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Capítulo II  R EVISÃO DA L ITERATURA

2.1.2  A abordagem hedónica: O bem‐estar subjectivo 

2.1.2.4  Perspectivas de investigação e principais resultados empíricos 

2.1.2.4.1  Variáveis demográficas – idade e sexo 

Desde  o  início  das  investigações  centradas  na  análise  do  bem‐estar  e  sustentadas  em  modelos  de  indicadores sociais, que um dos propósitos de estudo tem sido a identificação de diferenças ao nível  de variáveis demográficas. Esta centralização nas influências dos factores bottom‐up que influenciam  o  SWB  derivou  da  ideia  de  Wilson  (1967)  que  sustentava  existir  necessidades  humanas  básicas  e  universais, e que se as circunstâncias da vida permitissem a sua satisfação, então as pessoas seriam  felizes (Feist, Bodner, Jacobs, Miles & Tan, 1995). 

   Contudo,  neste  ponto  parecem  existir  um  conjunto  de  dados  controversos  e  por  vezes  concorrentes  quanto  aos  resultados  apresentados,  pelo  que  na  nossa  opinião  e  como  à  frente  sustentaremos, tal condição aparenta dever‐se ao tipo de natureza de avaliação aplicada (transversal 

vs longitudinal). 

  De  acordo  com  a  revisão  de  Wilson  (1967)  a  juventude  assumiu‐se  como  uma  variável  consistentemente predictora da felicidade (Diener et al., 1999). Obviamente, a contextualização de  tal  afirmação  encontra‐se  enraizada  numa  visão  (zeitgeist)  que  assume  os  idosos  como  pessoas  insatisfeitas com tudo e todos, sem objectivos de vida e aparentemente infelizes. Todavia, estudos  recentes têm vindo a refutar esta posição empírica, primordialmente definindo a felicidade como a  discrepância entre as emoções positivas e negativas, i.e., analisando diferenciadamente os níveis de  afecto positivo e negativo ao longo do percurso de vida (life‐span).  

  Neste  âmbito,  Ehrlich  e  Isaacowitz  (2002)  analisaram  os  níveis  de  bem‐estar  subjectivo  de  uma amostra de 280 indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e os  93 anos de idade. Ao  separar a amostra em três grupos [jovens: 18‐25 anos (n=100); idade adulta: 37‐59 (n=86); e, idade  avançada:  60‐93  (n=94)],  constataram  diferenças  significativas  para  o  afecto  positivo  (F(2,273)=6.97,  p<0.01)  e  afecto  negativo  (F(2,273)=17.33,  p<0.01),  não  se  verificando,  no  entanto,  quaisquer 

diferenças  nos  níveis  de  satisfação  com  a  vida.  Os  jovens  revelaram  os  menores  níveis  de  afecto  positivo  e  os  maiores  de  afecto  negativo,  o  que  foi  contrário  às  expectativas  dos  investigadores.  Igualmente,  a  idade  adulta  foi  aquela  em  que  os  níveis  de  afecto  positivo  foram  mais  elevados,  denotando‐se uma equivalência para o afecto negativo quando comparados com os idosos. 

  Um estudo posterior de Koo, Rie e Park (2004) com uma amostra de 2529 adultos (43 a 102 

anos  de  idade)  apresentou  resultados  concorrentes  aos  anteriores.  Embora  a  amostra  não  tenha  incluído os períodos de idade do estudo anterior, os dados obtidos indicaram existir uma diminuição 

do afecto positivo e bem‐estar subjectivo geral ao longo da idade, acompanhados de um  aumento  dos níveis de afecto negativo à medida que os indivíduos envelhecem. 

  Obviamente,  o  facto  destes  dados  provirem  de  estudos  de  carácter  transversal,  obrigam  a  uma  maior  atenção  na  generalização  dos  resultados,  pois  “…younger  people  may  be  more  likely  to 

report  higher  levels  of  pleasant  emotions  because  of  the  historical  period  in  which  they  live.  A  definitive explanation of the decline in positive affect across age cohorts will be based on additional  longitudinal  studies  that  measure  emotions  with  varying  levels  of  arousal”  (Diener  et  al.,  1999,       

p.  291).  Inerente  a  esta  sugestão  evidenciada  por  Diener  e  colegas,  os  investigadores  Charles,  Reynolds e Gatz (2001) apresentaram um estudo que envolveu uma amostra total de 2804 indivíduos,  constituído  por  cinco  momentos  de  mensuração  da  felicidade  (1971,  1985,  1988,  1991  e  1994),  recorrendo a quatro gerações de famílias delimitadas pelos seguintes grupos (oldest adults, middle‐

