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Estratégia e tática: diferenças e interface

QUADRO 2 A identidade do futsal

1.11 O futsal do ponto de vista da estratégia

1.11.1 Estratégia e tática: diferenças e interface

No que pese a relevância desses conceitos para os esportes coletivos em geral e para a caracterização do futsal em particular, o significado e o emprego de ambos não são consensuais na literatura, isto é, “[...] sempre tiveram contornos pouco claros e imprecisos” (GARGANTA; OLIVEIRA, 1996, p. 9). Isso tem gerado, por um lado, o equívoco de esses conceitos serem utilizados indistintamente (BLÁZQUEZ SÁNCHEZ, 1986) e por outro lado, ao juízo de Garganta (2000), um equívoco ainda maior: o de serem compreendidos, habitualmente, de forma desassociada.

Estratégia e tática são conceitos que não poderiam ser usados indistintamente. Isso porque a estratégia, temporalmente, antecederia a tática37 (ROMÁN SECO, 1999; TEODORESCU, 1984; TSCHIENE; BARTH, 2004). Por conseguinte, diferenciar-se-iam. Enquanto a tática se refere mais ao conjunto de ações que se desenvolve durante o jogo (ARDÁ SUÁREZ; CASAL SANJURJO, 2003; SAMPEDRO, 1997), mais à capacidade de o jogador de se adaptar as diferentes e flutuantes situações que o jogo lhe impõe (PAULA; GRECO; SOUZA, 2000; VELASCO TEJADA; LORENTE PEÑAS, 2003), como “[...] algo que se refere à forma como os jogadores e as equipas gerem os momentos do jogo, no seu decurso” (GARGANTA, 2000, p. 51), a dimensão estratégica representa o plano de ação para o jogo (GARGANTA, 2000), que tem a ver com a disciplina tática, com a adaptabilidade do jogador aos diferentes sistemas empregados pela equipe em diferentes situações de jogo (VELASCO TEJADA; LORENTE PEÑAS, 2003), com a concepção do jogo (TEODORESCU, 1984)38.

Teodorescu (1984, p. 37) explica que a elaboração de um “[...] plano táctico especial39, a preparação da sua aplicação através do treino, bem como outras medidas anteriores ao jogo, constituem a estratégia”. Neste sentido, esta se restringiria “[...] ao que se passa colateralmente ao jogo propriamente dito, e aos aspectos que dependem, sobretudo, da intervenção do treinador” (GARGANTA, 2000, p. 51) e a dimensão tática se referiria à aplicação da estratégia às condições específicas do confronto, ou seja, “[...] como forma de resolução dos problemas que o atleta enfrenta em forma de situações de jogo” (PAULA; GRECO; SOUZA,

37 Diferentemente, para Blázquez Sánchez (1986) a tática antecederia a estratégia. Isso porque aquela seria um meio de agir preestabelecido e esta seria o que o jogador, no decorrer do jogo, cria e desenvolve. Idéia esta refutada nesta tese.

38 Para Teodorescu (1984, p. 36) “[...] as particularidades ou características da aplicação da táctica por uma equipa”.

39 O plano tático especial é a elaboração de uma estratégia em função do adversário. “[...] representa também uma concepção de jogo, mas com aplicação temporária (só para aquele jogo, contra aquele adversário). (TEODORESCU, 1984, p.37)”.

2000, p.14). Para os autores, alguns dos componentes que são contemplados pelo atleta e se inter- relacionam na situação de jogo são: tempo, espaço, companheiros, adversários, bola, placar, objetivos e metas a alcançar.

QUADRO 5

Diferenças entre estratégia e tática

Estratégia Tática Treinador Jogador

Plano de ação para o jogo Execução dos planos de ação Previsível Imprevisível

Antes do jogo No decorrer do jogo Capacidade de o jogador de se adaptar aos diferentes

sistemas da equipe Capacidade de o jogador de se adaptar às situações de jogo Concepção do jogo Gestão dos momentos do jogo

Visão prospectiva (futura) Ação - resolução de problemas Relaciona-se com os fins da mudança Relaciona-se com os meios a utilizar Fontes: Adaptado de GARGANTA, 2000; 2006; GARGANTA; OLIVEIRA, 1996.

