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3. Processos de edição do PB em Portugal

3.1. O contexto socio educativo na transição do século

No final do século XX, aquando da assinatura da Declaração de Bolonha, Portugal, saído duma ditadura há 25 anos atrás, apresentava valores de desenvolvimento abaixo da média europeia. O European Innovation Scoreboard 200157 colocava Portugal em

valores negativos na quase totalidade dos indicadores (16/18), com o indicador global de -8,7 (Commission of the European Communities, 2001: 21). Esta situação gerava uma perceção de urgência relativamente à introdução de alterações no ensino superior, de modo a torná-lo capaz de fornecer a base de inovação necessária à superação do atraso identificado (Simão, Santos & Costa, 2003). Estes autores, em consonância com o referencial do PB, sugeriam políticas orientadas para provocar “saltos qualitativos... só possíveis se colocarmos as instituições do ensino superior a alimentarem o sistema de inovação, o qual não pode deixar de ter a empresa ou o serviço como ponto focal” (idem: 47).

O debate sobre a reconfiguração do ensino superior em Portugal estava, aliás, na ordem do dia. O ensino superior sofrera alterações acentuadas nos últimos trinta anos, tanto do ponto de vista demográfico (especialmente, no que concerne ao número de

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O scoreboard é um dos exercicios de avaliação comparativa da CE que foram lançados após o Conselho Europeu de Lisboa. O scoreboard Inclui 18 indicadores, agrupados em 4 categorias: recursos humanos; criação de conhecimento; transmissão e aplicação de conhecimento; inovação financeira, produto e mercados.

108 alunos), como do ponto de vista da oferta de cursos e da rede de instituições (Seixas, 2003; Amaral & Magalhães, 2007; Fonseca & Encarnação, 2012). De acordo com estatísticas do Ministério da Educação e Ciência (s/d), no ano 2000/01 estavam inscritos no ensino superior 387.703 alunos (em 1970 eram 46.019), a que correspondia uma taxa de escolarização global de 5,92%. Em 2010/11 este número tinha subido para 396.268, no entanto, a taxa de escolarização tinha descido ligeiramente, situando-se em 5,85%. A este número devia ainda ser acrescentado 7177 estudantes de Cursos de Especialização Tecnológica, cursos que começaram a funcionar em 2004/0558. A grande expansão do sistema em termos de número de estudantes dera-se entre os anos 60 e 1976/77, tendo “estagnado” em 1981/82, devido a limitações ao acesso, motivadas particularmente pela introdução do numerus

clausus (Seixas, 2003).

A estas alterações acentuadas dos últimos trinta anos do século XX, no que concerne ao número de alunos, juntavam-se alterações importantes do ponto de vista da oferta de cursos e da rede de instituições (Amaral & Magalhães, 2007; Fonseca & Encarnação, 2012). Nos finais dos anos 80 e nos anos 90 assistira-se a um segundo

boom, de natureza diferente, que fez emergir um “ensino superior de massas” (Seixas,

2003). A nova fase de expansão, caracterizou-se “pela efetiva diversificação do campo do ensino superior, através do desenvolvimento das Universidades Novas, do sector privado, do ensino superior politécnico ou não universitário e da própria Universidade Aberta” (Seixas, 2003: 77-78).

Estes desenvolvimentos não estavam, porém, consolidados na altura da assinatura da Declaração de Bolonha. Além dos problemas relativos à “rede”, outros havia que permitiam diagnósticos que acentuavam a urgência de uma reestruturação global do sistema: a natureza binária do sistema de ensino superior, criada em finais dos anos setenta, não estava consolidada nem bem demarcada, dando a origem a equívocos em termos de missão e de papel diferenciadores dos dois subsistemas; o ensino privado estava mal distribuído geograficamente, concentrando-se nas grandes cidades, além de se apresentar dequilibrado em termos de oferta formativa, com forte

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O aumento global de alunos deu-se apenas no setor público, tanto universitário como politécnico, tendo o setor privado registado alguma quebra (de 114 173 em 2000/01 passaram para 88 290 em 2010/11).

109 predominância de cursos na área das ciências sociais (Seixas, 2003).

