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Capítulo II  R EVISÃO DA L ITERATURA

2.2   A DOLESCÊNCIA E BEM ‐ ESTAR

2.2.2  Estatuto socioeconómico 

O  nível  ou  estatuto  socioeconómico  (ESE:  socioeconomic  status  –  SES)  refere‐se,  geralmente,  à  estratificação  da  população  a  partir  de  factores  como  a  profissão,  rendimentos,  prestígio  social,  instrução e grupo de afiliação, assumindo‐se, assim, como uma medida de natureza descritiva (Mota  & Sallis, 2002). 

  Usualmente,  é  avaliado  através  da  medida  isolada  ou  combinada  do  nível  educacional,  ocupação laboral e/ou rendimentos (Sallis, Broyles, Frank‐Spohrer, Berry, Davis & Nader, 1995), pelo  que  quando  considerada  na  investigação  em  crianças  e  adolescentes,  é  frequentemente  reportada  como uma avaliação indirecta (i.e., não permite estimar directamente os seus recursos económicos,  mas  sim,  perceber  a  sua  situação  familiar).  Assim,  o  SES  parece  ser  um  importante  factor  de  influência  da  saúde  e  bem‐estar  dos  indivíduos,  na  medida  em  que  condiciona  e  reflecte  as  experiências  da  exposição  a  um  vasto  conjunto  de  dificuldades  e  factores  de  risco  adversos  ao  desenvolvimento humano (Huurre, Aro & Rahkonen, 2003; Teixeira & Correia, 2002). 

  Existiu  um  conjunto  de  alterações  de  natureza  social,  histórica,  económica  e  cultural  que  ocorreram  em  Portugal,  após  a  década  de  1970.  Tal  como  Soczka  (2005)  referiu,  até  esta  altura,  Portugal  possuía  um  percurso  histórico  marcadamente  rural,  arraigado  factualmente  a  modos  de  produção arcaicos, de economia débil e sociologicamente eivado de traços culturais pré‐industriais.  Todavia,  no  período  seguinte,  observou‐se  um  crescimento  do  meio  urbano  (urbanização)  e  uma  alteração  das  valências  familiares  em  que  ambos  os  pais  possuem  ocupações  laborais,  a  par  de  importantes mudanças nos padrões nutricionais, no sistema de saúde, na economia e nas condições  de vida/habitação. 

  Obviamente,  nem  todos  os  indivíduos  e  famílias  evoluíram  substancialmente  os  seus  recursos económicos, na medida em que as diferentes estratificações (horizontais e verticais) foram  confrontadas  com  um  impacto  cultural  incremental  da  globalização  acompanhada  de  um  maior  consumismo. Tais desigualdades promoveram diferentes contextos familiares de educação dos filhos,  em que o acesso a bens primários para a vida ocorreu de forma diferenciada, proporcionando, desta  forma, distintos “microcosmos” merecedores de uma análise mais atenta. 

  Similarmente,  Pedersen  e  Madsen  (2002)  afirmaram  que  as  discrepâncias  socioeconómicas  têm início à nascença das crianças22, pelo que os filhos de pais com menor estatuto socioeconómico  evidenciam  menor  peso  aquando  do  nascimento  e  maiores  taxas  de  mortalidade  perinatal  e  neonatal.  Desta  forma,  o  estudo  das  iniquidades  socioeconómicas  possibilita  uma  melhor  compreensão da saúde e desenvolvimento dos adolescentes. 

  Ao  nível  do  desenvolvimento  físico,  os  adolescentes  de  meios  socioeconómicos  mais  favorecidos  possuem  valores  mais  elevados  de  altura  (Padez,  2003a),  menores  idades  de  menarca  (Padez, 2003b; Padez & Rocha, 2003; Rocha et al., 1998) e evidenciam um estilo de vida mais activo e  saudável  (Huurre  et  al.,  2003;  Mota  &  Sallis,  2002;  Teixeira  &  Correia,  2002).  Associadamente,  reportam  maiores  níveis  de  saúde  auto‐reportada  (Huurre  et  al.,  2003),  menos  sintomas  psicossomáticos  e  doenças  crónicas  (Pedersen  &  Madsen,  2002)  e  menor  número  de  consultas  médicas  (Garralda,  2004).  Mais  específico  ao  contexto  nacional,  os  dados  provenientes  de  uma  amostra  de  adolescentes  portugueses  incluída  no  estudo  internacional  HBSC  (Health  Behaviour  in 

School‐aged  Children),  permitiram  concluir  que  os  rapazes  e  raparigas  de  menor  estrato 

socioeconómico (idades 11, 13 e 15 anos) evidenciaram menores níveis de saúde auto‐reportada e  maior número de queixas sintomáticas diárias (Holstein, Parry‐Langdon, Zambon, Currie & Roberts,  2004). 

