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CAPÍTULO II: DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS DIREITOS HUMANOS

1.1. Terminologias e conceitos jurídicos: uma perspectiva luso-brasileira

No Brasil, antes do advento da lei nº. 8.069/1990, de 13 de julho, denominada “Estatuto da Criança e do Adolescente”, a terminologia usada era “Direito de Menores” a criança e o adolescente eram considerados como menores em situação irregular, objetos de direitos. Presentemente no Brasil se utilizam as expressões “Direito da infância e da juventude” e “Direito da criança e do adolescente”; a doutrina da situação irregular foi substituída pela doutrina da proteção integral e a criança e o adolescente passaram a ser sujeitos de direitos. O art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O parágrafo único deste dispositivo legal declara que nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

O antigo Código Civil Brasileiro, Lei nº. 3.071/1916, de 1º de janeiro estipulava que a menoridade era estendida até os vinte e um anos completos, quando a pessoa ficava apta para todos os atos da vida civil. O Estatuto entrou em vigor sob a égide deste Código. Ocorre, todavia que, o atual Código Civil, Lei nº. 10.406/02 diminuiu esta idade para dezoito anos, tendo então, surgido alguns questionamentos. Como o Estatuto da Criança e do Adolescente é lei especial prevalece sobre a geral, ficando o limite para a liberação compulsória, caso o adolescente esteja cumprindo a medida socioeducativa de internação, aos vinte e um anos (art. 121 § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Em relação ao direito civil, a regra estabelecida no Estatuto não é aplicada, por ter o Código Civil de 2002 fixado a maioridade civil em dezoito anos.

Aos adolescentes autores de atos infracionais, aqueles atos descritos como crimes ou contravenções penais, se aplicam medidas chamadas socioeducativas. “Considera-se inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente aquele agente que, ao tempo do fato, tinha menos de

dezoito anos de idade241”. Caso tenha praticado ato infracional depois dos dezoito anos, a competência passa a ser da justiça comum. Às crianças que praticam atos infracionais são aplicadas medidas protetivas (art. 101242 do ECA) e aos adolescentes infratores podem ser aplicadas medidas protetivas e socioeducativas (art. 112 do ECA243).

241 Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenador Munir Cury. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.23.

242 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.177/179 e 112/113. Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. § 1o O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. § 2o Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.

§ 3o Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros: I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos; II - o endereço de residência dos pais ou do responsável, com pontos de referência; III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda; IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar. § 4o Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta, observadas as regras e princípios desta Lei. § 5o O plano

individual será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento e levará em consideração a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do responsável. § 6o Constarão do plano individual, dentre outros: I - os resultados da avaliação interdisciplinar; II - os compromissos assumidos pelos pais ou responsável; e III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação judicial, as providências a serem tomadas para sua colocação em família substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária. § 7o O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável e, como parte do processo de reintegração familiar, sempre que identificada a necessidade, a família de origem será incluída em programas oficiais de orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado e estimulado o contato com a criança ou com o adolescente acolhido. § 8o Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar ou institucional fará imediata comunicação à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. § 9o Em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de tutela ou guarda. § 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda. § 11. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro contendo informações atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar e institucional sob sua responsabilidade, com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica de cada um, bem como as providências tomadas para sua reintegração

Em sentido genérico, Direito da Infância e da Juventude é o sistema de métodos de estudo, doutrina, princípios e normas jurídicas aplicáveis às relações ocorrentes na interação social, concernentes às pessoas, aos bens e aos interesses dos que se acham em fase de desenvolvimento biopsicossocial244. Pode-se dizer que é especialmente um ramo novo do Direito público, da categoria dos direitos humanos fundamentais e tem como objeto o estudo sistemático da doutrina da proteção integral da criança, do adolescente e do jovem e aplicação, em concreto, da legislação específica. No caso do Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou o art. 227 da atual Constituição Federal, o qual expressa os direitos da população infanto juvenil e a obrigatoriedade da família, da sociedade e do Estado garanti- los. Este artigo referia-se apenas aos termos “criança e adolescente”; no entanto, após promulgação e publicação da Emenda Constitucional nº 65, de 13/07/2010, que alterou o referido dispositivo legal, para cuidar dos interesses da juventude, o termo “jovem” foi incluído no mesmo.

Enquanto no Brasil a designação utilizada para a população infanto - juvenil é “criança e adolescente”, em Portugal é “crianças e jovens”. Nos termos do art.122 do Código Civil Português, é menor quem não tiver completado dezoito anos de idade. Art. 123 “salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício dos direitos245”. Este Código sofreu várias modificações; a última delas através da Lei nº. 23/2010, de 30 de agosto246.

familiar ou colocação em família substituta, em qualquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 12. Terão acesso ao cadastro o Ministério Público, o Conselho Tutelar, o órgão gestor da Assistência Social e os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, aos quais incumbe deliberar sobre a implementação de políticas públicas que permitam reduzir o número de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e abreviar o período de permanência em programa de acolhimento.

