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1.4. O Ministério Público e a Sociedade

1.4.3. Direitos ou Interesses Transindividuais ou Metaindividuais

Como espécie metaindividual de direitos tutelados, os difusos e coletivos nasceram da necessidade de proteger interesses diversos que os de natureza estritamente singular.

As expressões “interesses” e “direitos” podem ser usadas como sinônimos, quando se referem a interesses ou direitos coletivos ou difusos; já os interesses individuais homogêneos não trazem em sua essência a transindividualidade característica dos primeiros. “No tocante a

92 GUASQUE, Luiz Fabião e GUASQUE Denise Freitas Fabião. O Ministério Público e a Sociedade. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002. p.12.

quaisquer interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) sempre haverá uma relação fática e jurídica subjacente 93”.

Os interesses metaindividuais são interesses que atingem grupos de pessoas que têm algo em comum, e não o sujeito isoladamente. Conforme o professor Hugo Mazzilli e o texto constitucional, o Ministério Público é a instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Como órgão do Estado (não do governo) zela por interesses indisponíveis ou de larga abrangência social94.

Como pode ser observado, é grande a importância do Ministério Público. Um dos aspectos mais relevantes de sua atuação é tutelar os Direitos Difusos e Coletivos, e, em algumas situações, os Individuais Homogêneos. Portanto, está qualificado como agente institucional para promover o que for necessário para a defesa dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, que antigamente costumavam ficar à margem da apreciação do Judiciário.

No que diz respeito à defesa na área cível e na da proteção dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, defende Hugo Mazzilli que,

“Para a defesa na área cível dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, e, em certos casos, até mesmo para a defesa do próprio interesse público, existem as chamadas ações civis públicas ou ações coletivas. A

proteção penal de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos

não é matéria de interesses transindividuais; é matéria de interesse público estatal (ius puniendi). Assim, por ex. é difuso o interesse transindividual de combater na esfera cível a propaganda enganosa, mas é público o interesse do Estado de punir criminalmente o autor dessa propaganda95”.

Os interesses transindividuais localizam-se entre o público e o privado na categoria dos interesses sociais, conforme o fenômeno da descentralização social, em que a sociedade de massa passa a influenciar na gestão estatal - é a denominada gestão participativa; localizam-se em uma posição intermediária.

93 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio

cultural, patrimônio público e outros interesses. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58.

94 MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 42. 95

O conceito de direito social vem sendo adotado pelo Brasil desde o ano 1969. A Emenda Constitucional nº1/69, em seu art. 153 § 31, preceituava: “Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular, que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas96”.

Os direitos sociais são destinados a todos indistintamente; visam à igualdade social, à garantia das condições materiais imprescindíveis a uma vida digna.

“Têm uma natureza histórica. Emergem das lutas sociais dos trabalhadores na busca de transformar as suas necessidades. São direitos históricos que expressam as novas exigências sociais, provocadas pelas transformações das condições econômicas, sociais e políticas, que se manifestam no processo de mudanças das relações sociais e da organização da vida dos homens, criando também novas necessidades97”

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assim estabelece: “Art. 6º: São direitos

sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)”.

Em relação aos direitos sociais, o Ministério Público deve ter como meta a igualdade social, a garantia dos direitos a todos indistintamente; fiscalizar o cumprimento e a implantação de tais direitos por parte do Poder Público, que deve assegurar e garantir políticas públicas, para que todos tenham as mesmas oportunidades, as mesmas condições; lutar no combate às diferenças, às desigualdades sociais e regionais; trabalhar sempre em prol da proteção e defesa dos direitos sociais indisponíveis; cobrar do Poder Público a implantação e efetivação de tais direitos para que contemplem a todos, em especial aos menos favorecidos. No que diz respeito ao princípio da igualdade tão debatido pelas Nações, sustenta Ana Maria Mendonça que

“A situação da igualdade é precária. Os homens numa democracia liberal são iguais por natureza, pois todos nascem iguais e desiguais por natureza, uma vez que nascem com talentos e capacidades desiguais. A vida em sociedade vai permitir o fortalecimento da desigualdade natural, exigindo que uma outra igualdade seja construída através da lei. Quando construída, será contraposta: Natureza e Estado de Direito, e o contrato define a condição de igualdade de direito entre os contratantes. A cidadania liberal se caracteriza

96 Emenda Constitucional nº. 69, art. 153 § 31.

97 MENDONÇA, Ana Maria Ávila. Estado e direitos sociais no Brasil: entre a modernidade e o retrocesso. Maceió: ed. Edufal, 2009, p. 78/79.

pela afirmação da liberdade, igualdade, universalidade e garantia da propriedade privada, tendo como consequência, as desigualdades sociais e suas expressões políticas e sociais98”.