  No  que  concerne  o  desenvolvimento  psicossocial  dos  adolescentes,  os  resultados 

provenientes  de  diversos  estudos  empíricos  demonstraram  que  aqueles  que  vivem  em  situações  extremamente  precárias  (pobreza)  possuem  uma  maior  susceptibilidade  para  a  adopção  de  comportamentos  de  risco  (álcool,  tabaco,  drogas  e  sedentarismo)  e  prevalência  de  problemas  de  saúde mental (Crews, Lochbaum & Landers, 2004; Holstein et al., 2004; Papalia et al., 2004; Piko &  Vazsonyi,  2004).  Todavia,  em  Portugal,  o  estudo  realizado  na  região  transmontana  (Vasconcelos‐ Raposo,  Alves,  Simões  &  Salgado,  2006)  constatou  que  são  os  adolescentes  com  maior  poder  de  compra quem mais substâncias tóxicas consumem. 

  De entre as inúmeras perturbações/situações associadas a um menor ESE destacam‐se uma 

maior  sintomatologia  depressiva  (Cardoso,  Rodrigues  &  Vilar,  2004),  menores  níveis  de  auto‐       

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 Embora  ainda  não  haja  evidência  empírica  suficiente,  não  é  de  estranhar  que  as  influências  socioeconómicas  surtam  efeito  antes  da  nascença  (durante  a  gravidez),  na  medida  em  que  pode  ser  um  factor  condicionante  de  acesso  a  medicamentos  e  a  uma  nutrição  adequada  para  o  desenvolvimento  do  feto  (para  um  maior  aprofundamento  consultar 

estima/auto‐conceito  (Borgen,  Amundson  &  Tench,  1996),  maior  insucesso  (Saavedra,  2001)  e  abandono escolar (De Haan & MacDermid, 1998), maior número de tentativas de suicídio (Pedersen  &  Madsen,  2002),  maior  número  de  processos  de  vitimação/provocação  (bullying)  no  contexto  escolar (Carvalhosa, Lima & Matos, 2001) e menores níveis de bem‐estar subjectivo (Ash & Huebner,  2001; Huebner et al. 2000; Matos & Carvalhosa, 2001; Meeus, 1996; Moore & Keyes, 2003), pelo que  estas influências do nível socioeconómico na saúde e bem‐estar dos adolescentes tendem a persistir  na  idade  adulta,  como  comprovado  pelo  estudo  longitudinal  de  Huurre  et  al.  (2003).  Nas  investigações  de  Luísa  Bizarro  realizadas  em  amostras  de  adolescentes  portugueses  (Bizarro,  1999,  2001b;  Bizarro  &  Silva,  2000),  também  se  constatou  um  efeito  significativo  entre  o  estatuto  socioeconómico  e  o  bem‐estar  emocional  (F(2,544)=7.64,  p<0.001),  pelo  que  o  bem‐estar  diminuiu  à 

medida  que  o  ESE  baixou.  Um  contributo  importante  para  a  compreensão  desta  relação  surgiu  no  estudo de De Haan e MacDermid (1998), em que estes investigadores descobriram que esta relação  é  mediada  pelo  desenvolvimento  da  identidade,  o  que  segundo  Erikson  (1959,  1968)  é  uma  das  principais tarefas desenvolvimentistas da adolescência. 

  Assim e embora o adolescente de famílias mais desfavorecidas esteja sujeito a maiores riscos  para  a  saúde,  a  regimes  alimentares  desequilibrados,  a  condições  precárias  de  vida/habitação  e  a  viver  em  ambientes  pouco  saudáveis  em  termos  de  falta  de  segurança  e  frequência  de  conflitos  e  violência  (Teixeira  &  Correia,  2002),  parece  evidente  que  estas  influências  são  mediadas  pelas  percepções e experiências individuais do adolescente, assim como pelas capacidades de adaptação a  esta situação desfavorável (Bizarro, 1999; Bizarro & Silva, 2000; Sprinthall & Collins, 2003), existindo,  contudo,  inúmeros  casos  de  adolescentes  que  conseguem  ser  bem  sucedidos  na  idade  adulta  e  melhorar as suas circunstâncias económicas (De Haan & MacDermid, 1998; Sum & Fogg, 1991).