Em consonância com o quadro, constituir-se-iam atitudes estratégicas, por exemplo, estudar o adversário, escolher e treinar um desenho tático ofensivo, um tipo de marcação, jogadas ensaiadas para as diferentes situações de bola parada e em movimento, optar por alguns tipos de ações ofensivas e defensivas em determinadas áreas da quadra para distintos momentos do jogo. Por outro lado, seriam exemplos de tática passar a bola para um colega, obstruir uma linha de passe, deslocar-se para abrir espaços para os colegas, realizar uma infiltração, criar uma linha de passe. Enfim, enquanto a estratégia se refere aos “[...] contornos da actuação táctica do jogador” (GARGANTA; OLIVEIRA, 1996, p.18), a tática tem a ver com a resolução de problemas, isto é, com “[...] possibilidades de tomadas de decisão [...] baseadas em conhecimentos previamente adquiridos, que permitem resolver situações-problema que o atleta encontra numa situação de jogo” (PAULA; GRECO; SOUZA, 2000, p.12).

Embora, a julgar pelo exposto, estratégia e tática possam ser compreendidas distintamente, a separação destas não devia ser sustentada (GARGANTA, 2000; GARGANTA; OLIVEIRA, 1996). Para estes, a dicotomia entre ambas se constitui num obstáculo para o entendimento da dimensão cognitiva da prestação dos jogadores de esportes coletivos. Por quê? Em função de a crescente complexidade das ações e tarefas exigidas dos jogadores conduzirem, inevitavelmente, “[...] à necessidade destes serem capazes de dispor duma crescente autonomia estratégico-táctica, obedecendo embora a planos previamente traçados” (GARGANTA; OLIVEIRA, 1996, p. 19).

Esse ponto de vista encontra ressonância quando se admite que “Somente um atleta crítico e pensante é uma personalidade independente, que está em condições de superar, através de sua ação, situações difíceis do esporte, atuando de forma independente e consciente” (GRECO, 1995, p. 4). Assim sendo, o jogador, ao participar de um jogo racional/pensado, terá, sempre, uma atitude estratégico-tática, isto é, quando do enfrentamento, resolverá problemas (tática) sob os contornos iniciais do técnico (estratégia), ou seja, a atuação tática não está desvinculada do objetivo estratégico, mas, simultaneamente, não está limitada por este.

Além de o jogador ser “contaminado” pela estratégia do técnico, exprimindo-a pelo seu comportamento (GARGANTA, 2004), outros dois fatores levantados por RIERA RIERA (1995) revelam a interface estratégico-tática: (1º) a estratégia tem de levar em consideração os recursos táticos disponíveis e (2º) embora a estratégia anteceda o jogo e defina os contornos para a atuação tática do jogador, ela pode ser mudada no decorrer do jogo, isto é, tornar-se flexível para atender imprevistos situacionais, o que implica em considerar que os resultados da ação tática podem obrigar o técnico a rever a estratégia.

Mediante o exposto, compactuamos a idéia de Garganta e Oliveira (1996, p.17) de que a estratégia trata-se de um plano de ação inicial que “[...] permite [...] encarar um certo número de cenários para a acção, que podem ser modificados segundo as informações que vão chegar no decurso da acção e segundo os imprevistos que vão surgir e perturbar a acção”. Logo, em mudando os cenários, mudar-se-iam as estratégias!

Por conseguinte, ainda que conceitualmente distinta de estratégia, a tática como “[...] a parte executiva da estratégia, isto é, como os meios oportunos que o jogador deve empregar para realizar uma ação ofensiva ou defensiva” (FALKOWSI; FERNANDEZ, 1979, p.25), aparece sempre unida àquela (HERNÁNDEZ MORENO, 1998), pois, num jogo racionalizado, “Não há criatividade no vazio!” (GARGANTA, 2004, p. 228).

