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Assim como no projeto «Olhares em Foco», o método photovoice tem sido utilizado em diferentes contextos e populações com o objetivo de ser uma ferramenta metodológica de cunho etnográfico que promove competências a partir do uso das tecnologias de imagem. O método não requer gravação ou edição em equipamentos complexos e, como tal, pode ser uma ferramenta poderosa, eficaz e adequada, para grupos de jovens com dificuldades no âmbito da literacia textual, visual e tecnoló- gica. Por estas qualidades, a fotografia participativa vem-se afirmando 8O caso de algumas comunidades rurais no Brasil, como por exemplo comunidades no Vale do Jequitinhonha, no interior do estado de Minas Geral, e no Cariri, no sertão nordestino, do estado do Ceará.

9Como nas capitais Belo Horizonte, Fortaleza e nos contextos urbanos de Portugal, como na Cova da Moura e Quinta do Mocho, nos arredores de Lisboa.

10Telemóveis que em muitos casos possuíam melhor qualidade do que as câmaras dis- ponibilizadas pelo projeto.

como um instrumento de trabalho para investigadores que desenvolvem estudos colaborativos a partir de dispositivos de captação visual. Apesar de diversos estudos apontarem para as vantagens do uso da fotografia participativa como modelo metodológico (Lykes, Blanche e Hamber 2003; McIntyre e Lykes 2004; Wang e Redwood-Jones 2001) as vivências investigativas do projeto «Olhares em Foco» podem também servir para avançar com um conjunto de recomendações em estudos visuais e cola- borativos aplicados aos jovens.

Os projetos que pretendem utilizar o método photovoice necessitam de refletir sobre alguns dilemas éticos, como a invasão de privacidade através da divulgação de factos embaraçosos sobre os indivíduos (Wang e Burris 1997). Neste sentido, os cuidados devem ser redobrados, pois uma imagem pode representar falsamente uma realidade para o benefício de uma causa comunitária (Wang e Redwood-Jones 2001). Para atenuar esses riscos, as atividades do photovoice devem ser iniciadas com uma dis- cussão ética e sobre o poder da fotografia. É necessário que os investiga- dores estejam atentos, se antecipem e prevejam a possibilidade de con- trovérsia e de manipulação das imagens (Ewald 2001).

Um outro ponto específico que merece atenção é a segurança dos jo- vens participantes no processo de captação fotográfica, nomeadamente os riscos associados a fotografar atos ilegais ou indesejáveis (particular- mente em relação ao uso e venda de drogas, trabalho sexual, armas, entre outros). Tais temas levantam a discussão de casos em que os participantes podem potencialmente produzir provas fotográficas que podem ser usa- das contra aqueles que foram fotografados ou contra os próprios partici- pantes da investigação. Apesar de alguns envolvidos não perceberem ou identificarem situações perigosas, é fundamental a responsabilidade de os investigadores incentivarem uma reflexão sobre a captação de imagem. Para Edwald (2001) os fotógrafos-participantes num projeto photovoice podem encontrar hostilidade ou descobrir que as suas fotografias criaram controvérsia entre o grupo e na comunidade. Essas perceções revelaram que tirar e exibir fotografias, incorporando histórias locais nas imagens, pode provocar um distúrbio na forma como os indivíduos se relacionam entre si e com o mundo exterior, devido ao mergulho que é proporcio- nado pela análise das imagens.

No caso específico dos estudos com jovens, ainda são poucos os in- vestigadores que expõem constrangimentos e problemáticas no uso deste método. Alguns observaram que o desejo de «dar voz» através da foto- grafia participativa pode levar a uma aceitação acrítica das representações visuais (Piper e Frankham 2007; Yates 2010) dos jovens, sem perceber

que a posição de dar a voz já é um posicionamento de poder do inves- tigador sobre o jovem em situação de risco.

Outra limitação remete para o facto de que aquilo que não é fotogra- fado deixa de ser analisado e refletido (Hodgetts et al. 2007). Em contraste, é necessário que a equipa de investigação reconheça e deixe que os par- ticipantes escolham livremente as histórias que desejam contar sobre si mesmos e sobre as suas comunidades. Esta liberdade de escolha é fun- damental, pois determina como eles gostariam de ser vistos através do processo de decisão e não como os facilitadores da proposta queriam que eles fossem vistos. A ausência ou o silêncio podem ser encontrados caso as temáticas direcionem os jovens para questões quase infotografáveis. Wang e Pies (2004) destacam que os tópicos podem ser suprimidos pelos participantes por duas formas. Ou porque eles não são importantes para as suas vidas, ou porque o tema é difícil de fotografar. Mesmo assim, os jovens demonstram grande criatividade para ilustrar questões difíceis e subjetivas de se fotografar ou na captura de questões sensíveis de forma compreensível (Singhal et al. 2007).

O photovoice, tal como acontece com outras técnicas de pesquisa par- ticipativa, envolve compromisso com a realidade de uma comunidade. «Enquanto o processo de investigação se destina a apoiar um espaço so- cial seguro para os jovens, onde eles podem negociar coletivamente e se autorrepresentarem para um público mais vasto, há o risco do processo ser abalado pelas relações de poder existentes dentro da comunidade e dos grupos de jovens» (Vaughan 2011, 103). Como destaca Meredith Minkler, «o processo de organização comunitária, em si, pode servir mais para manter o status quo do que para mudá-lo» (1978, 208).

Além de algumas limitações e barreiras à participação, o método pode também proporcionar perspetivas e objetivos desencontrados para os participantes, os investigadores e a comunidade. Para os jovens a proxi- midade das questões fraturantes da comunidade pode causar sentimentos negativos e de desconforto. Os investigadores devem ter em conta que perdas, danos e roubos de equipamentos são possíveis riscos e que as considerações de ordem ética e consentimentos restringem o número de retratos fotográficos de membros ou indivíduos que participam do uni- verso comunitário. «Quando pensamos nos ganhos objetivos para a co- munidade e as expectativas que um projeto destes gera, os resultados podem não ser tão significativos para os seus membros quanto se espera» (Palibroda et al. 2009, 18).

Sensibilidade é uma característica essencial para trabalhar com estes dilemas e para lidar com os conflitos que podem surgir entre investiga-

dores, participantes e comunidade (McIntyre e Lykes 2004). Além disso, os investigadores devem ter a perceção de que tirar fotografias ou fazer vídeos não garante aos participantes liberdade do controlo de influência para tomar as suas próprias decisões e para contar qualquer história sobre eles próprios. Com a intervenção bastante próxima, os investigadores, mesmo sem intenção, inevitavelmente moldam subtilmente as ações e as escolhas dos participantes.

O que o projeto «Olhares em Foco» demonstra é que a aplicação do método photovoice em contextos juvenis força a investigação a um enten- dimento amplo do papel que os jovens exercem na sociedade. Embora o método tenha grande utilidade para um processo de empowerment, a grande maioria dos autores que o utilizam reconhece que não é a inicia- tiva que vai trazer a mudança. O envolvimento dos jovens no projeto «Olhares em Foco» leva a um processo de protagonismo, mas também pode criar constrangimentos que necessitam de ser resolvidos no decorrer da investigação. A não-resolução destes dilemas pode reverter o jogo de poder e promover uma desmobilização ainda maior dos jovens, espe- cialmente quando se trata de contextos de risco e vulnerabilidade social. O compromisso de uma investigação-ação visual parte de um conheci- mento do campo e dos envolvidos para minimizar tais dilemas e cons- truir bases sólidas para algo contínuo e não pontual.

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Maria João Taborda

Capítulo 7

A realização de documentário criativo

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