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4. Conceitos centrais da investigação

4.2. Edição

Os estudos sobre tradução na área da sociologia tiveram início com Michel Callon (1986) e Bruno Latour (1986, 1987). Ambos usaram o conceito de tradução na análise das instituições, das tecnologias e da inovação, conceptualizando-o como “um processo complexo de negociação durante o qual os significados, as reivindicações e

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O Projeto AHELO (Feasibility Study for the International Assessment of Higher Education

Learning Outcomes) foi um projeto da OCDE que decorreu entre 2010 e 2013 e que teve

como objetivo ver a exequibilidade prática e científica de avaliar o que os estudantes do ensino superior sabem e conseguem fazer após a graduação.

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O Projeto CALOHEE (Measuring and Comparing Achievements of Learning Outcomes in

Higher Education in Europe), da Rede Internacional Tuning, decorreu entre 2016 e 2017 e visou o desenvolvimento de testes multi-dimensionais em cinco áreas académicas, usando uma metodologia semelhante mas adaptada às características de cada uma das áreas, a fim de comparar o desempenho dos estudantes no contexto da Europe ou mesmo do EEES.

38 os interesses se modificam e ganham terreno” (Waeraas & Nielsen, 2015: 5). Estes autores consideram que, independentemente da abordagem usada para a explicação de como ocorrem estes processos, a tradução tem três tipos de significado: político (envolve interesses e interpretações, através de “atos de persuasão, jogos de poder e manobras estratégicas”); geométrico (envolve movimento e mudança de lugar);

semiótico (durante o movimento ocorrem transformações do significado) (idem: 9).

Para o institucionalismo escandinavo (e.g. Czarniawska and Sevón, 1996, 2005; Sahlin-Andersson, 1996; Sahlin-Andersson & Sevón, 2003; Sahlin and Wedlin, 2008), a tradução é um processo inerente à mudança institucional na medida em que envolve processos de mudança de um objeto de um contexto para outro, durante os quais quer o objeto quer o contexto sofrem transformações (Wedlin & Sahlin, 2017). As transformações podem levar tanto à homogeneização como à diversificação. A introdução de novas ideias, principalmente de ideias da moda, opera-se por imitação. Porém, as imitações não ocorrem num vácuo, ocorrem em função dos atores, de outras ideias, de outras tradições e instituições (Sahlin & Wedlin, 2008: 219). A tradução diz assim respeito a processos “simultâneos de movimento e transformação: as coisas transformam-se quando são movidas” (Wedlin & Sahlin, 2017: 109). Daí, “imitar não é só copiar, mas também mudar e inovar” (Sahlin & Wedlin, 2008: 219). A moda parece ser uma das motivações para a imitação, mas há outras que as autoras citadas mencionam, associadas a processos de identidade. Imita-se para ser semelhante a outros ou, pelo contrário, para se distinguir dos outros, ou seja, é na relação com os outros e por comparação com eles que a identidade se revela e dá a conhecer (idem).

No sentido de analisar os processos de transformação das ideias enquanto circulam de uns contextos para outros, Sahlin-Andersson (1996) propôs o conceito de edição (Sahlin-Andersson, 1996; Sahlin-Andersson & Sevón, 2003; Sahlin & Wedlin, 2008; Wedlin & Sahlin, 2017). O conceito de edição parte da premissa de que as ideias circulam através da sua materialização em objetos (textos, modelos ou protótipos) que são recriados à luz das circunstâncias e das representações daqueles que os adotam, num processo caracterizado como recontextualização de experiências e modelos. Neste sentido, o processo de edição altera não só a formulação das experiências e modelos mas também o seu significado:

39 As ideias e as práticas viajam através de níveis sociais, deixando de ser ideias abstratas para passarem a ser objetos com existência real (ideias transformadas em objetos) ou postas em práticas (ideias transformadas em ação) (Waeraas & Nielsen, 2015: 21-22).

Através dos objetos, sejam eles documentos ou ações, desenrolam-se processos contínuos de edição, ou seja, de formulação e reformulação de políticas, bem como do seu controlo social e da sua legitimação. Se tivermos em conta que estes processos são influenciados pelos quadros cognitivos e normativos dos atores envolvidos (Jobert & Muller, 1987), a análise dos documentos e das práticas, considerados como objetos políticos e comunicacionais em fluir constante, é crucial para a compreensão das políticas públicas, como acontece no PB, o caso em análise neste trabalho. Como sublinha Carvalho (2013):

… as políticas têm de ser observadas a partir de múltiplos pontos de sua produção e ancoragem – nos documentos oficiais e oficiosos, como a legislação, nos textos de comissões, nos estudos e nos relatórios (prévios ou posteriores ao estabelecimento formal de uma política), nos lugares de mediatização, na imprensa periódica especializada e não especializada, nas narrativas dos actores, nas reuniões e noutros espaços sociais de interacção (idem: 54).

