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Integrando metodologias qualitativas online e offline: estratégias de abordagem de práticas

culturais e de participação dos jovens

Os casos empíricos que nos propomos discutir nesta última parte re- lacionam-se, de uma forma ou de outra, com práticas culturais juvenis que decorrem predominantemente em contexto urbano. Se no caso da cultura hip-hop a ligação à juventude é, de certo modo, óbvia e tem sido confirmada (Simões 2010), no caso das práticas ativistas tal ligação só o é pelo recorte que foi dado ao tema em questão. Não obstante, também neste caso o carácter proeminente dos jovens em diferentes práticas ati- vistas tem sido notado (Banaji e Buckingham 2013). Ambos os casos se caracterizam igualmente pela dispersão das práticas em questão, que não se encontram confinadas a um só lugar, mas podem ser apreendidas em vários contextos ligados a diferentes expressões dos mesmos interesses e preocupações. Tal facto teve um efeito decisivo na forma como decidi- mos delinear uma orientação metodológica assente na observação de ter- reno «multissituada» (Hannerz 2003; Marcus 1995). Esta opção deve-se não só ao carácter disperso do objeto, mas igualmente à natureza tem- porária e móvel de várias das suas expressões (manifestações, performan- ces, etc.). À intermitência e mobilidade do terreno offline, juntou-se o ca- rácter impreciso e insondado do terreno online. A estratégia metodológica integrada adotada justificou-se por isso, em grande medida, pela própria configuração empírica de cada caso que comportava, à partida, expressões fora e dentro da internet, com uma importante dinâmica em cada con- texto, impondo-se deste modo uma abordagem complementar. Apesar das semelhanças genéricas na estratégia escolhida, existem particularida- des que importa sublinhar.

No caso do hip-hop, apesar de a observação poder ser conduzida de forma simultânea e não apenas sequencial, a verdade é que começámos por observar estas práticas na rua antes de as identificar na internet. Isto deve-se sobretudo ao facto de, quando definimos o estudo, não associar-

mos à partida o hip-hop às redes digitais, assumindo a nossa própria expe- riência de contacto inicial com esta cultura por via da rua, através das prá- ticas e dos eventos assistidos e dos produtos consumidos. Todavia, a inter- net revelou-se, desde o primeiro momento, um elemento essencial para o desenvolvimento do universo cultural em questão. A deslocação do con- texto urbano para os circuitos digitais acarretou novos desafios inerentes à dificuldade de definir inequivocamente os contornos do objeto online, con- frontando-nos com o problema de avaliar até que ponto o hip-hop online coincidia com o hip-hop offline. Esta preocupação decorria, neste caso, da anterioridade das várias expressões da cultura hip-hop relativamente à pró- pria internet, a que acrescia o facto de o estudo em causa ter sido realizado num momento em que a penetração da internet era inferior à atual.

No caso do estudo sobre ativismo e participação dos jovens a relevân- cia da dimensão online ficou definida desde o primeiro momento na forma como se considerou o uso da internet e das tecnologias digitais en- quanto recurso fundamental nas práticas. Com efeito, desde o início que o terreno digital foi concebido como parte do terreno offline, sendo inte- grado por isso na observação de modo simultâneo e não sequencial. Em todo o caso, a estratégia adotada nos dois terrenos não foi exatamente a mesma. Estas diferenças remetem-nos, desde logo, para utilizações dife- renciadas da internet e de outras tecnologias digitais nas práticas ativistas. Com efeito, tanto podemos estar perante indivíduos e grupos para os quais a utilização de tais recursos tecnológicos é relativamente secundária, na medida em que desenvolvem a sua atividade sobretudo offline, como indivíduos e grupos para os quais a utilização destes recursos desempenha uma função crucial, podendo o terreno «virtual» constituir um impor- tante território de confrontação e exercício do ativismo. Exemplos do primeiro tipo podem ser encontrados na maioria dos movimentos sociais e outros atores coletivos que atuam na esfera ativista atualmente (e que vão dos recentes movimentos e plataformas antiausteridade às associações LGBT ou às organizações ecologistas). Exemplos do segundo tipo cor- respondem a um conjunto mais restrito mas heterogéneo, para o qual o terreno digital se apresenta como causa ou território de «guerrilha» e con- fronto com os poderes públicos (e. g. Anonymous, movimento para o soft- ware livre, movimento para o Partido Pirata). Estudar cada um destes tipos implica oscilar entre analisar o uso de ferramentas digitais no ativismo e o que poderíamos entender como ativismo digital (Milan 2013; Dahlgren 2013).

A figura 4.2 sintetiza, para os dois casos, a estratégia de integração me- todológica adotada. Como se compreenderá, as semelhanças aparentes

ocultam diferenças que importa destacar. Devemos ter em conta também que a figura encerra a sugestão de se conduzir simultaneamente o trabalho de pesquisa nos dois terrenos, beneficiando da complementaridade entre ambos. Tal, contudo, como dissemos, nem sempre aconteceu do ponto de vista prático. Em parte devido às especificidades, já apontadas, dos dois casos, mas também pelas decisões tomadas em cada etapa. Para além da orientação genérica no sentido de integrar a investigação online com a que é levada a cabo offline, a figura contém igualmente uma recomen- dação quanto à forma de considerar empiricamente cada um dos objetos de estudo. Em ambos os casos insinuam-se duas lógicas: uma local, outra em rede, que, sugere-se, apresentam correspondência com as manifesta- ções empíricas dos objetos de estudo em questão. Como se pode ver, a lógica local, cujo propósito é identificar as práticas e os protagonistas (in- dividuais e coletivos) em determinado lugar ou contexto (encontro, evento, manifestação, performance, etc.), desdobra-se tanto online como offline, do mesmo modo que a lógica em rede, para além de identificar relações entre atores e contextos, permite conciliar, em certo sentido, os dois domínios.

Assim, em termos genéricos, e seguindo a figura, podemos afirmar que a estratégia offline se estrutura em torno de determinados contextos ou lu- gares (que podem assumir um carácter temporário) onde se desenrolam determinadas práticas (mesmo que efémeras), que traduzem diferentes formas de participação e modos de organização das práticas, e onde en- contramos necessariamente os seus protagonistas ou atores (mesmo que variáveis entre cada ocasião). A estratégia online, por seu lado, estrutura-se em torno de determinados conteúdos (de diferentes tipos), que envolvem diferentes práticas (da utilização básica à produção de conteúdos variados), a que se encontram associados determinados atores (mesmo que desco- nhecidos ou até anónimos). Pode, por isso, considerar-se que determinado conteúdo online representa um local para observação, através do qual é possível analisar diferentes formas de produção, colaboração ou partici- pação, bem como os respetivos praticantes ou utilizadores.

Por outro lado, se num certo sentido a lógica de rede nos remete para a importância dos laços existentes entre diferentes indivíduos e grupos, noutro reenvia-nos para a multiplicidade de lugares (mais ou menos pró- ximos) em torno dos quais se podem estruturar as práticas. É desta forma que podemos falar do carácter «multissituado» do trabalho etnográfico desenvolvido, que não pretendeu estar preso a um só lugar, mas ambi- cionou seguir, de certo modo, determinados praticantes e as atividades a que os mesmos se dedicavam.

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