aged adults, younger adults e youngest adults). Perante o vasto conjunto de dados obtidos e limite 

temporal, os investigadores alertaram para o facto das diferenças de idade no bem‐estar subjectivo  reflectirem  influências  desenvolvimentistas  e  históricas,  variando  de  acordo  com  os  dois  tipos  de  afectos medidos. Para todos os grupos de idade verificou‐se uma diminuição do afecto negativo ao  longo do tempo, decrescendo constantemente até aos 60 anos, pelo que após esse período a taxa de  decrescimento  era  menor.  Quanto  ao  afecto  positivo,  os  autores  denotaram  uma  estabilidade  do  afecto positivo ao longo de todos os grupos de idade, só se verificando uma diminuição significativa  para o grupo da idade adulta avançada. 

   Contrariamente àqueles que são alguns dos “mitos da felicidade”, tem‐se verificado que não  existe  uma  idade  ou  período  de  vida  notavelmente  mais  feliz  ou  infeliz  que  outra.  O  mesmo  se  verifica  para  o  estudo  da  satisfação  com  a  vida,  em  que  dados  de  investigações  internacionais  revelaram que esta dimensão psicológica não diminui, necessariamente, com a idade (Diener & Suh,  1998; Myers & Diener, 1995), sustentando a capacidade das pessoas se adaptarem às suas condições  e adversidades de vida (Diener et al., 1999).  

  Outra variável que tem merecido um interesse acrescido no âmbito de estudo do bem‐estar 

subjectivo,  é  o  sexo.  Integrados  na  questão  de  Myers  e  Diener  (1995):  “Does  happiness  have  a 

favorite sex?”, existe um imenso número de estudos que procuraram determinar os níveis de bem‐

estar subjectivo, pelo que os resultados encontrados evidenciam alguma ambiguidade, tal como nos  estudos anteriormente citados para a variável idade. 

  De  acordo  com  Diener  et  al.  (1999)  os  estudos  iniciais  acerca  das  diferenças  de  bem‐estar  subjectivo  por  sexo,  centrados  no  movimento  “Social  Indicators  of  Well‐Being”  têm  demonstrado  uma equidade entre o sexo masculino e feminino (e.g. Cheng & Furnham, 2003) ou quando existem  diferenças  significativas,  os  níveis  mais  elevados  são  reportados  pelas  mulheres  (Cuadra  &  Florenzano, 2003; Francis & Kaldor, 2002; Myers, 2000); contudo, tais discrepâncias tendem a deixar  de existir quando outras variáveis demográficas são controladas. Por outro lado, ao se denotar que  as  mulheres  evidenciam  níveis  mais  elevados  de  afecto  positivo  (Koo  et  al.,  2004)  e  depressão  (Diener et al., 1999), parece prevalecer um complexo paradoxo. Diversas sugestões para explicar esta  ambivalência já foram avançadas (e.g. intensidade emocional, capacidade de lidar com a adversidade  e  maiores  níveis  de  sociabilidade  e  interdependência),  não  existindo,  contudo,  ainda,  qualquer  suporte empírico que explique de modo convincente este equilíbrio hedónico prevalecente (Diener &  Scollon,  2003;  Fujita,  Diener  &  Sandvik,  1991).  Uma  das  explicações  que  evidenciou  melhor  capacidade  de  esclarecimento  para  este  paradoxo  reside  no  facto  de  que  as  mulheres  ao  evidenciarem  maiores  níveis  de  intensidade  afectiva,  permite‐lhes  que  as  emoções  positivas  mais  intensas  equilibrem  o  seu  afecto  negativo,  promovendo  um  senso  de  estabilidade  e  resiliência  perante a adversidade (Fredrickson, 2001; Fujita et al., 1991). 

  Apesar da aparente importância deste tópico para o estudo do SWB, dados provenientes de 

meta‐análises  indicaram  que  a  variável  sexo  só  determina  em  cerca  de  1%  o  nível  global  de  bem‐ estar das pessoas e em 13% a variância da intensidade afectiva (Fujita et al., 1991; Gutiérrez, Jiménez,  Hernández  &  Puente,  2005;  Myers  &  Diener,  1995).  Mais  ainda,  quando  considerando  outros  factores demográficos (e.g. idade, etnia, nível educacional, estado civil…), estes somente contribuem  para um total inferior a 20% da variância do bem‐estar subjectivo (Diener, 2000; Diener et al., 1999,  2003a, 2003b). 

