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1.4. O Ministério Público e a Sociedade

1.4.1. O Ministério Público na defesa da sociedade

Sabe-se que o direito é um produto social. O homem, ator e autor da ação, modifica o meio, fazendo com que se produza o direito para regular e tornar viável a convivência social. Para Plácido e Silva, o direito é: “a ciência que estuda as normas necessárias para a manutenção da vida em sociedade. São as regras que viabilizam a convivência humana, pois ditam a forma como deve se processar, bem como proíbe certas atitudes que dificultariam a vida em sociedade67”.

Ministério Público é coadjuvado por funcionários de justiça e por órgãos de polícia criminal e dispõe de serviços de assessoria e de consultadoria.

Art. 7º: São Órgãos do Ministério Público: a. A Procuradoria Geral da República; b. As procuradorias-gerais

distritais e c. As procuradorias da República.

66 CAMPOS, Teresinha de Jesus Moura Borges. A eficácia das penas alternativas. Teresina: Livraria Nobel, 2005, p.79.

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Sendo o direito um produto social, uma ciência que estuda as normas necessárias para a manutenção da vida em sociedade, há necessidade de estabelecer estreitos laços com as demais ciências; a norma é então um juízo, é o objeto lógico da ciência do direito, enquanto que a conduta humana é o objeto real. O homem transforma-se através do conhecimento adquirido na sociedade, apesar de também criar as próprias regras para tornar essa convivência possível e agradável. É um ser sociável, de forma que sua ação consiste na interação, porque está relacionada com os seus semelhantes.

A ideia de uma sociedade pluralista bem ordenada exige, segundo Raws, a noção de justiça como equidade (fairness). Essa noção se explicita em dois princípios:

1. Cada pessoa terá igual direito a mais extensa liberdade básica compatível com semelhante liberdade para as outras; 2. As desigualdades sociais e econômicas devem ser arranjadas de tal modo que: a. possa razoavelmente esperar-se que sejam vantajosas para todos; b. sejam vinculadas a posições e cargos abertos a todos68.

Como o homem vive em sociedade e coexiste com outros homens e, nessa relação há um embate, cabe ao direito estabelecer o lícito e o ilícito. “Se o direito é vida humana, seu ser, ou sua essência, é o seu existir, em sentido existencial69”.

Na verdade, o sistema jurídico faz parte do sistema social. Logo, toda norma jurídica é social. Contudo, a recíproca não é verdadeira, vez que nem toda norma social é jurídica.

Com muita propriedade, José de Albuquerque Rocha, traçando um elo entre o direito e a sociedade, afirma:

O direito, ao agir sobre a sociedade é, ele próprio, o produto de determinações sociais. Todavia, do fato de o direito ser produto de determinações sociais não podemos concluir seja mero reflexo do social, isto é, que possa ser deduzido diretamente da realidade socioeconômica. Isso é uma forma opaca de explicar como a realidade social transforma-se em direito. O direito nem é um sistema fechado, auto-regulado, nem um sistema aberto, hetero-regulado, mas um sistema dotado de autonomia relativa70.

68 FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Helvética Editorial Ltda, 1994, p. 149.

69 DINIZ, Maria Helena. A Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1966, p.51. 70

O homem, por natureza, é um ser social, em permanente interação com seu semelhante; vivendo em sociedade, estabelece consciência grupal e relações sociais, criando cultura; ao adquirir a natureza social, satisfaz suas necessidades, adapta-se ao meio ou adapta o meio a si, modificando-o.

A sociedade é dinâmica, desenvolve-se e modifica-se por força de acontecimentos econômicos, políticos, científicos, tecnológicos, dentre outros; sendo assim também o direito.

Uma das maiores novidades introduzidas pela Constituição Democrática de 1988 foi, sem dúvida, conforme já referido, a valorização do Ministério Público como órgão de defesa da sociedade, que passou a dispor de uma instituição pública para patrocinar os seus interesses contra detentores do poder político e econômico, inclusive contra o próprio Estado e seus agentes. Enquanto guardião da sociedade exige atuação pró-ativa e é também provedor do acesso da sociedade civil organizada aos direitos fundamentais. É, por conseguinte, indispensável na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Embora a sociedade não tenha conhecimento das reais atribuições conferidas aos membros do Ministério Público pela Constituição Federal, confia em suas atuações porque percebe que estes exercem as suas funções com seriedade e independência, na luta pelos anseios dos seus legítimos representantes. Muitas vezes, o Ministério Público é visto pela sociedade como a última esperança para a solução do seu problema, bem como para a construção de um país, no qual a liberdade, a igualdade e a fraternidade sejam uma realidade ao alcance de todas as pessoas71.

O atendimento ao público exerce uma função de especial relevância para a instituição ministerial. Através dele, a sociedade, com raras exceções, confia, espera e acredita em uma solução mais rápida, justa e eficaz72.

O Ministério Público prima por uma sociedade justa, que assegure a cada um dos seus membros o mínimo necessário de que ele carece, individual e socialmente, não apenas para sobreviver, mas para viver condignamente, dispondo de todos os direitos, como: direito à

71 CAMPOS, Teresinha de Jesus Moura Borges. A importância do Ministério Público junto ao consumidor. Teresina: Livraria Nobel, 2004, p.49.

