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e competências associadas à participação através da fotografia

A partir do desenvolvimento do projeto «Olhares em Foco» consegui- mos perceber que um dos benefícios mais significativos da fotografia par- ticipativa era a capacidade da proposta de fornecer uma visão clara e es- timulante aos participantes para desenvolverem uma série de atividades que não apenas continham uma componente lúdica e estética, mas igual- mente técnica e política. Esse facto permitiu que os envolvidos expuses- sem as suas preocupações, anseios e angústias através dos seus olhares. As fotografias forneceram uma visão geral do que era importante para cada participante nesta particular etapa da vida.

[...] a fotografia dá a oportunidade de a gente denunciar as coisas que acontecem na comunidade, gerando talvez a mobilização do governo e a conscientização das pessoas que formam a comunidade para melhorar a qua- lidade de vida de todos [Keila, Comunidade do Pega, 16 anos].

Figura 6.7 – Exposição «Meu Olhar sobre o Pega», na comunidade quilombola do Pega (Vale do Jequitinhonha) e Exposição Entre Olhares, ImaginArte Almada, Galeria de Arte da Costa da Caparica (Almada, Portugal)

As imagens e os diálogos obtidos nos encontros com os jovens de- monstraram a valiosa contribuição que os grupos de pares, a família e o meio social possuíam para os participantes. Esse argumento corrobora o que vem sendo defendido há mais de vinte anos pelo Center for Docu- mentary Studies da Universidade de Duke, na Carolina do Norte sobre a Literacy Through Photography onde, desde 1990, investigadores como Wendy Ewald (2001) desenvolvem uma filosofia de aprendizagem e uma metodologia que incentiva crianças e jovens a explorarem os seus mun- dos fotografando as suas vidas, sendo as imagens catalisadores para a ex- pressão verbal e escrita.

Fica evidente que os objetivos de promoção da ação social, da partici- pação e da expressão resultam em transformações psicossociais, no desen- volvimento de competências técnicas e habilidades diversas (Wang e Burris 1997). Essas mudanças incluem o aumento da autoconfiança, o sentimento de respeito pelo outro, o sentimento de utilidade social e a construção de uma visão positiva de futuro. Ressaltamos, ainda, as competências comu- nicativas, os novos entendimentos e informações sobre as estruturas das suas próprias comunidades (Prins 2010). Foram percetíveis as mudanças nas relações entre os pares e os membros da comunidade.

Uma das mudanças associadas à participação mais discutida pelos jo- vens remetia para o desenvolvimento da autoconfiança (Ewald 2001; Lykes et al. 2003). Estes mencionavam o facto de se sentirem mais esti- mulados e autónomos nas suas capacidades pessoais e nas habilidades adquiridas durante o processo, mais capazes para abordar pessoas e falar em público.

[...] eu era um pouco calada e tímida antes de fazer esse curso. Aí durante o projeto aprendi a me soltar mais e ser mais espontânea [Nádia, Comuni- dade do Pega, 16 anos].

Para alguns dos jovens o facto de se tornarem mais autoconfiantes tor- nava-se evidente na forma como se engajaram durante as oficinas e nas exposições fotográficas comunitárias. Os efeitos na autoestima dos par- ticipantes foram transversais a todos os projetos desenvolvidos, em dife- rentes níveis, expressando as suas capacidades de incidência para uma mudança positiva nas suas comunidades.

A participação dos jovens no projeto «Olhares em Foco» pôde ser as- sociada ainda a um sentimento de respeito mútuo entre o grupo, por as- sumirem uma posição de importância e status (Vaughan 2011). Muitos descreviam o respeito que sentiram por terem sidos vistos a fazer algo criativo e por trazerem os seus olhares e interpretações pessoais do quo-

tidiano para a comunidade, mencionando um retorno positivo e incen- tivo por parte dos familiares e membros da comunidade.

[...] conseguimos demonstrar aos outros que não somos jovens irrespon- sáveis, como todos nos veem. Mas sim jovens capazes de mudar o que tem de ruim na nossa realidade [Thatiana, Comunidade do Pega, 14 anos].

Essa mudança passava a ser possível a partir de um processo de mobi- lização dos grupos de jovens para a criação de uma agenda de reivindi- cações pautada na análise das imagens que são produzidas e nos diálogos acerca das fotografias captadas pelos jovens envolvidos.

No que respeita às capacidades comunicativas, inicialmente alguns dos jovens sentiam-se desconfortáveis em explicar o projeto às pessoas que queriam fotografar para o pedido de autorização. No entanto, muitos descreveram como evoluíram rapidamente as suas competências comu- nicativas ao aproximarem-se e interagirem com os membros das suas co- munidades.

[...] o projeto de fotografia foi muito bom porque nós aprendemos a tirar fotografias. Eu perdi a vergonha de pedir às pessoas para tirar fotografias [Thamires, Comunidade do Pega, 15 anos].

O aumento da confiança nas suas capacidades comunicativas levou alguns jovens a tornarem-se mais envolvidos nas atividades comunitárias, enquadrados em grupos de jovens e movimentos sociais (Wang e Burris 1997). O desenvolvimento das competências comunicacionais foi, dos efeitos observados, o mais comentado entre os participantes. O projeto «Olhares em Foco» possibilitou que os envolvidos amplificassem a sua capacidade de articulação de ideias, de discussão e aceitação da opinião dos outros (Vaughan 2011). Os jovens perceberam a importância de ouvir diferentes pontos de vista para formular os seus próprios.

[...] para mim o projeto foi uma forma de comunicarmos entre nós e co- nhecermos a opinião de cada um [Adélia, Comunidade do Pega, 18 anos].

Alguns jovens sentiam-se confiantes em discursar nos momentos das exposições fotográficas frente aos líderes comunitários, familiares e re- presentantes do poder público que haviam sido convidados, relatando as necessidades e os temas que os incomodavam enquanto membros da- quele meio social. Em algumas ocasiões chegavam a solicitar, em público e diretamente aos decisores de políticas públicas presentes nas exposições fotográficas, mudanças imediatas e uma maior participação nas políticas direcionadas para a juventude local (Meirinho 2013).

Não podemos igualmente ignorar o desenvolvimento de aptidões téc- nicas, onde incluímos as capacidades práticas e técnicas relativas à foto- grafia, aos dispositivos tecnológicos, às ferramentas e ambientes digitais (Ewald 2001). Esta é uma mudança que se verificou, apesar de haver dis- crepâncias evidentes no uso da tecnologia e da fotografia nas diferentes comunidades. Em algumas comunidades8o desconhecimento relativa-

mente ao uso das câmaras era quase total quando o projeto chegou, quando noutros contextos9 era prática comum os jovens empregarem

as câmaras fotográficas dos seus telemóveis.10Porém, fazer fotografias é,

para todos, uma nova experiência de expressão (Streng et al. 2004).

[...] aprendi coisas que eu não tinha ideia como o jeito de segurar a câmara para a foto não sair tremida, a posição, o lado em que a foto sairá melhor, o funcionamento da câmara. Aprendi a pensar pela câmara [Abel, Vila Santana do Cafezal, 15 anos].

Outra habilidade prática crescente descrita pelos jovens dava-se no do- mínio dos dispositivos e ambientes tecnológicos digitais, através do uso das câmaras e dos computadores. A oportunidade de trabalhar com fer- ramentas digitais e a internet era muito valorizada por todos os jovens participantes e encarada, em alguns casos, como uma vantagem na pro- cura de uma carreira profissional.

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