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A massificação das novas tecnologias de informação e comunicação, em particular na sua versão 2.0, que conferiu muito maior protagonismo aos utilizadores, através de serviços como mensagens instantâneas, fóruns de discussão, blogues ou redes sociais online, abriu também novos cami- nhos metodológicos para a observação destes fenómenos, designada- mente a etnografia digital (Murthy 2008) ou netnografia (Mallan et al. 2010).

Atendendo ao intenso uso que as crianças fazem destes meios, a et- nografia digital será um ponto de acesso privilegiado às culturas juvenis, à observação de práticas, representações e discursos das crianças online.

Figura 5.8 – Fotografia dos objetos preferidos (Carolina, 9 anos)

... tenho no quarto e tem várias fotos minhas, com a minha mãe, com o meu irmão, com o meu pai, eu sozinha, eu a brincar na praia com as algas quando eu era pequena, uma aqui que estava na cama do meu irmão... depois ali sou eu com a minha mãe ao colo... porque era uma diversão, é uma diversão estar com a minha família e aprender cada vez coisas novas, mais sítios, mais locais [Ca- rolina, 9 anos].

Tanto é utilizada para estudar o uso das próprias tecnologias (Leander e McKim 2003; Mallan et al. 2010; Pascoe 2012) ou outras temáticas como ativismo juvenil e subculturas rave (Wilson 2006), movimentos online pró-distúrbios alimentares e «cultos de suicídio» (Stokes 2009).

Esta metodologia permite recolher informação empírica através de análise de conteúdo de webpages e blogues, das interações em fóruns de discussão, comunidades online e redes sociais, ou realização de entrevistas através de e-mail, serviços de mensagens instantâneas ou VoIP. Segundo Pascoe (2012) tem a vantagem de ultrapassar barreiras geográficas, dimi- nuir custos, salvaguardar o anonimato dos observados (permitindo até maior honestidade e transparência nas respostas, sem os constrangimen- tos da relação face a face), facilitar a investigação de assuntos sensíveis, ultrapassar as barreiras colocadas por gatekeepers institucionais, criar novos canais de comunicação entre crianças e adultos. A presença do investi- gador pode mesmo ser «fisicamente» invisível para os observados (Murthy 2008).

No entanto, vários autores ressalvam a importância de combinar et- nografia online e offline na análise destes objetos de investigação, visto que a esfera virtual não é um espaço à parte na vida das crianças mas antes uma dimensão dessa mesma vida (Leander e McKim 2003; Wilson 2006; Murthy 2008; Stokes 2010).

No estudo C&I, a dimensão (n)etnográfica assumiu um cariz diferente dos exemplos anteriores. A visita a casa das crianças incluiu o registo de descrições e impressões gerais sobre o espaço doméstico, mas não foi feita uma observação com estadia prolongada ou recorrente. Na interação com as crianças, foi pedido que, diante do ecrã, procedessem à recolha e interpretação de imagens (print screens) das suas principais atividades no computador e na internet. Também aqui se promoveu a narração inter- pretativa: foram as próprias crianças a atribuir significado às suas práticas, obtendo a perspetiva delas e não a dedução do investigador. Esta con- versa foi também gravada e transcrita, criando-se documentos com o diá- logo e as imagens. Optou-se pois não por uma verdadeira «etnografia di- gital», à distância, mas sim pela observação e registo das práticas habituais das crianças online. Tal permitiu reconstituir, de forma aliciante, as suas rotinas online, captar a sucessão de páginas navegadas, percursos e movi- mentos entre os vários sites, seguir links, conexões e redes.

Entre os resultados obtidos pela aplicação desta técnica está, por exem- plo, a constatação da permeabilidade entre novos e «velhos» media, pa- tente na utilização frequente de websites de música, filmes e programas de televisão (figuras 5.9 e 5.10). A internet não veio substituir estes meios

de consumo cultural, antes veio proporcionar uma nova plataforma, mais adaptável aos gostos e interesses das crianças, sem condicionamentos de horários ou de programação.

Figura 5.9 – Captura de ecrã, pesquisa no YouTube sobre música (Vanessa, 9 anos)

Figura 5.10 – Captura de ecrã, pesquisa no YouTube sobre séries de televisão (Isabel, 11 anos)

Por outro lado, constatou-se também o uso que as crianças fazem da internet como ferramenta de criação cultural e expressão de criatividade, pela utilização de websites de fotografia (figura 5.11) ou desenho (figura 5.12), pela personalização de ambientes de trabalho e perfis nas redes so- ciais online (figura 5.13).

Figura 5.11 – Captura de ecrã de website de edições de imagem PhotoScape (Liliana, 11 anos)

Também nesta tarefa as diferenças de género emergiram. Por um lado, no tipo de websites e atividades favoritos das crianças, algo que anterior- mente já havíamos sinalizado e que veio a ser confirmado e reforçado com esta abordagem mais intensiva. Os rapazes referem os jogos online, mesmo quando utilizam outras ferramentas, como por exemplo o Face- book ou o YouTube. As raparigas, embora em menor grau, também jogam, mas com elas sobressaem as redes sociais (como o Facebook) e outras fer- ramentas de comunicação, as pesquisas de vídeo (sobretudo no YouTube), onde visionam videoclips de artistas preferidos, episódios de programas e séries de televisão, por exemplo.

Verifica-se também uma diferente apropriação por género dos mesmos tipos de websites. Em relação aos jogos online, os rapazes mostram-se fãs de jogos de estratégia, ação, combate, violência, desporto, competição e poder (figura 5.14). Na descrição dos seus objetivos, regras e protagonistas utilizam palavras como «ganhar», «matar», «ganhar dinheiro», «dominar», «atacar», «guerra», «prisão», «corrida», «armas», «missão», «destruir», «tro- pas».

Figura 5.14 – Captura de ecrã de jogo online (Hugo, 13 anos)

É um jogo onde eu tenho de construir uma aldeia e tenho de construir tropas, tenho arqueiros, bárbaros e é online, há pessoas que me podem atacar e eu posso atacar outras pessoas, o objetivo é ficar em primeiro lugar, ter a aldeia toda cons- truída bem, ter tudo ao máximo e ser o líder daquela zona [Hugo, 13 anos].

Figura 5.15 – Captura de ecrã de jogo online (Cristina, 11 anos)

Aqui [Hairstyles], meto aqui, corto isto assim, ... escolho este castanho... e a roupa é... já sei qual é que é, é esta, e a mala... depois vou ao inventário e tem coisas novas [Cristina, 11 anos].

As temáticas dos jogos das raparigas relacionam-se, pelo contrário, com moda, culinária, decoração, cuidados pessoais – jogos de decoração e tarefas da casa, jogos de cozinha e cozinhados, jogos de cuidar e tomar conta de bonecas (figura 5.15).

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