Embora o conceito de edição proposto por Sahlin-Andersson aponte para processos criativos e abertos, tais processos são controlados institucionalmente, seguindo padrões regulatórios (Sahlin & Wedlin, 2008; Wedlin & Sahlin, 2017). As regras relativas aos processos de edição são específicas de cada situação e contexto, mas podem, ainda assim, segundo as autoras, ser organizadas em três tipos. Um tipo de regras diz respeito ao contexto: quando circulam, as ideias, protótipos ou modelos são desprovidos do seu contexto espacial e temporal, sendo formulados apenas em termos gerais e abstratos. Ao serem recontextualizados podem por isso ser associados a outras ideologias e programas, diferentes daqueles que os enquadravam inicialmente. Um segundo tipo de regras é relativo ao modo da apresentação: a lógica da narrativa é reconstruída tornando os modelos mais teóricos, mais racionais ou mais científicos, podendo até torná-los mais interessantes para serem seguidos. Finalmente, existem regras relativas à formulação: as ideias, protótipos, modelos podem tornar-se mais claros e mais explícitos, podem ser codificados e categorizados, assumindo novos significados particularmente relevantes para o contexto de chegada.

40 Segundo as autoras supra citadas, a circulação de ideias pode fazer-se pela disseminação, a partir de um modelo ou de um conjunto de ideias que se transforma em protótipo e é incorporado nas práticas locais, ou através de um processo em cadeia em que os imitadores passam os modelos de uns para os outros perdendo-se o conhecimento da sua origem, como acontece com a moda. Há, no entanto, um outro modo de imitação que as autoras apresentam e que é particularmente relevante para o presente estudo. Esse modo consiste não na circulação direta de ideias entre imitados e imitadores, mas na mediação exercida por outros atores ou organizações. Estes mediadores foram conceptualizados como editores. Os editores traduzem as ideias e põem-nas a circular com novas formulações e com propósitos normativos:

Estes editores não só relatam e transmitem ideias e experiências, como também, no processo, as formulam e reformulam e portanto enquadram-nas e dão-lhes novas formas. Mais, ensinam (Finnemore, 1996) – mais ou menos diretamente – outras organizações a atuar tendo em vista serem reconhecidas como legítimas (Wedlin & Sahlin, 2017:112).

Atores deste tipo são igualmente designados portadores (carriers) (Sahlin & Wedlin, 2008; Wedlin & Sahlin, 2017) e, por outros investigadores, como atores soft (já referidos) ou outros (Meyer, 1996). Um aspeto importante e comum a qualquer deles é que tanto podem ser atores individuais como empresas ou organizações, tais como, por exemplo, grupos de peritos ou organizações internacionais22. Este tipo de atores funciona muitas vezes em rede e, mais do que protótipos para imitação, produz “templates que são usados para separar o normal do desviante, o moderno do fora de moda e organizações que parecem precisar de mudança daquelas que não precisam” (Sahlin-Andersson & Sevón, 2003: 265).

O processo de edição pode assim ser analisado em paralelo com as teorias da governança transnacional (e.g. Djelic & Sahlin-Andersson, 2006) que, como atrás mencionado, abordam os fenómenos da regulação através de padrões, modelos e

templates. Desta forma, a perspetiva da tradução como edição torna-se útil à análise

da governança supranacional do PB, permitindo analisar os processos de edição das

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O papel de organizações internacionais, tais como o Banco Mundial, a UNESCO, a OCDE, ou a UE já foi analisado atrás.

41 ideias e das decisões desenvolvidas ao nível europeu e que são levados a cabo por atores nacionais, sendo estes conceptualizados como editores.

Neste sentido, o conceito de editor apresenta afinidades com o conceito de mediador, desenvolvido por Muller no âmbito da abordagem cognitiva das políticas públicas (Muller, 1990), na medida em que ambos os conceitos se referem a intermediários de ideias. Para compreender melhor o papel dos mediadores, é necessário colocá-lo no seu contexto teórico e em relação com dois outros conceitos, centrais nesta tese:

referencial (Jobert & Muller, 1987) e fórum (Jobert, 1994, 2004; Fouilleux, 2000,

2003, 2011). No âmbito da abordagem cognitiva das políticas públicas, estes três conceitos surgem interligados e podem explicar o papel não só dos atores mas também dos contextos e das interações na construção, disseminação e apropriação de quadros de interpretar e de agir sobre o mundo.