• Nenhum resultado encontrado

Notas finais: dos grupos focais às entrevistas individuais

Quando usada de uma forma menos padronizada e mais compreen- siva, a técnica de grupo focal revela potencialidades que permitem trans- por algumas dificuldades metodológicas na pesquisa empírica com jo- vens. Ao proporcionar condições de interação onde o mutualismo, a partilha e a comparação entre visões do mundo são realizados numa at- mosfera de conforto entre pares, o uso de grupos focais pode minimizar as diferenças assimétricas entre pesquisador e pesquisado e superar a «re- lutância» que a interação face a face característica da entrevista individual pode provocar entre os jovens, nomeadamente quando esta é conduzi - da por um adulto qualificado. Por outro lado, pode ainda revelar-se um importante dispositivo preparatório de entrevistas individuais, permi- tindo fazer emergir e explorar focos temáticos que podem posteriormente ser aprofundados de um ponto de vista biográfico, encontrar e controlar mais facilmente «casos» específicos e diferenciados a serem recrutados e, the last but not the least, gerar condições de familiaridade com os objetivos da pesquisa e de confiança interpessoal com o futuro entrevistador (quando foi este o moderador dos grupos focais), essenciais para a boa prossecução de entrevistas compreensivas.

A triangulação do grupo focal com outras técnicas de investigação de natureza qualitativa ou quantitativa tem sido uma tendência dominante no uso dessa técnica, nomeadamente com a entrevista individual em profundidade (Morgan 2001, 134). A articulação entre estas duas técnicas tem sido realizada, em geral, no sentido de aprofundar dados de natureza biográfica, e/ou de partilhar experiências e opiniões pessoais num con- texto de interação mais intimista, sem tantos constrangimentos de tempo, mitigando eventuais efeitos problemáticos de conformidade ou de silencia- mento muitas vezes atribuídos aos dados produzidos no âmbito de grupos focais (Hollander 2004).

Na sequência dos grupos focais realizados no âmbito do projeto «Tor- nando profissões de sonho realidade», organizaram-se entrevistas indi- viduais com jovens aspirantes às profissões em análise, selecionados entre os que haviam participado dos grupos. Se o recrutamento dos jo- vens participantes dos grupos focais foi mediado pelos interlocutores institucionais, não tendo sido inteiramente controlado pela equipa de

pesquisa, o mesmo não aconteceu no recrutamento de jovens a entre- vistar individualmente. O formulário de consentimento informado que foi passado aos participantes no início de cada grupo focal, onde eram descritos os objetivos do projeto, incluía ainda um breve questionário de caracterização sociográfica de cada participante (onde se pediam dados como a idade, a escolaridade e a profissão dos próprios e dos pais), averiguando-se também a disponibilidade de cada um para conti- nuar a participação no projeto com uma entrevista individual. Com base nessa informação, e de entre os que se mostraram disponíveis para prosseguir a sua participação no projeto, foram selecionados alguns jo- vens aspirantes por entre os participantes desses grupos focais para en- trevistar individualmente, considerando critérios de diversidade em ter- mos de origem social, idade, género, e padrão de atitudes demonstrado no decorrer do grupo focal.

Enquanto a técnica de grupo focal foi heuristicamente usada para identificar e compreender as representações sociais e coletivamente par- tilhadas acerca das ocupações em análise, na entrevista individual pro- curou-se o acesso às narrativas e testemunhos sobre as vivências e expe- riências de cada jovem aspirante, captando-se expectativas e aspirações pessoais, projetos e trajetos individuais, motivações para determinadas decisões e escolhas ocupacionais, negociações que essas escolhas acarre- taram com a família, qualidades, habilidades e competências tidas como singulares, momentos marcantes do percurso de vida, e outros detalhes biográficos significativos na construção das subjetividades dos próprios em relação a cada uma das atividades em análise. Detalhes que mais fa- cilmente se partilham no contexto intimista proporcionado pela situação de entrevista individual, do que no contexto eventualmente mais inti- midatório de entrevista grupal. Aliás, nunca foi posta qualquer questão pessoal diretamente a algum dos participantes dos grupos focais. Mesmo quando estes respondiam às questões testemunhando as suas experiências pessoais, e por mais vontade que houvesse de continuar aquela conversa com aquela pessoa, preferiu-se não continuar e aprofundar o tema dire- tamente com aquela pessoa no contexto do grupo focal, para evitar o risco de interromper a fluidez da interação de grupo. Esses tópicos eram guardados e recordados, depois, nas entrevistas individuais.

