Capítulo II R EVISÃO DA L ITERATURA
2.2 A DOLESCÊNCIA E BEM ‐ ESTAR
2.2.6 Satisfação com a escola
Um dos domínios de vida dos adolescentes que não deve ser descurado na investigação centrada no bem‐estar durante este período de vida, é a escola (Gilman et al., 2000; Huebner, 1991; Joronen, 2005; Matos & Carvalhosa, 2001). O contexto escolar ao nível psicossocial, foi primordialmente estudado numa perspectiva de melhoria do rendimento académico, embora também aufira uma grande importância para o estudo da saúde dos adolescentes. Aqueles que gostam da escola que frequentam, têm maior probabilidade de se sentirem melhor com eles próprios e revelarem níveis mais elevados de bem‐estar subjectivo (Huebner & McCullough, 2000; Natvig et al., 2003). Assim, o estudo do contexto escolar e seus efeitos na saúde e bem‐estar dos adolescentes, quer na escola quer na sua vida no geral, é de crucial importância na medida em que estes passam 6 a 8 horas por dia nestes estabelecimentos (Samdal, Dür & Freeman, 2004; Sprinthall & Collins, 2003). Mais ainda e se considerarmos aquelas que têm sido as orientações políticas educacionais actuais, constatamos que este período tem vindo a ser ligeiramente aumentado através do apoio/incentivo à proliferação de um conjunto de actividades de complemento curricular ou extracurricular.
Da revisão de variáveis (demográficas, personalidade e stress escolar) que predizem a satisfação escolar, Karatzias, Power, Flemming, Lennan e Swanson (2002) desenvolveram um modelo em que a combinação dos factores anteriores explicou uma grande proporção da variância (56%) desta dimensão avaliativa. Este modelo que evidenciou significância estatística (F(21,403)=14.20, p<0.001), demonstrou que factores escolares individuais, as raparigas ao invés dos rapazes e os
alunos em anos de escolaridade inferiores tendem a experienciar níveis mais elevados de satisfação escolar, quando mediados por níveis elevados de auto‐estima e afectividade positiva e por baixos níveis de stress escolar e afectividade negativa. Relativamente ao tipo de variáveis analisadas, os autores constataram que o maior predictor demográfico foi a idade/ano de escolaridade, explicando cerca de 7.3% da variância da satisfação escolar. As experiências de stress no contexto escolar assumiram um maior poder explicador que a variável anterior, centrando‐se nos 16.9% da proporção de variância da qualidade de vida escolar. Das variáveis de personalidade mensuradas, a auto‐estima evidenciou o maior valor preditivo (28.5%) seguido da afectividade positiva (24.7%).
Acrescendo ao estudo anterior, outras variáveis que emergem como associadas a uma maior
satisfação com a escola, são as percepções de auto‐eficácia geral e académica, a par de um maior suporte social por parte dos professores (Natvig et al., 2003). Além disto, o grupo de amigos tende a influenciar o ajustamento à escola, sendo este caracterizado por um envolvimento positivo nas actividades da sala de aula, pela ausência de comportamentos problemáticos e disruptivos e por um melhor rendimento escolar. A investigação de Berndt e Keefe (1995) obteve validade empírica para esta assumpção, na medida em que se constatou existir uma relação linear entre as atitudes disruptivas dos alunos e dos seus amigos, além de que, aqueles que descreveram a amizade como bastante positiva e importante, também se percepcionaram como mais envolvidos nas actividades escolares e mais satisfeitos com o contexto escolar. Deste modo, o grupo de colegas pode afectar as atitudes e comportamentos associados à saúde através da influência e reforço sobre as normas e valores, estabelecendo assim uma certa identidade social e cultural, e providenciando modelos de comportamento. Ser aceite pelos colegas e estes gostarem do adolescente em causa, é crucial para o seu desenvolvimento, pelo que aqueles que não são socialmente aceites e integrados num grupo de pares, tendem a exibir mais facilmente dificuldades/problemas ao nível da saúde física e emocional, podendo originar um certo isolamento caracterizado por elevados níveis de solidão e tristeza (Helsen et al., 2000; Neto, 1992; Settertobulte & Matos, 2004).
Por sua vez, Rask et al. (2002b) examinaram a relação entre o bem‐estar subjectivo, os estilos de vida saudáveis e a satisfação escolar numa amostra de 245 alunos do ensino secundário finlandês (idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos). A partir das análises correlacionais, os autores verificaram que uma maior satisfação escolar associou‐se a uma atitude positiva para com a vida, à auto‐estima, ao prazer de vida, à ausência de estados depressivos, a menores problemas com os pais, amigos e instituição escolar, a menos doenças e queixas sintomáticas e a níveis mais elevados de bem‐estar emocional. Assim e apesar de estes resultados não esclarecerem acerca da direcção causal das influências, permitem‐nos perceber a importância multidimensional deste construto no bem‐ estar dos adolescentes.
Por fim e perante esta súmula de estudos, apresentamos a caracterização de algumas das situações inerentes à satisfação escolar, presentes nos relatórios HBSC 1997‐1998 (Currie et al., 2000) e HBSC 2001‐2002 (Samdal et al., 2004), sendo estas agrupadas no seguinte quadro.
Quadro 2: Distribuição (%) por idade/sexo de situações inerentes à satisfação escolar (HBSC 1997‐1998 e 2001‐2002)
Idade 11 anos 13 anos 15 anos
Sexo ♀ ♂ ♀ ♂ ♀ ♂ HBSC 1997‐1998 . % de adolescentes que gostam muito da escola 65 49 39 24 35 23 . % de adolescentes com óptimo rendimento escolar 10 11 7 5 4 5 . % de adolescentes que consideram os amigos simpáticos 86 87 87 88 89 90 . % de adolescentes que se consideram pressionados pelo trabalho escolar 3 5 2 6 2 7 HBSC 2001‐2002 . % de adolescentes que gostam muito da escola 58.4 38.9 30.2 19.5 19.2 20.3 . % de adolescentes com bom rendimento escolar 55.2 52.7 45.3 49.1 36.1 44.8 . % de adolescentes que consideram os amigos simpáticos 83.0 82.6 77.8 82.2 77.7 77.1 . % de adolescentes que se consideram pressionados pelo trabalho escolar 40.7 46.6 53.2 43.0 36.1 44.8
Em síntese, os dados obtidos apontam para uma diminuição do gosto pela escola, do rendimento/sucesso escolar e da simpatia nas amizades à medida que os adolescentes envelhecem, acompanhados por percepções de maiores exigências/pressões no contexto escolar. Embora estas tendências sejam na sua essência muito simples e elementares, permitem‐nos justificar, em parte, a elevada percentagem de insucesso/abandono escolar no contexto português. Obviamente, não
descuramos outros factores de influência (sexo, etnia, estatuto socioeconómico, estrutura familiar, local de residência e métodos de ensino), mas sim, realçamos o interesse da análise da influência da satisfação escolar no bem‐estar psicológico dos adolescentes.