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O futsal do ponto de vista da comunicação motriz

QUADRO 2 A identidade do futsal

1.8 O futsal do ponto de vista da comunicação motriz

A comunicação motriz está diretamente relacionada à interação ou relação entre os participantes (HERNÁNDEZ MORENO, 1999). Para Parlebas (1998, p.81), nos esportes coletivos esta operação “[...] iniciada por um ou vários participantes, favorece diretamente a realização da tarefa21 de outro ou de outros jogadores”.

A comunicação trata, portanto, do conceito de “jogar com”, uma das características específicas dos esportes coletivos. Isso supõe a adoção por parte da equipe de um

19 Exceção feita ao goleiro na sua meia-quadra, que tem de respeitar o limite máximo de quatro segundos de posse de bola. 20 Hernández Moreno (1998) estimou em 14 segundos a média de tempo de pausa e de participação no futsal; Chaves Chaves e

Ramírez Amor (1998) monitoraram o tempo de duração do ataque rotacional em equipes espanholas da Divisão de Honra e da Divisão de Prata, de 20 a 40 segundos.

21 Parlebas (1998, p.441) explica que as equipes de esportes coletivos constituem um grupo com uma tarefa a realizar e que “[...] a eficácia com que elas conseguem fazer isso se ‘resume’, ao final do encontro, nas pontuações de ambas as equipes”.

referencial comum, isto é, de “[...] uma organização colectiva que permite a cada um assinalar-se e situar-se face aos outros, e de comunicar com seus companheiros, o que significa a elaboração duma linguagem comum que vai facilitar a compreensão dos outros” (BAYER, 1994, p. 67).

Blázquez Sánchez (1986, p. 32) acrescenta que a comunicação no seio dos esportes coletivos se trata de uma “[...] comunicação insólita, na medida em que palavras não são utilizadas, nem uma transmissão verbal de informações, mas, sem dúvida, é uma autêntica comunicação”.

Hernández Moreno (1998) enfatiza que o comportamento dos jogadores e, consequentemente, as ações de jogo, dependem, em larga medida, da comunicação que o tipo de esporte lhes permite estabelecer. Para este, no caso do futsal, todo comportamento, por exemplo, o passe, um chute no gol, o deslocamento defensivo, é portador de um significado. Por extensão, pode-se afirmar que os jogadores de futsal são “comunicantes”, na medida em que

[…] devem estar constantemente ajustando seus comportamentos uns aos outros. Isto os obriga a tratar de prevenir onde estarão e que farão os demais participantes, isso faz que os jogadores tenham que estar em constante antecipação e tenham que prever e predizer, para de esta forma poder responder adequadamente às solicitações de seus companheiros e às ações de seus adversários. (HERNÁNDEZ MORENO, 1998, p. 79).

Ao nosso juízo, há três pontos desta última assertiva que não podem passar despercebidos: (1º) a comunicação não é apenas verbal, como costumeiramente se atribui, mas também não-verbal (gestual). Blázquez Sanchez (1986, p. 32) adverte que “[...] a palavra não é o meio normal de expressão do esportista quando está sobre o terreno de jogo”; (2º) o jogo de futsal exige de quem joga um comportamento ancorado em processos perceptivo-cognitivos, isto é, de percepção, análise (antecipação) e tomada de decisão (BIANCO, 2006; GRECO, 1998a; MAHLO, 1997). Parlebas (1998, p. 448) refere que, por isso, é importantíssimo decodificar “[…] o comportamento do adversário quando este ainda se encontra em seu início. Decodificar os comportamentos dos demais jogadores é tentar ler o futuro”; (3º) De que “[...] partindo do modelo gestual ou verbal, cada jogador pode comunicar-se com todos, dado que os canais de comunicação são todos utilizáveis e por todos os jogadores” (HERNÁNDEZ MORENO, 1998, p.77).

Para Hernández Moreno (1998) e Sampedro (1999), ao se relacionar com os companheiros e com os adversários, os jogadores estabelecem uma comunicação motriz de tipo essencial22 direta e indireta.

A comunicação direta são as ações claramente observáveis e identificáveis, como as marcações, os passes, chutes etc.

A comunicação indireta diz respeito às ações que preparam ou favorecem a comunicação direta, como as fintas para receber a bola, os gestos que combinam jogadas ensaiadas etc.

FIGURA 04 − Tipos de comunicação no futsal. Fonte: Adaptado de HERNÁNDEZ MORENO, 1998.

A comunicação direta constitui as chamadas redes de comunicação23 e contra comunicação24. Tais redes, considerando os dispositivos regulamentares, “[...] constituem uma fonte de discriminação própria do jogo esportivo dado que nos determinam os tipos de interação motriz que podem se dar na ação de jogo” (HERNÁNDEZ MORENO, 1998, p. 78).