243 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua

capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

244 TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 31. 245 ROCHA, Isabel. Coordenadora. Código Civil Português. 11ª ed. Porto: Porto Editora, 2009, p.48.

246 O Decreto-Lei nº. 47344/66, de 25 de Novembro disciplinava em seu art. 122º o seguinte: “São menores as pessoas de um e outro sexo enquanto não perfizerem vinte e um anos de idade”. Posteriormente, o DL nº.

496/77, de 25/11 modificou este artigo, que passou a estabelecer o seguinte: “É menor quem não tiver ainda

completado dezoito anos de idade”. Disponível em:

http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?ficha=101&artigo_id=&nid=775&pagina=2&tabel a=leis&nversao. Acesso em: 21/03/2010.

Em Portugal, a maioridade penal ocorre aos 16 anos, sendo os jovens a partir desta idade penalmente imputáveis. Os jovens entre 16 e 21 anos estão sujeitos a um Regime Penal Especial, conforme previsto no artigo 9º. do Código Penal247.

Nos termos do artigo 1º da Lei Tutelar Educativa, Lei nº. 166/99, de 14 de Setembro, “a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”.

De acordo com este artigo, menor é todo ser humano que tenha idade compreendida entre 12 a 16 anos. O art. 2º cita as finalidades das medidas248. Segundo Anabela Rodrigues e António Carlos, tendo em conta os objetivos da intervenção tutelar educativa, que visa a socialização do menor, fixou-se nos 12 anos a idade mínima do menor para que a prática de um fato qualificado pela lei como crime possa assumir relevância à luz da Lei Tutelar Educativa. Para eles, o sentido educativo e socializador da intervenção tutelar revela uma conformidade de princípio com as exigências de defesa da sociedade. E concluem afirmando que o Estado não pode alhear-se do dever que lhe cabe de assegurar a paz social e a proteção de bens jurídicos essenciais da comunidade apenas porque a ofensa provém de um cidadão menor249.

A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei nº. 147/99, de 01 de Setembro, que sofreu uma modificação através da Lei nº. 31/2003, de 22/08, considera em seu art. 5º criança ou jovem a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos. Este artigo assim descreve, ipsis litteris: “Artigo 5. º Definições: Para efeitos da presente lei, considera-se: a) Criança ou jovem - a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos; b) Guarda de facto -

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Código Penal Português. Redação resultante das alterações introduzidas pela Lei nº. 61/2008, de 31/10 24ª versão-Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=109&tabela=leis. Acesso em: 20/03/2010.

248 RAMIÃO, Tomé. Lei Tutelar Educativa. 2ª ed. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2007, p. 35.

Artigo 2. º: Finalidades das medidas: 1 - As medidas tutelares educativas, adiante abreviadamente designadas

por medidas tutelares, visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. 2 - As causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa são consideradas para a avaliação da necessidade e da espécie de medida.

249 RODRIGUES, Anabela Miranda e DUARTE-FONSECA, António Carlos. Comentário da Lei Tutelar

a relação que se estabelece entre a criança ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funções essenciais próprias de quem tem responsabilidades parentais; c) Situação de urgência - a situação de perigo actual ou eminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem; d) Entidades - as pessoas singulares ou colectivas públicas, cooperativas, sociais ou privadas que, por desenvolverem actividades nas áreas da infância e juventude, têm legitimidade para intervir na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem em perigo; e) Medida de promoção dos direitos e de protecção - a providência adoptada pelas comissões de protecção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo; f) Acordo de promoção e protecção - compromisso reduzido a escrito entre as comissões de protecção de crianças e jovens ou o tribunal e os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto e, ainda, a criança e o jovem com mais de 12 anos, pelo qual se estabelece um plano contendo medidas de promoção de direitos e de protecção.”

Como expressa Beatriz Borges, o conceito de criança, por oposição ao conceito de jovem, abrange sob o ponto de vista biológico e psicológico o primeiro período do desenvolvimento do ser humano, correspondendo tal período ao que decorre entre o nascimento e a adolescência (até cerca de 12 anos); e o jovem, que também poderia ser designado por adolescente, pelo contrário, encontra-se numa fase de desenvolvimento entre a infância e a idade adulta, a que corresponde biologicamente uma idade que pode ser delimitada, em traços amplos, entre os 12 e os 20 anos250.