Capítulo II R EVISÃO DA L ITERATURA
2.1.2 A abordagem hedónica: O bem‐estar subjectivo
2.1.2.4 Perspectivas de investigação e principais resultados empíricos
2.1.2.4.4 Dinâmica psicológica e experiências emocionais
No modelo de SWB, as experiências emocionais são representadas pela avaliação que as pessoas fazem dos acontecimentos que ocorrem nas suas vidas, experiências essas que podem ser relativas à vida em geral ou a situações e a acontecimentos específicos (Oishi & Diener, 2001). As designações de afecto, emoção e humor são utilizadas com uma conotação similar em diferentes estudos, mas é mais comum a utilização do termo afecto no sentido lato, integrando a um nível inferior as emoções e o humor (Novo, 2003). Um dos principais paradoxos na investigação do domínio emocional reporta‐se à denotação de independência entre a dimensão positiva e negativa das emoções constatada por Bradburn (1969). Isto é, quando mensuradas de forma separada, os afectos positivos e negativos revelaram uma variação independente e estabelecem um padrão de relações próprias com outras variáveis. Tal conjuntura veio contrariar a delimitação empírica estabelecida naquela altura, em que o afecto era conceptualizado como uma simples dimensão hedónica, englobando uma dimensão positiva e negativa definidas e medidas enquanto factores opostos de natureza bipolar. No entanto, após este estudo, outras investigações tem vindo a contrariar esta condição, sustentando‐se em afirmar e indicar um conjunto de lacunas e limites metodológicos existentes no trabalho onde surge a escala de equilíbrio afectivo.
Os estudos de Diener e Emmons (1984) e Diener et al. (1985b) procuraram reconciliar esta inconsistência entre as dimensões afectivas, ao adicionarem duas dimensões à estrutura afectiva: a intensidade e a frequência. Principalmente o estudo de Diener et al. (1985b) forneceu suporte empírico para a noção de que a intensidade é uma componente importante e viável da experiência afectiva e que ocorre de modo independente da frequência de emoções. Deste modo, e com base na dicotomia anterior podem‐se categorizar diferentes tipos de pessoas quanto à frequência e intensidade dos níveis de felicidade: indivíduos com níveis elevados de frequência e intensidade tendem a sentirem‐se exuberantes e alegres; pessoas com níveis elevados de frequência e baixos de intensidade exibem sentimentos de contentamento e serenidade; por outro lado, o inverso da proposição antecedente indicia emoções negativas que podem originar depressão; por fim, baixos níveis de frequência e intensidade emotiva conduzem a um estado “sereno” de infelicidade (mild
unhappiness). Um outro resultado obtido a partir deste estudo foi o de que apesar das dimensões
positiva e negativa evidenciarem valores correlacionais baixos e negativos, esta relação tendeu a aumentar a sua polaridade quando o factor intensidade foi removido da análise estatística, originando coeficientes de correlação entre ‐0.46 e ‐0.86. Deste modo, “…these values indicate that
the personality dimension of affective intensity plays a large role in producing the typically low correlation across persons between positive and negative affect. Clearly, they are not independent when the influence of emotional intensity is taken out” (p. 1261).
Posteriormente, Larsen, Diener e Emmons (1986) procuram determinar a natureza da organização estrutural do construto intensidade afectiva (affect intensity). Inicialmente, uma amostra de 62 indivíduos registou um conjunto de eventos que posteriormente foram categorizados de acordo com uma dimensão hedónica (bom/mau). Estas descrições de eventos de vida, permitiram numa fase seguinte, dividir uma amostra de 187 pessoas em grupos de valores elevados e baixos de intensidade afectiva. Esta demarcação permitiu constatar que os indivíduos do primeiro grupo referiram de modo consistente, maiores e mais intensas respostas afectivas, independentemente do estímulo serem eventos de vida (reais) ou descrições estandardizadas de acontecimentos (hipotéticos). Perante este enquadramento, os autores assumiram que a intensidade afectiva deve ser considerada como uma dimensão referente a uma diferença individual estável, em que num extremo situam‐se pessoas que reagem emocionalmente de modo intenso e variável e noutro extremo, de forma calma e com variações mínimas.
