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1.4. O Ministério Público e a Sociedade

1.4.4. Interesses Difusos e Coletivos

Denti et al, apud Ada Pellegrini Grinover:

“a origem dos interesses difusos e coletivos surgiu e floresceu na Itália, nos anos 70 e anteciparam o Congresso de Pavia de 1974, que discutiu seus aspectos fundamentais, destacando com precisão as características que os distinguem: indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, como a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos, como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo103”.

Na visão de Ada Pellegrini,

“após a introdução no Brasil da tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos, passando pela linha evolutiva que levou ao reconhecimento dos direitos individuais homogêneos, o balanço é francamente positivo. Os processos coletivos integram hoje a práxis judiciária. A notável quantidade de demandas e a adequada resposta jurisdicional iluminaram as novas técnicas processuais e demonstraram o empenho dos legitimados – primeiro dentre todos, o Ministério Público, a ampla gama das ações ajuizadas, o reconhecimento do corpo social. Pode-se afirmar, por certo, que os processos coletivos transformaram no Brasil todo o processo civil, hoje aderente à realidade social e política subjacente e às controvérsias que constituem seu objeto, conduzindo-o pela via da eficácia e da efetividade. E que, por intermédio dos processos coletivos, a sociedade brasileira vem podendo afirmar, de maneira mais articulada e eficaz, seus direitos de cidadania”. (Grinover (2000:17-23)104: ”

Interesses Difusos são aqueles pertencentes a um número indeterminado de pessoas, titulares de um objeto indivisível e que estão ligados entre si por um vínculo fático. A indeterminação de pessoas deverá ser entendida não apenas quando o interesse pertencer a toda a população (de um bairro, cidade, estado ou, mesmo, país), como também quando disser respeito a pessoas inseridas no contexto social, que não possam ser identificadas com precisão

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YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 21.

103 GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado Social, Político e Jurídico da Tutela dos Interesses Difusos. In

apud: A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p.17.

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(como os frequentadores de determinada praia, os consumidores de vinho etc.). A indivisibilidade do objeto implica no fato de que a solução do problema somente poderá advir para todos os afetados e não para alguns indivíduos: o direito difuso é um direito do bem comum, de sorte que as lesões pessoalmente sofridas não podem ser reparadas sem que o benefício atinja toda a coletividade. No caso, por exemplo, de uma propaganda enganosa que está sendo veiculada pela televisão: ou ela se encontra no ar e atinge a todos ou ela é proibida de ser veiculada e a sociedade toda restará resgatada.

Uma característica importante dos interesses difusos é a de existência de vínculo fático ligando as pessoas entre si intermináveis, como por exemplo, o de morarem na mesma cidade e apreciarem os mesmos restaurantes, as mesmas praias.

No entendimento de Mancuso, “certos atos de gestão da coisa pública podem atingir interesses difusos, nos casos em que aqueles atos, por sua natureza, atingem largos segmentos da sociedade, por via mediata ou reflexa105”. No seu entendimento, não exercitados a tempo e hora, os interesses difusos modificam-se, acompanhando a transformação da situação fática que lhes é subjacente106.

Entretanto, a relação fática subordina-se a uma relação jurídica. No caso de interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação jurídica, e sim da situação fática resultante.

Enquanto o interesse público stricto sensu tem por objeto bens imateriais incorpóreos, como princípios, normas e valores essenciais para a vida social, os interesses difusos recaem sempre sobre bens materiais, corpóreos; em regra, bens públicos de uso comum do povo (o ar, os rios, o mar, a fauna e a flora, as paisagens, os bens de valor estético, histórico, artístico, arqueológico), mas também particulares, como um bem tombado. E nesse particular é que a doutrina afirma que o objeto do interesse difuso é o bem comum, o bem essencial para a boa qualidade de vida em sociedade e passível de fruição por todos os seus membros.

105 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 101.

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São interesses difusos os interesses dos destinatários de mensagens publicitárias enganosas ou tendentes a ver inibida a atividade publicitária ou a serem ressarcidas em face de dano econômico, imediato pela aquisição de produtos com qualidade inferior àquela prometida, e assim por diante.

Conforme visto, uma primeira nota do conceito de direitos difusos é a de que eles não dizem respeito a uma só pessoa, senão que atinam com mais de uma (número indeterminado), daí porque se dizem transindividuais, pertencendo a um grupo ou comunidade compostos por pessoas indeterminadas e indetermináveis.

No caso de uma fábrica que emita poluentes, colocando em risco a saúde dos habitantes de uma determinada região, o interesse é indivisível porque não há como proteger apenas uma das pessoas expostas ao perigo sem preservar as demais. Se for determinado o fechamento da fábrica ou a implantação de dispositivos de purificação do ar, todos serão beneficiados. Haverá interesse difuso apenas daqueles que, expostos ao perigo, correm um risco. Se, em virtude da poluição, um grupo determinado de pessoas adoecer e sofrer danos verificáveis, o seu interesse não será mais difuso e sim individual homogêneo107.