Daí compartilharmos a idéia, sustentada por Garganta (2000), Garganta e Oliveira (1996), Riera Riera (1995), de que estratégia e tática, embora compreendidas de forma distinta, se inter-relacionam, estando intimamente ligadas quando do desempenho esportivo.

Pensamos que a interface entre estratégia e tática corresponde ao fato de que

O jogo emerge da confluência de uma dimensão mais previsível, induzida pelas leis e princípios, com outra menos previsível, materializada a partir da autonomia dos jogadores, que introduzem a diversidade e a singularidade dos acontecimentos. (GARGANTA, 2006, p. 201).

Por extensão, entendemos que embora se possa diferenciar estratégia e tática no plano conceitual, o que é relevante para que estas não sejam usadas indistintamente, não se deveria sustentar, na prática, a sua separação. Para Parlebas (1998, p.217), a posição clássica que concebe a tática como a aplicação correta de uns meios de ação e a estratégia como um esquema preconcebido que constitua a trama, a ação projetada, deixa de ser adequada se saímos “[...] do plano representativo da ação à própria ação no fluxo de seu desenvolvimento concreto”. Por quê? Em virtude de a ação do jogador no seio de uma disputa, quando ladeado por outros jogadores, sob pressão de tempo, de espaço, enfim, sob constrangimentos ambientais, não se limitar ao aspecto teórico de escolher uma opção entre outras possíveis, mas se trata de realizar corporalmente tal ação. Logo, a ação extrapolará, sempre, os limites de um conjunto de instruções programadas. O autor refere que “A complexidade da ação que se desenvolve em condições reais, num espaço e num tempo reais, habitualmente extrapola toda exatidão predeterminada e impede as programações seqüenciais absolutas” (PARLEBAS, 1998, p.218).

Parlebas afirma que a decomposição da ação em seqüências programadas vinculadas às condições impostas pelo contexto se aplica com êxito aos esportes desenvolvidos em ambientes estáveis e, de forma alguma, aos esportes, como os coletivos, que primam pela incerteza e instabilidade ambiental. Nestes últimos, as listas de recomendações são ineficazes.

Por conseguinte, o jogador que atua é um jogador que decide. Trata-se de um estrategista, isto é, daquele que faz leituras sobre o que ainda não aconteceu (visão prospectiva). Assim, a seu ver, a distinção clássica entre estratégia (concepção) e tática (execução), oriunda do cenário militar, reforça uma visão dualista que corre o risco de ser uma ilusão no âmbito dos esportes coletivos. O autor sustenta que no lugar de distinguir entre estratégia e tática “[…] pode ser preferível adotar sucessivos níveis de análises que nos levassem ao estabelecimento de algumas subestratégias encadeadas e articuladas numa superestratégia” (PARLEBAS, 1998, p.222). Quer isso dizer que a estratégia, embora traçada pelo treinador e diferente de tática, “[...] vai com o jogador para o terreno de jogo, devendo este ser capaz de desenvolver diferentes estratégias que se inscrevam num quadro estratégico global da equipe (Modelo de jogo40)” (GARGANTA, 2000, p. 52).

40 Leal e Quinta (2001) advertem que o modelo de jogo é uma criação do que se pretende atingir e que o jogo é sempre mais complexo. Afirmam os autores que por se tratar de uma realidade móvel, o modelo de jogo (forma de se jogar) não é uma receita, mas uma referência.

A fim de melhor visualizar a lógica interna do futsal, propomos na FIGURA 8

uma síntese dos parâmetros configuradores tratados até este momento.

FIGURA 08 −Traços característicos do jogo de futsal

Fonte: Adaptado de BLAZQUEZ SÁNCHEZ, 1986; HERNÁNDEZ MORENO, 1998.

Segundo Hernández Moreno (1998), estes condicionariam o comportamento do jogador. Por conseguinte, compreendemos que devem ser considerados quando da elaboração e da aplicação do processo de ensino-treino do futsal, pois, independentemente de quem joga (desempenho), há uma essencialidade neste esporte que imporá/exigirá certas condutas do jogador.

No próximo capítulo, exploraremos o volume tático que o treinador pode considerar para organizar uma equipe ofensiva e defensivamente.