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QUADRO 2 A identidade do futsal

1.9 O futsal do ponto de vista das regras

Castelo (1999) admite que a definição de um esporte coletivo se inicia pela definição das regras na medida em que estas limitam o grau de liberdade dos jogadores e, consequentemente, estabelecem os requisitos necessários para que estes possam intervir nas situações de jogo e, desse modo, favorecer a continuidade de seus movimentos.

Gréhaigne (2001, p.20) acrescenta que as regras “[...] organizam as condições do enfrentamento, o que significa que distinguem a atividade e dão sentido ao jogo”.

Este último conceito é compartilhado por Hernández Moreno (1998, p.53), para quem o regulamento possui uma lógica intrínseca que marca os requisitos necessários para o desenvolvimento da ação de jogo que determina em parte a lógica interna do esporte que regula.

Diz este autor, que “[...] não é possível um esporte sem regras, estas constituem uma dimensão lingüística da qual não se pode escapar e condicionam, em larga medida, a atuação do jogador”.

Exatamente por condicionar a atuação do jogador que Blázquez Sánchez (1986) considera que a análise das regras é relevante para guiar e enquadrar a ação pedagógica a ser seguida.

Evidentemente que as regras, ainda que mantenham algumas características comuns, variam segundo os diferentes esportes. Hernández Moreno (1998), ao tratar dos esportes de cooperação/oposição, no qual se encaixa o futsal, explica que as regras podem ser divididas em dois grandes blocos, o de aspectos formais e o de desenvolvimento da ação de jogo, conforme explicitado no QUADRO 3.

QUADRO 3

Subdivisão das regras nos esportes de cooperação-oposição

Bloco dos aspectos formais Bloco do desenvolvimento da ação de jogo Características e dimensões do espaço de jogo Formas de jogar a bola

Descrição da bola e materiais complementares que se usam no

jogo Formas de participação de cada jogador e relação com seus companheiros Número de jogadores que compõem a equipe Formas de se relacionar com os adversários Tempo total de jogo Formas de utilizar o espaço de jogo

Penalidades às infrações das regras Formas de intervenção dos atletas no jogo Divisão e controle do tempo

Cerimônias protocolares

Valor dos tentos e como ganhar e perder Fonte: HERNÁNDEZ MORENO, 1998, p.54.

Certamente, uma consulta atenta ao livro atual de regras da Confederação Brasileira de Futsal (CBFS) 25 seria suficiente para identificar todas essas especificidades, que, em parte, foram apontadas quando da explicação dos parâmetros espaço, tempo e comunicação.

Por hora, julgamos oportuno esclarecer, por um lado, que desde o surgimento do futsal26, no início da década de 1990, houve uma constante alteração regulamentar, entre outras, o aumento do tamanho da bola e das dimensões da área de meta, a validade do gol dentro da área, o fato de o goleiro poder atuar fora da área de meta, a preocupação em limitar o contato físico entre os jogadores, se estabelecendo um limite de faltas acumulativas para as equipes, o número ilimitado de substituições.

25 http://www.cbfs.com.br/new/vis_livro_regras_futsal.asp. 26 Cf. Apêndice A.

Para Arestigüi (2001, p.42), as mudanças procuraram “[...] favorecer o espetáculo, na medida em que eliminariam os aspectos negativos do jogo e conseguiriam fazer este esporte mais atraente tanto para seus praticantes como para seu público”. Por conseguinte, os aspectos negativos do jogo estariam ligados à falta de dinamismo, a áreas proibidas de serem invadidas, ao excesso de faltas e a conseqüente carência de um número elevado de gols que isso gerava (uma herança do futebol de salão).

Por outro lado, convém assinalar que qualquer alteração regulamentar trará implicações técnico-táticas e estratégicas para o jogo de futsal. Por exemplo, consideremos as alterações regulamentares da regra 02, que aumentaram o tamanho da bola. Para Ardá Suárez e Casal Sanjurjo (2003), isso tenderia a favorecer o seu controle e domínio, o que repercutiria na capacidade de a equipe com bola construir o ataque, já que este último depende, em parte, da facilidade com que os jogadores controlam aquela. Igualmente, esse dispositivo regulamentar condicionaria novos modelos de execução técnica − por exemplo, as defesas e o lançamento do goleiro, a predominância de passes rasteiros, a recepção da bola com os pés. Outra implicação derivada da regra 02, segundo os autores, é a de que ao se estabelecer distintas dimensões da bola segundo a faixa etária dos participantes27 (quanto mais novo o jogador, mais leve e menor deve ser a bola), evitou-se a aquisição de erros técnico-coordenativos nas ações próprias do jogador na sua relação com a bola.

Outro exemplo advém da regra 12, que versa sobre faltas e incorreções. Nesta encontra-se o da proibição ao “carrinho” − “Projetar-se ao solo, deliberadamente, de maneira deslizante, e com uso dos pés tentar tirar a bola que esteja sendo jogada ou de posse do adversário, levando perigo para o mesmo” (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL DE SALÃO, 2008, p.31). Esse dispositivo se constitui numa infração que deverá ser punida com um tiro livre direto. Ora, o que isso condicionou ao longo do tempo? Que os jogadores desenvolvessem a habilidade de marcar com maior equilíbrio e prudência. Não significa que não se lançarão ao solo (afinal, quantos gols são evitados por conta dessa ação), mas que devem evitar tal medida em direção ao adversário, ainda mais quando se sabe que a partir da 6ª falta acumulativa, segundo o que prevê a regra 14, a equipe será punida com tiros livres diretos sem barreira. Logo, jogadores de futsal devem projetar-se ao solo para cortar, tão somente, a trajetória

27 No Brasil, jogadores de 6-7 anos jogam com uma bola que têm entre 40 e 43 cm de circunferência e entre 250 e 280g de peso. Entre 8 e 13 anos, a bola tem a circunferência de 59 cm no máximo e 55 cm o mínimo e peso entre 350 e 380g. Dos 14 aos 20 e principal a bola deverá ter no máximo 64 cm e no mínimo 62 cm de circunferência e o peso entre 400 e 440 g.

da bola − a idéia inicial de coibir a violência e o iminente perigo de lesões graves surtiu o efeito do aprimoramento da marcação (SANTANA, 2002).