Numa breve nota ética a este propósito, há ainda que atentar para a necessidade de ter presente que os participantes, nomeadamente quando são (re)conhecidos entre si, em geral têm de continuar a interagir após o grupo focal. Isto aumenta a responsabilidade dos pesquisadores sobre a natureza íntima e eventualmente confidencial dos dados solicitados em

grupo (Barbour 2007; Carey 1994; Zeller 1993), no sentido da minimi- zação de potenciais efeitos negativos nas posteriores dinâmicas grupais. É importante equacionar a possibilidade de, exatamente por se (re)co- nhecerem, os jovens não quererem transmitir as suas experiências da mesma forma que fariam se estivessem a sós com o entrevistador, ou entre um grupo de desconhecidos, para evitar desconfortos, embaraços, censuras, avaliações morais. Afinal, esta é uma fase da vida em que a «ti- rania da maioria» exercida entre pares (Pasquier 2005) e o receio de de- saprovação por parte destes perante opiniões ou experiências pensadas como singulares ou marginais, tende a ter muita relevância, podendo re- fletir-se em contexto de grupo focal (Smithson 2000).

Estas questões podem ser mais ténues quando a temática em estudo não tende a produzir testemunhos muito íntimos ou controversos, que possam colocar em causa a posição que determinado participante ocupa no grupo, mas não deixam de exigir atenção por parte dos pesquisadores. Daí a particular atenção no processo de pesquisa para as perguntas colo- cadas no contexto de grupo focal nunca solicitarem, diretamente, qual- quer tipo de testemunho ou experiência pessoal por parte dos partici- pantes, mas apenas questões relacionadas com as perceções e imagens sobre coletivos («acham que os jovens de hoje...? Acham que os chefes de cozinha hoje...?»). As questões de natureza biográfica, que remetem diretamente para experiências e vivências individuais, foram deixadas para serem colocadas no contexto da entrevista individual.

As probabilidades de criação de um contexto intimista durante a si- tuação de entrevista individual foram heuristicamente potencializadas na decisão de colocar no papel de entrevistador a mesma pessoa que mo- derou o grupo de discussão, ou seja, alguém que, apesar do estatuto de adulto escolarizado, já é familiar ao jovem e lhe merece toda a confiança pessoal e institucional. Aliás, foi recorrente durante a situação de entre- vista individual a evocação por parte dos jovens de questões ou de infor- mações levantadas na sessão do grupo, aproveitando para clarificar ou desenvolver algum aspeto que ficou submerso, e sobre o qual, eventual- mente, refletiram entre a participação no grupo focal e o momento da entrevista individual, como testemunha o depoimento de Matilde (22 anos):

Foi aquela coisa que eu disse na sessão em grupo: acho que a televisão é um veículo fundamental, neste momento, porque é assim que as pessoas contactam com a realidade dos outros países, em que a área de Cozinha e os Chefes são muito mais valorizados.

Do mesmo modo, estes momentos de inquirição foram considerados por muitos jovens como um importante indutor de reflexividade sobre si próprios e as condições que lhes permitiram enveredar por determinados itinerários (formativos e profissionais). Foram muitas vezes a primeira oportunidade que tiveram de organizar e verbalizar uma narrativa sobre gostos e motivações, projetos e expectativas, incentivos, negociações e constrangimentos envolvidos nas suas próprias escolhas formativas e pro- fissionais. Assim sendo, tanto o grupo focal quanto a entrevista individual, na sua articulação, revelaram-se dispositivos privilegiados de acesso às ra- cionalizações que os jovens utilizam para descrever, justificar e explicar a formulação das suas aspirações e projetos formativos e profissionais. No sentido de tornar youth-friendly estas técnicas dialógicas clássicas, apostou- -se, portanto, num processo de pesquisa onde o uso de cada técnica em determinada etapa de pesquisa pressupôs uma articulação no sentido de reunir e fortalecer as condições de confiança institucional e interpessoal dos jovens na equipa de pesquisa e nos objetivos do projeto, bem como a manutenção do seu interesse em nele participar e contribuir.

Referências

Adler, P. A., e P. Adler. 2001. «The reluctant respondent». In Handbook of Interview Research.

Context and Method, orgs. Jaber F. Gubrium e James A. Holstein. Thousand Oaks,

Londres e Nova Deli: Sage, 515-536.

Agar, M., e J. MacDonald. 1995. «Focus groups and ethnography». Human Organization, 54 (1): 76-86.

Back, L. 2007. The Art of Listening. Oxford: Berg.

Barbour, R. 2007. Doing Focus Groups. Londres: Sage Publications.

Berg, B. L. 1998. Qualitative research methods for social sciences. Boston: Allyn and Bacon. Bloor, M., J. Frankland, M. Thomas, e K. Robson. 2001. Focus Groups in Social Research.

Thousand Oaks, CA: Sage.

Bourdieu, P., org. 1993. La misère du monde. Paris: Seuil.