Mais recentemente, verificou‐se uma preocupação em definir a natureza temporal da intensidade afectiva, pelo que Schimmack e Diener (1997) chegaram à conclusão que esta é melhor conceptualizada como uma disposição para reagir a acontecimentos indiciadores de emoções (traço), do que como uma experiência afectiva em situações sem objectivos orientadores (estado). Grosso modo, a orientação que foi aconselhada para os estudos empíricos neste domínio é a de que, independentemente dos dois tipos de afectos poderem ser considerados numa dimensão compósita de equilíbrio afectivo ou de felicidade global, a investigação não deve ignorar a informação obtida a partir de cada um dos tipos de experiências emocionais (Diener, 2000; Diener & Lucas, 2000; Diener et al., 1999; Fredrickson, 2001; Novo, 2003). Outra das dimensões de estudo inerentes à dinâmica psicológica tem‐se cingido à definição da importância dos objectivos de vida e dos esforços desenvolvidos nesses objectivos (goal strivings). Assumindo‐se como uma alternativa ao estudo dos traços de personalidade, estes esforços para atingir determinados objectivos caracterizam‐se por perspectivas ideográficas e nomotéticas e definem‐se por motivos pessoais, não necessariamente relacionados a aspectos comportamentais (Emmons, 1986, 1992). Este empenhamento/dedicação na consecução de objectivos de vida evidencia uma associação moderada com o bem‐estar subjectivo, em que diferentes componentes dos goal‐strivings correlacionam com a felicidade e satisfação com a vida (Emmons, 1986). Este domínio de pesquisa tem ainda incluído a investigação do efeito dos recursos (pessoais, sociais e materiais) que permitem a um indivíduo concretizar a satisfação das suas necessidades individuais e seus objectivos. Dados empíricos demonstraram que os recursos de um indivíduo (principalmente os de natureza social e pessoal) predisseram moderadamente o bem‐estar subjectivo, sendo este resultado mais relevante quando sustentado numa análise ideográfica (Diener & Fujita, 1995). Assim, os recursos que mais influenciam a felicidade e a satisfação com a vida dependem dos objectivos de vida e o empenho dispendido para a concretização/sucesso destes mesmos.
Na medida em que os goal‐strivings também podem ser considerados como aspectos motivacionais de auto‐representação, Emmons e King (1989) constataram que os indivíduos com níveis mais elevados de reactividade afectiva (intensidade e variabilidade dos estados de humor) possuem um sistema de empenho/motivação mais diferenciado, embora definam menos planos/objectivos para conseguirem atingir os seus propósitos. Assim e como formulam menos modos de concretização e utilizam menor número de recursos, possuem menor probabilidade de
fracasso dos seus objectivos. Relativamente à relação entre este factor psicológico e o bem‐estar a nível físico e psicológico, os coeficientes de associação não evidenciaram a direcção esperada para o bem‐estar “psicológico”, constatando‐se que os indivíduos com mais goal‐strivings revelaram maiores níveis de stress psicológico, menor satisfação com a vida e menor número de doenças do foro físico (Emmons, 1992). Contudo, tal parece dever‐se ao conflito e ambivalência na formulação e consecução de objectivos, em que o esforço dispendido num propósito/fim pode interferir com outros objectivos, originando uma insatisfação perante o fracasso resultante (Emmons & King, 1988). Outro efeito estudado foi a influência causal (ou não) da atractividade física (physical
attractiveness) no bem‐estar subjectivo. A atractividade física está bem documentada enquanto
determinante da forma como um indivíduo é percebido e tratado nas suas relações sociais e pessoais. Esta influência estende‐se para além do apelo estético óbvio da beleza física, possuindo, no entanto, alguma complementaridade conceptual com a satisfação corporal. Apoiados nos dados de três estudos com jovens universitários, Diener et al. (1995c) constataram existir uma pequena relação entre a atractividade física e o SWB (variação de coeficientes de correlação entre 0.03 e 0.33), concluindo que as pessoas felizes tendem melhorar mais sistematicamente a sua aparência, na medida em que se percepcionam como mais atraentes do que os indivíduos com níveis inferiores de bem‐estar subjectivo.
Uma das dimensões psicológicas à qual muitas das vezes foi atribuída uma conotação conceptual similar ao bem‐estar subjectivo, é o optimismo. Contudo, estudos de análise discriminante verificaram uma divergência conceptual e empírica entre estas duas formas de avaliação da vida, tendo o optimismo revelado evidência empírica discriminante das componentes satisfação com a vida, afecto positivo e negativo (Lucas et al., 1996). Há que considerar, no entanto, que o optimismo “sobrepõe‐se” conceptualmente a conceitos como o lócus de controlo e a percepção de auto‐eficácia (Carver & Scheier, 2003).
