais, porém, demonstra com exemplos que essa visão absolutista do Estado liberal, como um Estado que nada intervinha na sociedade, bem como que só há que se falar em direitos sociais a partir das citadas constituições, não é verdadeira.246

Tal associação, contudo, deve-se à causa efetiva que nelas resultou: a primeira guerra mundial. O mesmo autor, citando Harold Laski, identifica duas razões pelas quais o Estado liberal se tornou inviável no pós- guerra: "a possibilidade de continuar a produzir lucros que garantissem um fundo permanente de excedente social de riqueza e um consenso das forças intervenientes na vida política em torno das questões fundamentais".247

Além desses dois fatores que exigiam a revisitação dos postulados liberais, a guerra per si exigia uma intervenção do Estado nas diversas esferas da vida privada, especialmente, em muitos casos, pela necessidade de reconstrução e de estímulo à recuperação econômica e social, destruídas ou afetadas sensivelmente pelos conflitos.

Assim, a necessidade de reestruturação desses diversos setores não compatíveis com o ideário do Estado liberal resulta na adoção de um modelo capaz de absorver essa demanda histórica - o Estado social.

Outros termos e formas estatais representaram, de algum modo, essa socialização do Estado no século XX, como “Estado assistencial”,

246 Entre os exemplos, o autor cita os precedentes de assistência social na Grâ-Bretanha, a política

social da monarquia alemã sob a égide de Bismark, as próprias previsões de obrigações positivas do Estado contidas nas Declarações de Direitos da Revolução Francesa. Cf. NOVAIS, Jorge Reis.

Contributo para uma teoria..., cit., p. 181 et seq.

“Estado- Providência”, “Estado de bem-estar social”, entre outros.248 Tais variantes,

porém, enquanto igualmente busquem a aproximação entre Estado e sociedade, não apresentam a mesma dimensão que o Estado social. Pode-se dizer que o Estado social agrega esses diferentes conceitos, acrescentando, porém, como elemento essencial e distintivo, o efetivo controle democrático do Estado pela sociedade.249

A “estadualização da sociedade” e “socialização do Estado”, como precisamente se refere Jorge Reis Novais, marcada pela necessidade de negação do Estado liberal, com maior intervencionismo do Estado na Economia e busca do bem-estar dos indivíduos e da própria sociedade vai apresentar as seguintes características: a) intervenção estatal na economia e outros ambientes privados; b) busca do bem-estar; c) institucionalização dos partidos e grupos privados de interesse; d) reconhecimento constitucional dos direitos sociais.250

No mesmo sentido, Jorge Miranda explica o Estado social a partir de como devem suportadas as despesas para a satisfação das necessidades coletivas. No Estado mínimo, tais despesas deveriam ser suportadas pelos privados; no Estado marxista, pelo Estado; e, no Estado social, este

assume os custos de satisfação de necessidades básicas, embora não os das demais necessidades a não ser na medida do indispensável para assegurar aos que não possam pagar as prestações os mesmos direitos a que têm acesso aqueles que as podem pagar. 251

248 Para explicação dos matizes de cada uma dessas terminologias, a distinção entre elas e o termo

“Estado social”, bem como mais exemplos, cf. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria..., cit., p. 187-8.

249 Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria..., cit., p. 191 et seq. 250 Cf. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria..., cit., p. 191 et seq.

251 Cf. MIRANDA, Jorge. Os novos paradigmas do Estado social. Texto da conferência proferida em 28

de Setembro de 2011, em Belo Horizonte, no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores de Estado. Disponível em: <http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1116-2433.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017.

2.2. O CONCEITO DE ESTADO SOCIAL E SUA PRETENSA NORMATIVIDADE A