 

2.1.2.4.2 Religião 

O  interesse  centrado  na  investigação  entre  o  bem‐estar  e  a  religião  teve  inicialmente  um  cariz  sociológico com origem no trabalho seminal de Emile Durkheim (Ellison, 1991). As relações entre a  religião (primordialmente definida como a frequência religiosa regular) e a saúde mental e física são  imensas, e no global sustentam que as pessoas com níveis mais elevados de religiosidade possuem  uma menor tendência para a delinquência, consumo de drogas e álcool, para contraírem o divórcio 

ou  sentirem‐se  infelizes  com  o  seu  matrimónio,  ou  pensarem  no  suicídio  (Myers,  2000;  Myers  &  Diener,  1995).  Principalmente  devido  ao  facto  de  adoptarem  melhores  estilos  de  vida  (menor  consumo de álcool e drogas), as pessoas que são religiosamente activas tendem a revelar níveis mais  elevados de saúde física e de longevidade de vida (idem). A literatura existente sugere que a religião  actua como promotor de várias componentes do bem‐estar através de (pelo menos) quatro maneiras  (Ellison, 1991): a) da integração e suporte social; b) do estabelecimento de relações pessoais com o  ente  divino;  c)  da  provisão  de  sistemas  de  significado  e  coerência  existencial/fenomenológica;  e,         d) de padrões de organização religiosa mais específicos e associados a um estilo de vida. 

  Neste contexto, verifica‐se a existência de duas noções abrangentes que sustentam a função  das  emoções  na  vida  religiosa  (Emmons  &  Paloutzian,  2003):  primeiro,  existe  um  movimento  carismático  que  fomenta  intensivamente  as  emoções  positivas  e  sua  importância  nos  rituais  e  experiências  religiosas,  a  par  de  uma  tradição  mais  contemplativa  que  auxilia  no  controlo  e  desenvolvimento  de  um  equilíbrio  emocional;  segundo,  subsiste  uma  perspectiva  ascética  que  relaciona  a  religião  a  uma  maior  consciência  e  expressão  criativa  das  emoções  inerentes  à  religiosidade dos indivíduos. Igualmente, a religião ao estar associada a práticas e fenómenos sociais,  promove uma identidade colectiva naqueles que partilham atitudes e valores similares (Diener et al.,  1999;  Ellison,  1991),  favorecendo  assim  uma  estrutura  de  suporte  social.  Ao  nível  psicológico,  a  explicação da relação entre a religião e o bem‐estar parece residir no sentido/propósito de vida que  as  pessoas  parecem  obter  da  sua  fé  e  prática  religiosa,  diminuindo  assim  a  probabilidade  da  existência de depressão (Myers, 2000). 

  Deste modo e apoiado nesta base afectiva de espiritualidade, denotou‐se que na América do  Norte e na Europa, as pessoas mais religiosas demonstram maiores níveis de felicidade e satisfação  com a vida (Myers & Diener, 1995), pelo que o bem‐estar subjectivo correlaciona‐se moderadamente  com  a  convicção  religiosa,  experiências  de  oração  e  aspectos  de  devoção  e  participação  religiosa  (Diener et al., 1999; Diener & Seligman, 2004). 

  Um estudo que gostaríamos de sublinhar foi o de Francis e Kaldor (2002). Estes autores ao  aplicaram a escala de equilíbrio afectivo de Bradburn (1969) e três medidas de fé e prática cristã a  989  adultos  australianos,  constataram  que  todos  os  três  índices  religiosos  (fé  em  Deus,  frequência  religiosa  e  prática  individual  de  oração)  assumiram‐se  como  variáveis  predictoras  do  bem‐estar  subjectivo,  mesmo  após  o  controlo  de  variáveis  demográficas  (idade  e  sexo).  Mais  ainda,  além  de 

verificarem uma relação positiva entre a religiosidade e o afecto positivo, constataram que o afecto  negativo  não  se  relacionou  significativamente  com  qualquer  índice  religioso  (valores  de  correlação  entre ‐0.04 e ‐0.06 após controlo da idade e sexo). 

  Para  além  disto,  um  outro  estudo  que  analisou  as  dimensões  afectiva  e  cognitiva  do  bem‐ estar  subjectivo  (Ellison,  1991)  verificou  que  as  variáveis  religiosas  analisadas  (integração  social,  relações divinas e crença existencial) contribuíram para 5 a 7% da variância da satisfação com a vida  e somente 2 a 3% da variância do bem‐estar emocional, sugerindo que os benefícios da religião são  principalmente  cognitivos,  possibilitando  uma  estrutura  interpretativa  sob  a  qual  os  indivíduos  atribuem  um  sentido/significado  às  suas  acções.  Neste  ponto,  o  conjunto  de  crenças  religiosas  providenciam  sentimentos  de  coerência  existencial,  não  só  para  experiências  pessoais  quotidianas,  como também, para situações de vida problemáticas/traumáticas.