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vida, à saúde, à liberdade, à habitação, à educação, ao trabalho e ao lazer, à eleição e à segurança.

Para alguns, é o Ministério Público criação costumeira; a lei tão somente o adaptou. A esta colocação se contrapõe Renan Cunha, afirmando que:

“O Ministério Público é, sobretudo, criação do Estado moderno, parece-nos que os exemplos de alguns doutrinadores não buscar na legislação dos povos da antiguidade se por vezes e no desdobrar de suas funções assemelham-se ao atual Ministério Público, este, como instituição diferenciada, é criação mais ou menos recente. E em plena evolução, o que explica a confusão doutrinária e legislativa que o envolve73.

Como salienta Anamaria Vasconcelos,

“Cabe ao Ministério Público, a busca da verdade, mesmo que esta implique em interesses opostos ao do Estado. Não tem o Ministério Público interesse particular na causa. O que o move é o ideal maior de justiça. Não é o Ministério Público parte e sim órgão de defesa social visando ao ideal de justiça, distinto do Poder Judiciário, pois sua tarefa é a de promover, requerer; também distinto da administração, vez que esta tem interesses que por vezes são distintos do ideal colimado pela instituição e, acima de tudo, exercendo papel relevante na apreensão da prova. Seu interesse é o interesse do Estado organização política, que não pode ser outro que o de garantia dos seus membros e só deve obediência à lei, e por este respeito a esta é que ele na relação processual assume diferentes posições, porque a finalidade do justo deve elevar-se a qualquer outro interesse74.

Entre os valores fundamentais da democracia está o acesso à Justiça, que deve estar ao alcance de todos indistintamente. A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º estabelece o princípio da igualdade, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza75”. Logo, não se admite discriminação de qualquer modalidade; todos devem ser tratados de forma igual perante a lei. Esta igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, com os mesmos direitos e obrigações, e desigualmente os desiguais. Rodrigo César Pinto vai mais além quando declara: “Tratar igualmente os desiguais seria aumentar a

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CUNHA, Renan Severo Teixeira da. Ministério Público: órgão da lei em defesa da ordem jurídica. Justitia: Anais do I Congresso do Ministério Público de São Paulo, 1971.

74 VASCONCELOS, Anamaria. Prova do Processo Penal. Belo Horizonte, Del Rey, 1992, p.101-106.

75 PINTO, Antônio Luiz de Toledo; VAZ, Márcia Cristina e CÉSPEDES, Lívia. Código Civil e Constituição

desigualdade existente. Nem todo tratamento desigual é inconstitucional, somente o tratamento desigual que aumenta a desigualdade naturalmente já existente76”.

Ocorre, todavia que, na prática, a possibilidade de acesso à Justiça não é igual para todos. As desigualdades econômicas, sociais, culturais, regionais e etárias, são evidentes. Nesse momento é que surge o Ministério Público, instituição dotada de autonomia e independência funcional para tentar assegurar o equilíbrio, na preservação dos valores democráticos, na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. “Independência é o oposto a hierarquia funcional. No Brasil, o Ministério Público só conhece hierarquia em sentido administrativo, pois detém a autonomia funcional (autonomia em face de outros órgãos do Estado) e, tanto seus órgãos, como seus membros gozam de plena independência funcional (independência em face de outros órgãos do mesmo MP)77”.

É neste contexto, destarte, que Hugo Mazzilli confirma a sua tese, em relação às funções típicas e atípicas do Ministério Público, ao argumentar:

“desde que haja alguma característica de indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse ou desde que a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convenha à coletividade como um todo, aí será exigível a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público junto ao Poder Judiciário78”.

O Estado de Direito reconhece os direitos fundamentais da pessoa humana, os direitos essenciais a uma vida digna. Como agente público e defensor dos direitos da sociedade, o Ministério Público deve trabalhar em prol das crianças, adolescentes e jovens, cobrando do Poder Público a implantação e efetivação de Políticas Públicas, mais especificamente de ações que favoreçam e garantam a esta escala da população proteção integral, tais como: a) políticas sociais básicas, que contemplem a todos indistintamente, como, no caso: educação, saúde, cultura, esporte, moradia, b) políticas assistenciais, que atuam em caráter supletivo, temporário ou definitivo, como as creches comunitárias, cestas básicas, bolsa família; c. políticas de proteção especial, quando ocorrem situações de risco pessoal e social, no caso de instituições de acolhimento, programas de combate ao trabalho infantil, de drogadição, dentre outros e por fim, d. políticas de garantia de direitos, através de ações que visam garantir o

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PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. (Coleção Sinopses Jurídicas). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.96. vol. 17.

77 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio

cultural, patrimônio público e outros interesses. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 404.

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cumprimento dos direitos assegurados nas Constituições, em Leis específicas, nos Conselhos, dentre outras.

Urge destacar que, como agente de transformação da sociedade, o representante do Ministério Público deve ser uma pessoa marcante na vida da comunidade, deve envolver-se nela para poder servi-la devidamente. Cumpre a ele, como agente de transformação da sociedade, informar o cidadão sobre os seus direitos constitucionais, dado que a Constituição Federal de 1988 o aproximou do povo e lhe conferiu novas e importantes atribuições na defesa da cidadania79.