Tal como Reivich e Gillham (2003) e Scheier, Carver e Bridges (2000) referiram, existem dois modos de operacionalizar o optimismo: um modo directo ou disposicional, em que as pessoas definem as suas expectativas de modo optimista ou pessimista; e, uma abordagem indirecta, em que os indivíduos avaliam anteriores eventos com base no seu estilo atribucional (lócus de controlo). A um nível de análise situacional e temporal, os indivíduos optimistas crêem que as situações prévias mal sucedidas devem‐se às suas atitudes e possuem expectativas positivas quanto ao futuro, pelo
que esta tendência geral de expectativas de consequências favoráveis da vida auxilia na persistência em tarefas desenvolvimentistas (Lucas et al., 1996; Schneider, 2001). Por outro lado, os indivíduos pessimistas tendem a atribuir o insucesso a causas de ordem extrínseca, percepcionando níveis superiores de distress psicológico (Peterson & Chang, 2002; Scheier et al., 2000). Assim, o optimismo associa‐se positivamente ao afecto positivo e negativamente ao afecto negativo (Lucas et al., 1996; Scheier et al., 2000), pelo que perante situações difíceis/adversidades da vida, os optimistas tendem a lidar satisfatoriamente (auto‐regulação) com essas contrariedades através de processos de resiliência (Schneider, 2001). Em suma, as pessoas optimistas diferem‐se das pessimistas no que diz respeito ao SWB percepcionado em eventos adversos (Carver & Scheier, 2003; Peterson & Chang, 2002; Schneider, 2001).
Daukantaite e Bergman (2005) efectuaram um estudo longitudinal com 248 mulheres, em que a medição inicial ocorreu em 1968, tendo a amostra 13 anos, sendo posteriormente avaliada em 1998 (à idade de 43 anos). Constatando que a maioria das relações entre o optimismo e o SWB são suportadas por resultados provenientes de estudos de natureza transversal, estes autores analisaram a relação longitudinal da relação entre estes dois construtos utilizando para tal procedimentos de modelação por equações estruturais. Os resultados obtidos indicaram que o optimismo mensurado aos 13 anos (avaliado com base nas atitudes/expectativas perante o futuro) correlacionou‐se significativamente com o bem‐estar subjectivo da amostra aos 43 anos. Mais ainda, o modelo empírico que evidenciou melhores níveis de adequação, foi aquele em que o optimismo na adolescência influenciou o optimismo na idade adulta, o que por sua vez permitiu predizer positivamente a satisfação com a vida, quer directamente, quer pelo, efeito mediador do afecto negativo. Contudo, a magnitude do coeficiente de associação foi superior para a relação entre o optimismo e o afecto positivo, sugerindo que as expectativas realistas em relação ao futuro tendem a ser acompanhadas por pensamentos positivos e agradáveis.
Os estudos que analisaram somente o lócus de controlo e a felicidade, corroboraram, em parte, os resultados apresentados anteriormente, indicando que quando as pessoas crêem que as situações de vida são determinadas pelas acções/comportamentos sobre as quais exercem controlo (i.e., atribuição causal intrínseca) revelam níveis mais elevados de afecto positivo e menores níveis de afecto negativo (Cheng & Furnham, 2003; Klonowicz, 2001). Mais ainda, o estilo atribucional parece influenciar moderadamente (cerca de 18% da variância) os níveis de felicidade (Cheng & Furnham,
2003), sendo a relação entre o lócus de controlo e a dimensão cognitiva do bem‐estar subjectivo (satisfação com a vida) mediada pela dimensão afectiva do SWB, pelo que os indivíduos com um lócus de controlo intrínseco percepcionam mais afecto positivo e satisfação com a vida (Klonowicz, 2001).
Para além do mencionado anteriormente, embora o modelo de SWB tenha como um dos seus pilares de investigação a dimensão afectivo‐emocional, têm existido outras vertentes de estudo centradas na determinação de traços de personalidade que sustentam a promoção do bem‐estar subjectivo ou que, surjam associados a este através de relações causais predictoras (quer como factores de influência, quer como consequências).