A comunicação indireta se materializa a partir da produção de gestemas e de praxemas. Esses códigos constituem comunicações do tipo não-verbal. Enquanto os gestemas se articulam pela produção de gestos convencionais, como por exemplo, levantar a mão para

22 Segundo Sampedro (1997), a interação motriz essencial seria toda relação motriz que participa de forma constitutiva para o cumprimento instrumental da tarefa e que é realizada pelos jogadores, respeitadas as regras do jogo. Esses jogadores deveriam estar imersos numa mesma situação motriz, na qual interagissem num espaço e tempo comuns e com uma participação simultânea. Hernández Moreno (1998) refere-se também à interação práxica (ou motriz) não essencial. Por exemplo, as dicas do treinador e a manifestação do público.

23 Estabelecida entre companheiros de equipe. Por exemplo, um passe. Tratar-se-ia de uma comunicação positiva. (BLÁZQUEZ SÁNCHEZ, 1986).

24 Estabelecida com o adversário. Por exemplo, um desarme. Tratar-se-ia de uma comunicação negativa. (BLÁZQUEZ SÁNCHEZ, 1986).

solicitar uma jogada ou para pedir a bola, os praxemas exigem do jogador um comportamento motor, como por exemplo, desmarcar-se para receber a bola a fim de finalizar a gol. Para Hernández Moreno (1998) é exatamente esta associação entre um significado comportamental (fintar para receber a bola) e um significado tático (objetivo de finalizar a gol) o que constitui um

praxema.

Num esporte como o futsal, em que os jogadores compartilham o mesmo espaço e podem participar simultaneamente sobre a bola, a comunicação direta, evidentemente, é a mais visível. Porém, os gestemas (gestos convencionais, mímicas) e os praxemas (comportamento motor com objetivo tático) transformam-se em códigos que têm o poder de influenciar na eficácia da comunicação e da contra comunicação, ou seja, eles devem ser produzidos de modo que “[...] sejam facilmente interpretados por seus companheiros e incompreensíveis ou de difícil interpretação para os adversários” (HERNÁNDEZ MORENO, 1998, p. 81).

Parlebas (1998, p.85) explica que

A comunicação práxica indireta é muito menos espetacular e frequentemente menos notada que a comunicação práxica direta. Porém, é ela quem faz possíveis e eficazes, mediante a colocação em jogo do conjunto de seus atos de pré-ação (jogo sem bola, condutas de aproximação ou de desvio…), os comportamentos diretos de comunicação e contra comunicação motrizes (passes, lançamentos…).

Garganta (1998) chama a atenção para o fato de que a comunicação, segundo o nível de jogo dos jogadores, sofre uma evolução ao longo do processo de ensino-treino dos esportes coletivos, rumando do abuso da verbalização para a prevalência de uma comunicação motora.

FIGURA 05 − Evolução da comunicação segundo o nível de jogo. Fonte: Adaptado de GARGANTA, 1998.

Para o autor, o abuso da comunicação verbal denota um fraco nível de jogo. Neste, os jogadores aglomeram-se em torno da bola e a querem somente para si, não procuram espaços para facilitar o passe do colega que tem a bola, não defendem, estão sempre a falar para pedir a bola ou criticar os colegas, não respeitam as decisões do árbitro. Por outro lado, a prevalência da comunicação motora expressa um bom nível de jogo, no qual os jogadores fazem correr a bola, afastam-se do colega que a tem, dirigem-se para espaços vazios no sentido de recebê-la, de posse da mesma lêem o jogo, criam linhas de passe, não esquecem o objetivo do jogo (fazer e evitar gols).

Sampedro (1999) expressa que a comunicação verbal no esporte, muitas vezes, é inconveniente, porque revelaria para o adversário os planos da equipe, sobretudo no ataque. Para o autor, quando da iniciação esportiva, o uso exagerado dessa forma de comunicação enfraquece as relações entre os jogadores.

Nessa direção, é emblemático o depoimento de Blázquez Sánchez (1986, p. 31) de que “Em partidas de jogadores iniciantes é curioso observar o alto grau de linguagem falada que utilizam. Falam entre si, gritam, interpelam-se... A palavra está sempre presente. Em contrapartida, os encontros de alto nível são surpreendentemente silenciosos”. Para o autor, esse parâmetro configurador ensina, sobretudo, que há nos esportes coletivos “[...] uma forma de linguagem motora que é preciso decodificar. O jogador deve aprender a decifrar os signos e sinais que se utilizam nos esportes de equipe e que vão servir como meio de comunicação” (BLÁZQUEZ SÁNCHEZ, 1986, p.32).