Carey, M. 1994. «The group effect in focus group: Planning, implementing, and inter- preting focus group research». In Critical Issues in Qualitative Research Methods, ed. J. M. Morse. Londres: Sage, 225-241.

Duarte, A., L. Veloso, J. Marques, e J. Sebastião. 2015. «Site-specific focus groups: analy- sing learning spaces in situ». International Journal of Social Research Methodology, 18 (4): 381-398.

Ferreira, V. 2004. «Entrevistas focalizadas de grupo: roteiro da sua utilização numa pes- quisa sobre o trabalho nos escritórios». Actas dos Ateliers do V Congresso Português de

Sociologia. Atelier: Teorias e Metodologias de Investigação, 102-107.

Ferreira, V. S. 2014. «Artes e manhas da entrevista compreensiva». Saúde & Sociedade, 23 (3): 979-992.

Frey, J. H., e A. Fontana. 1993. «The group interview in social research. In Successful Focus

Groups: Advancing the State of the Art, ed. D. L. Morgan. Newbury Park, CA: Sage,

167-183.

Hodkinson, P. 2005. «‘Insider research’ in the study of youth cultures». Journal of Youth

Studies, 8 (2): 131-149.

Hollander, J. A. 2004. «The social contexts of focus groups». Journal of Contemporary Eth-

nography, 33 (5): 602-637.

Hydén, L.-C., e P. H. Bülow. 2003. «Who’s talking: drawing conclusions from focus groups – some methodological considerations». International Journal of Social Research

Methodology, 6 (4): 305-321.

Johnson, A. 1996. «It’s good to talk: the focus group and the sociological imagination».

The Sociological Review, 44: 517-538.

Kaufmann, J.-C. 1996. L’entretien comprehensive. Paris: Éditions Nathan.

Kitzinger, J. 1994. «The methodology of focus groups: the importance of interaction bet- ween research participants». Sociology of Health and Illness, 16 (1): 103-121.

Kitzinger, J. 1995. «Qualitative research: introducing focus groups». British Medical Asso-

ciation, 311: 299-302.

Krueger, R. A. 1988. Focus Groups: A Practical Guide for Applied Research. Newbury Park, CA: Sage Publications.

Krueger, R. A., e M. A. Casey. 2000. Focus Groups. A Practical Guide for Applied Research. Thousand Oaks, CA: Sage Publications.

Lahire, B. 2002. Portraits Sociologiques. Dispositions et variations individuelles. Paris: Nathan. Lee, R. M. 2010. «The secret life of focus groups: Robert Merton and the diffusion of a

research method». The American Sociologist, 41 (2): 115-141.

Lincoln, Y. S., e E. G. Guba. 1985. Naturalistic Inquiry. Newbury Park, CA: Sage Publica- tions.

Magill, R. S. 1993. «Focus groups, program evaluation, and the poor». The Journal of So-

ciology & Social Welfare, 20 (1): 103-114.

McDonald, W. J. 1993. «Focus group research dynamics and reporting: an examination of research objectives and moderator influences». Journal of the Academy of Marketing

Science, 21 (2): 161-168.

Merton, R. K. 1972. «Insiders and outsiders: a chapter in the sociology of knowledge». In Varieties of Political Expression in Sociology, ed. Robert Merton. Chicago: University of Chicago Press, 9-47.

Merton, R. K., M. Fiske, e P. L. Kendall. 1990 [1956]. The Focused Interview: A Manual of

Problems and Procedures. Nova Iorque: The Free Press.

Morgan, D. L. 1996. «Focus groups». Annual Review of Sociology, 22: 129-152. Morgan, D. L. 1997. Focus Groups as Qualitative Research. Thousand Oaks, CA: Sage. Morgan, D. L. 2001. «Focus Group Interviewing». In Handbook of interview research, eds.

J. F. Gubrium e J. A. Holstein. Londres: Sage, 141-157.

Pasquier, D. 2005. Cultures lycéennes: la tyrannie de la majorité. Paris: Autrement.

Peek, L., e A. Fothergill. 2009. «Using focus groups: lessons from studying day care cen- tres, 9/11, and Hurricane Katrina». Qualitative Research, 9 (1): 31-59.

Race, K. E., D. F. Hotch, e T. Packer. 1994. «Rehabilitation program evaluation: use of focus groups to empower clients». Evaluation Review, 18 (16): 730-740.

Smithson, J. 2000. «Using and analysing focus groups: limitations and possibilities». In-

Weller, W. 2006. «Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes teórico-metodológicos e análise de uma experiência com o método». Educação e Pes-

quisa, 32 (2): 241-260.

Zeller, R. A. 1993. «Focus group research on sensitive topics: setting the agenda without setting the agenda». In Successful Focus Groups: Advancing the State of the Art, ed. D.L. Morgan. Newbury Park, CA: Sage, 167-183.

Outline

Documentos relacionados