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2 L EIS E P RINCÍPIOS DO J OGO DE F UTSAL

3.1 Disponibilidade cognitivo-motora

Konzag, Döbler e Herzog (2003, p.17) referem que a atividade de futebolistas “[...] está determinada por complicadas inter-relações das exigências tanto físicas como psíquicas, locomotoras, táticas e de cooperação. Cada um desses campos participa do rendimento geral do esportista”. Logo, a melhora do desempenho esportivo é impulsionada quando o processo de ensino-treino é pensado numa perspectiva sistêmica, investindo no domínio da técnica (vertente gestual), na adaptação do organismo ao esforço requisitado (vertente metabólica e energética), na autonomia estratégico-tática (vertente cognitiva) e na componente psicológica (vertente emocional) (RUIZ PÉREZ; ARRUZA GABILONDO, 2005), pois esses são componentes do rendimento que se inter-relacionam quando da tomada de decisões (seleção da resposta).

FIGURA 78 − Relação entre os diferentes componentes do treinamento esportivo Fonte: RUIZ PÉREZ; ARRUZA GABILONDO, 2005, p.36.

Entretanto, dependendo das características do esporte, a importância de cada recurso deve ser avaliada e receber um tratamento específico. Nos esportes coletivos em particular, sabe-se que os jogadores se defrontarão no jogo com um complexo sistema de referência com vários componentes (colegas, adversários, bola, espaço de jogo, metas para atacar e defender etc.). Isso exigirá muito das funções mentais ou cognitivas (COSTA et al, 2002; SISTO; GRECO, 1995; TAVARES, 1993), exigindo dos participantes uma permanente atitude estratégico-tática (GARGANTA, 2000).

Greco (2003, p.42) adverte que o atleta ao se defrontar

[...] com problemas que exigem soluções num sistema de múltiplas referências, nos quais existem pressões e solicitações fisiológicas e funcionais, condicionam-se e solicitam-se paralelamente também as suas funções psicológicas, especificamente os processos cognitivos.

Não obstante essas evidências, Ruiz Pérez e Sánchez Bañuelos (1997) referem que as atenções do treinador de esporte coletivo têm se direcionado para a eficiência do gesto (recursos técnicos) e do esforço empregado (recursos energéticos), ou seja, para a relação existente entre o nível do resultado obtido e o gasto empregado para se alcançar este resultado. Essa postura é ratificada por Abernethy, Wann e Parks (2000, p.24), para quem, no treinamento das modalidades de técnica aberta78, como é o caso do futsal, “[...] a prática de elementos técnicos de execução do movimento [...] ocupa um tempo de treinamento excessivamente grande”; também por Faria e Tavares (1996, p. 34), quando reportam que os treinadores de

78 Tani e Corrêa (2006, p.16) observam que “[...] os sistemas abertos são aqueles que obtêm, utilizam e trocam matéria/energia e informação com seu meio ambiente. Essas trocas permitem que o sistema altere a organização interna”.

esportes coletivos, frequentemente, têm transformado o treino “[...] numa mera gestão de processologias técnicas e táticas”.

Ao se agir assim se menospreza, erroneamente, a vertente tática, isto é, a capacidade perceptiva e a tomada de decisão (GRAÇA, 1998). O equívoco reside no fato de que, em função das características flutuantes, imprevisíveis e aleatórias que caracterizam o esporte coletivo, essa dimensão ocuparia o núcleo da estrutura de rendimento (GARGANTA, 1997). Por extensão, “[...] a função principal dos demais factores, sejam eles de natureza técnica, física ou psíquica, é a de cooperar no sentido de facultarem o acesso a desempenhos tácticos de nível cada vez mais elevados” (GARGANTA, 1998, p. 13). Isso, segundo este autor, não anularia a importância das demais dimensões, na medida em que um plano tático não poderia ser realizado sem habilidades técnicas, capacidades cognitivas, físicas e psíquicas à altura. Apenas, a seu ver, a “maestria” tática (decidir acertadamente) constitui-se central, uma vez que daria condições de o atleta aproveitar eficazmente, em situação de jogo, os seus recursos técnicos, cognitivos, físicos e emocionais.

FIGURA 79 − Posição nuclear da dimensão tática no esporte coletivo Fonte: Adaptado de GARGANTA, 1998.

Igualmente, Tani e Corrêa (2006, p.17) destacam a singularidade da dimensão tática para o esporte coletivo ao explicarem que este último, em função da sua natureza aberta, se caracteriza por um “jogo de informação”. Logo, “[...] não adianta uma equipe ter jogadores bem condicionados fisicamente se eles não conseguirem lidar com a informação, isto é, criar incerteza no sistema adversário e reduzir as incertezas por ele criadas no seu sistema”. Em esportes coletivos, “[...] para ser eficaz não basta chegar mais longe, nem saltar mais alto, nem ser mais

forte. É imprescindível ser mais rápido e melhor a pensar, a encontrar soluções, a perceber o erro, a descodificar79 os sinais do envolvimento” (GARGANTA, 2002, p.293).