Vejamos outras situações regulamentares e suas implicações para o futsal, apresentadas no QUADRO 4.

QUADRO 4

Impacto das regras no jogo de futsal

Situações regulamentares Implicações para o jogo Não há limite para substituições, tampouco é preciso parar o

jogo para fazê-las. Exceção feita quando o jogador que está na quadra sofre uma lesão grave comprovada pelo árbitro e confirmada por um médico ou fisioterapeuta (e na ausência destes por um massagista ou atendente).

Permite aos técnicos o revezamento constante de jogadores e, por extensão, a possibilidade de se manter a intensidade (dinamismo) nas ações de jogo durante toda a partida.

Permite-se ao goleiro atuar fora da área penal, desde que este

respeite o tempo de quatro segundos (defesa) e livre (ataque). Surgimento dos desenhos táticos ofensivos com superioridade numérica (1.2.2; 2.1.2 etc.). O jogador não pode permanecer mais de quatro segundos

com bola dentro de sua própria área.

A equipe não pode dissimular o ataque e retardar o jogo intencionalmente.

Não se pode recuar a bola para o goleiro pela 2ª vez sem que esta tenha ultrapassado a linha central ou tenha sido

tocada/jogada por adversário.

Não se pode demorar mais de quatro segundos para se cobrar arremesso lateral, de meta, de canto e faltas.

Inibição do jogo passivo. Jogo direto.

Há expulsão temporária de atleta, o que implica em superioridade numérica momentânea para uma das equipes. Penaliza-se a equipe que, em cada período de jogo, cometer mais de cinco faltas. A partir da 6ª falta é vedada formação de barreira, devendo o adversário cobrar a falta, quando esta foi cometida entre a marca dos 10 m e a sua linha de meta (fundo), na marca dos 10 m; quando cometida entre a marca dos 10 m e a linha de meta do adversário, no local onde ocorreu a falta ou na marca dos 10m28.

Incentivo ao jogo limpo.

A lei da vantagem deve ser aplicada.

Prorroga-se a duração de qualquer período da partida para a execução de uma penalidade máxima e de um tiro direto sem barreira, uma vez terminado o tempo regulamentar.

O gol é válido diretamente de bola de saída e de arremesso de canto.

Prioriza-se o jogo ofensivo.

Dias e Santana (2006) referem que as decorrências mais pontuais das regras do futsal que, inclusive, se complementariam, seriam o dinamismo29 e o estímulo à consecução de gols. Para os autores, uma partida de futsal dificilmente terminaria sem que gols fossem

28 Exceto se a falta foi cometida dentro da área penal, quando se caracterizaria penalidade máxima. 29 Atividade intensa/velocidade e diversidade das ações de jogo.

assinalados. A Copa do Mundo de 200430 ratifica, minimamente, essa assertiva: num total de 40 jogos, houve 238 gols marcados, média de 5,95 gols por partida. Em parte, a consecução de gols pode ser também explicada em virtude da escassez de espaço (ARDÁ SUÁREZ; CASAL SANJURJO, 2003; CHAVES CHAVES; RAMÍREZ AMOR, 1998), o que permite aos jogadores, quando da invasão do campo adversário, estarem próximos à meta e, por isso, com grande possibilidade de finalizar na sua direção (evidentemente que terão de imprimir ações técnico-táticas de ataque que dêem conta disso).

Castelo (1999), mesmo se referindo ao futebol, indica outras possíveis decorrências das regras. Para o autor, embora as regras tenham como características não restringir o deslocamento dos jogadores por qualquer direção, não limitar o seu tempo de posse de bola31 e tampouco o número de contatos entre aqueles e esta, obrigam, por um lado, que as ações técnico- táticas sejam realizadas com os pés, o que “[...] condiciona claramente a eficiência e a segurança do controle-proteção-progressão da bola no espaço” (CASTELO, 1999, p. 45). Por outro lado, aquelas características revelam duas propriedades fundamentais do jogo: a variabilidade e a modificação constante das situações. O autor explica que a variabilidade (instabilidade), ao obrigar os jogadores a uma concentração constante no jogo, exigiria muito dos mecanismos perceptivos, pois estes seriam decisivos para se realizar uma correta leitura do jogo e para se decidir por uma resposta motora (ação técnico-táctica). Já a modificação constante das situações de jogo determinaria um aumento da complexidade de todos os componentes da estrutura da situação, o que obrigaria “[...] o jogador a cumprir funções (missões táticas) dentro da organização de sua equipe de maior amplitude, derivada de um maior número de opções técnico- táticas disponíveis para eleger” (CASTELO, 1999, p. 46), ou seja, exige-se versatilidade tática (de funções) dos jogadores.