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CAPÍTULO II: DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS DIREITOS HUMANOS

1.2. Mudança de paradigma no Brasil: da situação irregular à proteção integral

Antigamente, a terminologia usada era “Direito do Menor”. A expressão adotada na atualidade brasileira e já consagrada na literatura, na legislação e na jurisprudência é “Direito da Infância e da Juventude”. Conforme já mencionamos, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança a pessoa com até doze anos incompletos, e adolescente aquele com idade entre doze e dezoito anos.

O art. 227 da Constituição Federal/1988, por sua vez estabelece o princípio da proteção integral para as crianças, os adolescentes e os jovens, atribuindo à Família, à

250 BORGES, Beatriz Marques. Protecção de crianças e jovens em perigo. Coimbra: Edições Almedina, 2007, p. 29 e 30.

Sociedade e ao Estado a obrigação de lhes assegurar, com prioridade absoluta, seus direitos pessoais e sociais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 trazem em relação à criança e ao adolescente, três novidades, três avanços fundamentais, quando passa a considerá-los251:

1. Sujeitos de direitos: a criança e o adolescente já não poderão mais ser tratados como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. Eles têm direito ao respeito, à dignidade e à liberdade. 2. Pessoas em condição peculiar de desenvolvimento: a criança e o adolescente têm direitos, mas ainda não tem acesso ao conhecimento pleno dos mesmos e nem adquiriram condições especiais de defendê-los. Tanto a Constituição Federal Brasileira, quanto a Constituição da República Portuguesa reconhecem e asseguram esses direitos. 3. Prioridade absoluta: primazia em receber proteção, socorro, amparo em qualquer circunstância; precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer Poder; preferência na formulação das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude. “Colocados em conjunto, os vocábulos prioridade e absoluta consagram a regra constitucional exarada no art. 227, determinando erga omnes, a primazia do atendimento daqueles direitos sobre quaisquer outros252”.

As principais diferenças entre os Códigos de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente são:

Doutrina Menorista: Código de Menores (Decreto nº. 17.943, de 12/10/27): as crianças e os adolescentes eram vistos como menores abandonados ou delinquentes, objetos de vigilância da autoridade pública (juiz). Código de Menores (Lei nº. 6.697, de 10/10/79) e Lei 4513, de 01/12/64: as crianças e os adolescentes eram considerados como menores em situação irregular, objetos de medidas judiciais. Eles não mencionavam direitos.

251 Instituto Telemig Celular para o Desenvolvimento Social. Capacitação de Conselheiros de Direitos da

Criança e do Adolescente e de Conselhos Tutelares. Modulo I - Volume I. Belo Horizonte: Gráfica e Editora

Lutador, 2004, p. 16 e 17. 252

Apresentavam “uma visão paternalista, autoritária, assistencialista e tutelar253”. O Estado

atuava, através do Judiciário, apenas quando o menor se encontrava em situação irregular, os outros não tinham acesso a esse tratamento e acompanhamento legal.

Doutrina da Proteção Integral: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069/90): em termos de Brasil, é uma lei bastante avançada não somente por considerar as crianças, os adolescentes e os jovens como sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e estabelecer seus direitos, mas também por ter rompido com a doutrina da situação irregular, tendo como referência vários documentos internacionais, como: a Declaração universal dos direitos humanos: 1948; a Declaração universal dos direitos das crianças: 1959; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude - (Regras de Beijing) - 1985; as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad): 1990 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução nº. 44/25 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 20/11/1989, ratificada pelo Brasil em 24/09/1990. O Estado, a Sociedade e a Família são obrigados a garantir tais direitos. A proteção integral consiste em garantir às crianças e aos adolescentes, indistintamente os direitos relativos: a) à sobrevivência, a subsistência (direitos à vida, à saúde, à alimentação); b) o desenvolvimento pessoal e social (direitos à educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização); c) e a integridade física, psicológica e moral (direitos à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária). “Novo Paradigma para as Legislações. Estabelece vínculo entre infância/adolescência e Estado Democrático de Direito (direito, democracia e política). Exige uma prática da Equidade para que os compromissos públicos sejam atendidos em favor da sociedade, da família, das crianças e dos adolescentes254”.

Há várias linhas de ação da política de atendimento que podem garantir esta proteção integral, como: Políticas Sociais Básicas: (universais) são considerados direitos de todos e dever do Estado; destinam-se a toda população infanto-juvenil. Exemplos: educação, saúde, cultura, esporte, moradia e outros. Políticas Assistenciais: destinam-se àqueles em estado temporário ou permanente de necessidade. Exemplos: creches comunitárias, cesta básica, bolsa família, passes para viagens e outros. Políticas de Proteção Especial: são dirigidas a

253 CONTINI, Maria de Lourdes Jeffery. Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente. Disponível em: http://www.escoladeconselhos.ufms.br/manager/titan.php?target=openFile&fileId=254. Acesso em: 12/04/2010.

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pessoas e grupos que se encontram em situação de risco pessoal e social, como por exemplo, vítimas de maus tratos. Exemplos: instituições de acolhimento, programas de combate ao trabalho infantil, de drogadição, plantões interinstitucionais, liberdade assistida e outros. Políticas de Garantia de Direitos: referem-se à defesa jurídico-social dos direitos individuais e coletivos da população infanto-juvenil. É operacionalizado através dos seguintes órgãos governamentais: Ministério Público, Defensoria Pública, Magistratura e Segurança Pública, que são órgãos do Estado para coibir a transgressão de Lei, expressa no Estatuto. Como contrapartes, na Sociedade Civil, tem-se a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares. (São as ações que visam garantir o cumprimento de direitos assegurados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente; como por exemplo: implantação de Centros de Defesa dos Direitos da Criança). (O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente deve ser feita por um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados e dos Municípios).

Direitos Humanos Fundamentais: a legislação brasileira consagra a teoria dos direitos humanos fundamentais da população infanto-juvenil. ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) art. 3º: a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade255”.

Destacamos também que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei que contém características inovadoras, como: municipalização do atendimento; ênfase nas políticas sociais básicas (educação, saúde, moradia, trabalho); participação da população através de organização representativa, na elaboração, acompanhamento e controle das políticas de atendimento em todos os níveis; criação de mecanismos e instrumentos que garantam sua operacionalização, tais como: Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, Fundos dos

255 CARRIDE, Norberto de Almeida. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. Campinas, SP: Servanda Editora, 2006, p. 23.

Conselhos de Direitos e Justiça da Infância e da Juventude (Ministério Público e Judiciário)256.