Destacamos oportunamente que, os Conselhos podem contribuir com o Poder Público na elaboração das políticas que contemplem todas as crianças, adolescentes e jovens, na concessão dos seus direitos; bem como a sociedade civil organizada, por meio de diferentes órgãos e entidades, sejam eles governamentais e não governamentais. A igreja também pode ser um importante aliado nesta função.

Sem dúvida, as ações devem ser priorizadas, contempladas nos planos dos Governos (federal, estadual e municipal), nas leis orçamentárias. É salutar que o Ministério Público participe da formulação das políticas públicas, articulando, mobilizando os conselhos, a sociedade civil organizada, as entidades que trabalham na área, promovendo as medidas legais e cabíveis para que sejam assegurados tais direitos. Como diz Ana Maria Mendonça, “os direitos declarados e garantidos na lei só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas correspondentes. Por conseguinte, não há sentido em falar de desarticulação entre direito social e política social, e tampouco se entende que tais direitos não sejam universalizados99”.

Os interesses individuais homogêneos, assim como os interesses difusos e os coletivos, em sentido estrito apresentam-se como uma espécie dos interesses transindividuais, ou coletivos, em sentido lato.

“Direitos individuais são inerentes a indivíduo ou pessoa; os direitos coletivos são inerentes à categoria, grupo ou classe de pessoas. Alguns direitos coletivos são direitos individuais de expressão coletiva, como as liberdades de reunião e associação. O interesse difuso é necessidade de toda sociedade. Os interesses individuais homogêneos têm origem comum. Compreendem os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas; contudo, só estes últimos são divisíveis e supõem origem de fato comum. Os interesses difusos unem interessados indeterminados pela mesma situação de fato; nos interesses coletivos o que une os interessados é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica; os interesses individuais homogêneos unem interessados determináveis pela mesma situação de fato100.”

98

MENDONÇA, Ana Maria Ávila. Estado e direitos sociais no Brasil: entre a modernidade e o retrocesso. Maceió: ed. Edufal, 2009, p. 51.

99 Ibidem, p. 19.

100 SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton, OLIVEIRA, Miguel Augusto Machado de. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 229/231/233.

Ao dimensionar a órbita de Poder do Ministério Público, a Constituição Federal de 1988 confiou-lhe a proteção dos interesses metaindividuais.

Os Direitos Transindividuais são divididos em espécies: difusos, coletivos e individuais homogêneos, segundo preceito estabelecido no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que assim reza:

“A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo: Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum101”.

Observa-se então que, os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas e somente a estas. O Ministério Público, para protegê-los e resguardá-los poderá, além da defesa dos interesses supramencionados, ingressar com ação civil pública; instaurar inquérito civil, como peça preparatória da referida ação; quando possível, para solucionar questão ainda nessa fase, poderá celebrar termo de ajustamento de conduta no curso do inquérito civil; prestar atendimento ao público, adotando as providências cabíveis; eleger as prioridades e necessidades da comunidade e, enfim, deve o Ministério Público defender a sociedade, sem outros interesses, exceto os dela própria.

Se o representante do Ministério Público demonstrar independência, imparcialidade, sob a égide da lei, merecerá a devida credibilidade e confiança da sociedade.

De forma enfática assevera Consuelo Yoshida: “o Ministério Público tem por funções institucionais, entre outras, a defesa da ordem jurídica (bem jurídico em si mesmo) e a defesa dos interesses sociais, expressão que abrange todos os interesses considerados de

101GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

relevância social, dentre os quais situa-se a proteção, através de ação coletiva, dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos102”.