As pessoas, titulares desses direitos, estarão ligadas por circunstâncias de fato, o que não quer dizer que estejam submetidas às mesmas circunstâncias, senão que hão de estar sujeitas a circunstâncias equivalentes.

Segundo Eduardo Alvim,

“exemplo de violação a direito difuso consiste, v.g., na veiculação de propaganda enganosa via televisão ou jornal. Atinge-se um número indeterminado de pessoas ligado por circunstâncias de fato (estarem assistindo à propaganda via televisão ou lendo o mesmo jornal). O bem jurídico tutelado, doutra parte, é indivisível: basta uma única veiculação da propaganda para que todos consumidores sintam-se ofendidos. E, ademais, a retirada da propaganda da televisão ou do jornal, por ser enganosa, acaba por beneficiar todos os consumidores108”.

107 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 4ª ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010, p.16.

108 ALVIM, Eduardo Arruda. Noção geral sobre o processo das ações coletivas. Disponível em http://www.jus.com.br/doutrina/texto. Acesso em 02/03/2012.

Os Direitos Coletivos são aqueles que pertencem a um número determinado de pessoas, integrantes de um grupo, categoria ou classe, titulares de um objeto indivisível e que estão ligados entre si ou com a parte contrária por um vínculo jurídico.

Os titulares dos interesses coletivos são facilmente identificados por pertencerem a um determinado grupo, unidos por um laço jurídico, como por exemplo: a sociedade mercantil, o condomínio, a família, o sindicato, os órgãos profissionais, dentre outros. O interesse coletivo tem como titulares, apesar de sua extensão numérica, um conjunto delimitável de pessoas.

Os interesses difusos não pertencem a grupos, como por exemplo: direito à paz, ao desenvolvimento, à saúde, à educação, à reforma agrária.

Todavia, em ambos, a socialização e a coletivização têm papel fundamental. São indivisíveis e distinguem-se pela origem: os difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, enquanto que os coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica. Já os individuais homogêneos têm a titularidade perfeitamente individualizada.

A distinção entre interesses e direitos difusos, de um lado, e de interesses e direitos coletivos, de outro, decorre do Direito positivo brasileiro.

“Os interesses coletivos são defendidos de forma indivisível; não é possível que a ação correspondente beneficie um dos titulares sem beneficiar os demais. Por isso a lei estabelece a coisa julgada ultra partes. A decisão judicial ou beneficia todos os que se encontram na situação jurídica base, ou não beneficia ninguém. Trata-se de situação muito diferente da que ocorria se, em vez de proposta a ação coletiva, fossem propostas inúmeras ações individuais que versassem sobre a cláusula impugnada. Nesse caso não haveria indivisibilidade, sendo possível que o Judiciário acolhesse algumas e não outras109”.

Nelson Nery Júnior apresenta o seguinte exemplo de interesse coletivo a ser defendido em juízo: “o direito dos alunos de uma determinada escola de ter assegurado a mesma qualidade de ensino em determinado curso. Evidentemente que os interessados são

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determináveis e estão unidos por uma relação jurídica-base comum entre eles e com a parte contrária de um eventual e futuro processo (a escola) 110”.

Para proteger os interesses difusos e coletivos, dentre eles os do consumidor, os do meio ambiente surgiu a lei nº. 7.347, de 24/07/85 - Lei de Ação Civil Pública. A Constituição Federal de 1988 também possui em seu bojo disposições expressas que prevêem a proteção dos interesses difusos e coletivos. Para Rodolfo Mancuso:

“Os interesses difusos, se, por um lado, despertam as curiosidades gerais, sendo ”um perssonaggio absolutamente misterioso, “de outra parte constata- se que sua tutela não é vista sem certas reservas. Esta reação prende-se, basicamente, a duas razões, sendo: uma, de caráter jurídico; outra, de caráter político; E que, os interesses difusos apresentam as seguintes notas básicas: indeterminação dos sujeitos, indivisibilidade do sujeito, intensa conflituosidade111”.

Convém salientar que, conforme Luiz Paulo Araújo Filho,

“O tema da tutela jurisdicional, dos interesses coletivos, foi introduzido entre nós, por José Carlos Barbosa Moreira, em estudo de 1979, que demonstrou que já havia no Brasil, enquanto a questão era amplamente debatida em outros países, carentes de mecanismos processuais adequados, um instrumento legal apto, dentro de certos limites, à proteção jurisdicional dos interesses difusos ou coletivos, a Lei da Ação Popular112”.

Na verdade, a lei da ação popular atendia apenas em parte aos anseios da sociedade. Posteriormente, vieram a lei de ação civil pública e o código de defesa do consumidor. Segundo Adauto Tomaszewski113, José Carlos Barbosa Moreira, há muito tempo já discorria sobre o assunto, explicando que ao tratar das ações coletivas, seria necessário antes distinguir as espécies de litígios, como os essencialmente coletivos, referindo-se aos direitos coletivos e difusos, ou, os acidentalmente coletivos, como no caso dos direitos individuais homogêneos. Acresceu que no pertinente aos sujeitos, estes são perfeitamente identificados ou identificáveis como ocorre nos direitos coletivos stricto sensu. Todavia, quando se tutelam direitos individuais homogêneos, não há uma relação jurídica-base que une os sujeitos, mas sim uma situação fática de origem comum.