Mombaerts (1996, p.17) concorda com Garganta (1998), pois acredita que os recursos táticos “[...] permitem a utilização inteligente dos recursos técnicos e físicos” e, mais ainda, que as possibilidades de êxito estão muito relacionadas à gestão inteligente da relação de oposição (exploração das situações favoráveis de ataque em relação à defesa e vice-versa).

Por um lado, nota-se nessas assertivas que há, de fato, uma centralidade tática quando da prestação esportiva de um jogador de futsal ditada pelas demandas ambientais, pois o contexto “[...] está cheio de informações que devem ser captadas, selecionadas e interpretadas pelo esportista a fim de que ele possa empregá-las na elaboração de cada projeto motor” (RUIZ PEREZ; ARRUZA GABILONDO, 2005, p. 83). Mas, por outro lado, nos parece, sobretudo, que a complexidade do esporte coletivo, evidenciada pela imprevisibilidade, riqueza, aleatoriedade e variabilidade das situações táticas que se apresentam (GARGANTA, 1998; GRECO, 2003), denuncia que o jogador deve ser treinado, permanentemente, para apresentar uma disponibilidade cognitivo-motora que possa dar conta de resolver possíveis situações-problema que enfrentará no transcorrer de uma partida (BAYER, 1994).

Christina (2005) elucida essa inter-relação (cognição80-ação81) ao referir que em esportes coletivos ser técnico não garante decidir bem, ou seja, o esportista pode exibir técnicas de execução corretas, mas decidir erroneamente ou ainda demorar-se na escolha do que fazer numa situação de jogo. Do mesmo modo, decidir acertadamente não garante êxito na execução. Por isso, para o autor a chave seria treinar os esportistas para eleger respostas corretas e executá- las corretamente. Nota-se, portanto, uma relação de interdependência entre cognição e ação, intenção e gesto, tática e técnica (FERREIRA, 2002; GRECO, 1999; MESQUITA, 2000).

Greco (1999, p. 125) ratifica a inseparabilidade entre cognição e ação nas ações esportivas, “[...] representando desde ‘o que fazer’, até a tomada de decisão, à escolha mental entre diferentes opções e alternativas que podem se apresentar numa situação, até o momento da realização, via execução do movimento".

79 Para Tavares (1998, p.41) “[...] quanto mais baixo é o nível de prática dos jogadores, mais as capacidades de descodificação da informação são limitadas. Por isso, os indivíduos experientes identificam e isolam mais rapidamente os índices pertinentes, enquanto os indivíduos menos experientes declaram ver demasiadas coisas e de ficarem confusos”.

80 Para Greco (1999), a cognição abrange a somatória de processos cognitivos que nos permitem adquirir conhecimento para solucionar problemas.

81 Greco (1999) explica que a ação, em esportes, se refere a um gesto ou movimento que o jogador faz o mais próximo das exigências situacionais (por isso, flexível no seu padrão), sem requisitar alto nível de atenção na fase de execução.

Rink et al (1996) citados por Garganta (2002, p. 295), destacam um conjunto de traços cognitivos e motores que caracterizariam a excelência de jogadores de elite de esportes coletivos.

QUADRO 26

Disponibilidade cognitivo-motora de jogadores experientes

No nível cognitivo No nível da execução motora Conhecimento82 declarativo e processual mais

organizado e estruturado

Taxa elevada de sucesso na execução das técnicas durante o jogo

Processo de captação da informação mais eficiente Maior consistência e adaptabilidade nos padrões de movimento

Processo decisional mais rápido e preciso Movimentos automatizados, executados com superior economia de esforço

Reconhecimento dos padrões de jogo mais rápido e preciso (sinais pertinentes)

Conhecimento tático superior

Maior capacidade de antecipação dos eventos do jogo e das respostas do oponente

Conhecimento superior das probabilidades situacionais (evolução do jogo)

Capacidade superior de detecção dos erros e de correção da execução

Fonte: GARGANTA, 2002, p. 295.

Vê-se, pelo quadro, que a ação esportiva, uma forma de expressão do comportamento do jogador (SISTO; GRECO, 1995), é sempre sistêmica e tática (GRECO, 2003). Por conseguinte, o seu resultado reflete a soma de processos sensoriais, motores e cognitivos, que sejam necessários para a recepção e elaboração de informações (GRECO, 1995).