110 NERY, Nelson Júnior. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 56.

111

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do Consumidor em Juízo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 30. 112 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo de Silva. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002, p.54.

113 TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 15/11/2011.

Assim, para identificar um interesse ou direito difuso ou coletivo, é necessário examinar se os respectivos titulares são indeterminados ou determinados e se o liame que os une é de fato ou de direito. Se não houver vínculo jurídico entre os interessados ou entre esses e a parte contrária, o interesse é difuso; em caso contrário, é coletivo.

O Ministério Público tem poderes investigatórios; é titular da ação penal, da ação civil pública, muito usada no Brasil na defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e na aplicação das sanções por improbidade administrativa. Regem pela Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo e por infração da ordem econômica e da economia popular; à ordem urbanística.

Em Portugal, o art. 3º114 do Estatuto do Ministério Público, Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com a mais recente atualização, ocorrida através da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, ao referir-se a competência, declara o seguinte: 1 - Compete, especialmente, ao Ministério Público: a) representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta; e) assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses coletivos e difusos.

Como pode ser visto no art. 5º115 do referido diploma legal, o Ministério Público tem intervenção principal nos processos que representa incapazes, incertos ou ausentes em partes incertas e interesses coletivos ou difusos.

114 ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PORTUGAL. 12ª versão - a mais recente (Lei n.º 9/2011, de 12/04)

Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=6&tabela=leis. Acesso em: 15/11/2011.

115 Ibid., Op. cit.

Estatuto do Ministério Público de Portugal, art. 5º: Artigo 5. º: Intervenção principal e acessória:

1 - O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: a) Quando representa o Estado; b) Quando

representa as Regiões Autónomas e as autarquias locais; c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta; d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; e) Quando representa interesses colectivos ou difusos; f) Nos inventários exigidos por lei; g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade. 2 - Em caso de representação de região autónoma ou de autarquia local, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio.

3 - Em caso de representação de incapazes ou de ausentes em parte incerta, a intervenção principal cessa se os

respectivos representantes legais a ela se opuserem por requerimento no processo. 4 - O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente: a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do n.º 1, sejam

O art. 26. º- A do Código de Processo Civil Português, ao discorrer sobre as ações para a tutela de interesses difusos assim dispõe: “têm legitimidade para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei116”.

Não só os direitos comuns a toda a Humanidade podem ser considerados como interesses difusos ou coletivos, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais, cujas demandas possuem, ao lado do sentido individual, outro de caráter coletivo, consistente em garantir segmentos vulneráveis prestações que reduzam ou eliminem situações de desigualdade na sociedade117.

A Procuradoria Geral Distrital de Lisboa, ao referir-se ao trabalho desenvolvido no âmbito dos direitos difusos, pelo Ministério Público, na Comarca de Lisboa ao longo do ano judicial de 2008, prestou os seguintes esclarecimentos:

“A distinção entre interesses colectivos e interesses difusos stricto sensu não assenta nos respectivos titulares, mas no respectivo objecto: ao passo que os interesses difusos stricto sensu incidem sobre bens indivisíveis e, por isso, não podem ser divididos por cada um dos seus titulares, os interesses colectivos integram uma pluralidade de interesses individuais sobre bens exclusivos, sendo, por isso, repartidos por cada um dos respectivos titulares. Assim, por exemplo, o interesse dos consumidores é um interesse difuso

stricto sensu, mas o conjunto dos interesses individuais de cada um dos

consumidores sobre direitos privados, v.g.,um direito a indemnização, forma um interesse colectivo. Os interesses individuais homogêneos podem ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso

stricto sensu ou de interesse colectivo. Assim, o interesse na qualidade de

vida é um interesse difuso stricto sensu mas o interesse de cada um dos habitantes de uma região nessa qualidade de vida é um interesse individual homogêneo; os lesados pelo consumo de um produto nocivo à saúde são titulares de um interesse colectivo mas o interesse de cada um dos lesados constitui igualmente um interesse individual homogêneo”118.

interessados na causa as Regiões Autónomas, as autarquias; locais, outras pessoas colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, incapazes ou ausentes, ou a acção vise a realização de interesses colectivos ou difusos; b) Nos demais casos previstos na lei.

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BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Código de processo civil. Organização Clara Luzia. 16ª ed.. (catálogo de bolso). Portugal: Gráfica de Coimbra, p.117.

117 CAPPELLETTI, apud MARUM. Op. cit., p.416.

118 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS NA COMARCA DE LISBOA. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/textos/files/tex_0041.pdf. Acesso em: 30/03/2010.