Era assim num clima de perceção da necessidade de mudanças políticas que no início do presente século os atores político-educativos procuravam estabilizar conceitos, papéis, funções e modelos de gestão, de avaliação e de financiamento do ensino superior. Nos anos 90 o tema foi abordado em profundidade quer pelo CNAVES quer pelo CNE. Ambos promoveram debates alargados e organizaram publicações (CNAVES, 1999, 2000; CNE, 1995, 1999), em que participaram não só os membros respetivos mas também outros docentes, técnicos e responsáveis pela educação em Portugal. Neste contexto, como referido no Capítulo 1, o PB era visto pelos atores político educativos simultaneamente como uma inevitabilidade e uma oportunidade (CCISP, 2002: 1; CNE, 2002: 5609; Azevedo, 2002: 6; Santos, 2002: 6).

O último Ministro da Educação da década de noventa, Guilherme d’Oliveira Martins falava da necessidade de “arrumar a casa” (Martins, 1999: 15). Para isso anunciava que se encontrava em preparação uma proposta de lei-quadro do ensino superior que:

No seu conjunto e em nome deste objectivo de estabilização e de consolidação, encontrar respostas para a adequação e relação do ensino superior e os sistemas não formais de educação e formação, para a questão do modelo fundacional das instituições de ensino superior particular e cooperativo, para a questão da ligação da relação e da eventual fusão entre instituições e o regime, para a questão dos recursos humanos, onde se incluem as incompatibilidades e as acumulações, mas também sobre o impacto da imagem do sistema de Avaliação de Ensino Superior na opinião pública (idem: 17).

Uma nova Lei sobre a organização e o ordenamento do ensino superior (Lei nº 26/2000, de 23 de agosto) foi efetivamente publicada no seu tempo, mas nunca chegou a ser regulamentada. Oliveira Martins viria a ser substituído menos de um mês depois da publicação da Lei, tendo a mesma vindo a ser revogada no tempo do Ministro Pedro Lynce, o primeiro Ministro da Ciência e do Ensino Superior, pela Lei nº 1/2003, de 6 de janeiro. A substituição de Oliveira Martins como Ministro da Educação ocorreu num período de instabilidade política que tornava difícil gerar os consensos parlamentares necessários às mudanças legislativas. A primeira década do século XX viria a ser marcada pela demissão de António Guterres como Chefe do

110 Governo, em 2002, o que levou a eleições legislativas que seriam ganhas pelo PSD. Não tendo obtido, porém, maioria parlamentar, este partido aliou-se ao CDS-PP para a formação do XV Governo Constitucional. José Manuel Durão Barroso, que sucedera a António Guterres como Primeiro-Ministro, foi ocupar o cargo de Presidente da CE, em 2004. Por sua vez, Pedro Santana Lopes, o Primeiro-Ministro do Governo seguinte, também não chegaria ao final do mandato, em virtude da dissolução da Assembleia da República pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio.

Como se pode ver na Tabela 2, abaixo, entre a última metade de 1999 e a primeira de 2011, Portugal passou por 5 Legislaturas e 6 Governos, sendo quatro do PS e dois da coligação PSD-CDS-PP. O ensino superior foi liderado sucessivamente por 8 ministros, com a tutela do Ministério de Educação até 6 de abril de 2002.

Tabela 2: Composição dos órgãos de soberania em Portugal entre 1999-2009

PR AR Governo Ministros e Secret.ários de Estado 1999 Jorge Sampaio 09/03/1996- 09/03/2006 VII Legislatura (1995-1999) Maioria PS

XIII Governo Constitucional António Guterres 28/10/95-25/10/99

ME: Marçal Grilo 28/10/95-25/10/99 SE: Alfredo Jorge Silva 2000 2001 2002 2003 2004 VIII Legislatura (1999-2002) Maioria PS

XIV Governo Constitucional António Guterres

25.10.1999-06.04.2002

ME: Guilherme d’Oliveira Martins

25/10/99-14/9/00 SE: J. Joaquim Dinis ME: A. Santos Silva 14/9/00-3/7/01 SE: J. Joaquim Dinis ME: Júlio Pedrosa 3/7/01-6/4/02 SE: Pedro Lourtie

IX Legislatura (2002-2005) Coligação PSD-CDS-PP

XV Governo Constitucional José Manuel Durão Barroso 06.04.2002-17.07.2004

MCES: Pedro Lynce 6/4/02-6/10/03 SE: Manuel F. Thomaz MCES: Mª Graça Carvalho 6/10/03-17/7/04 SE: J. Moreira da Silva XVI Governo Constitucional

Pedro Santana Lopes 17/07/2004-12/03/200

MCIES: Mª Graça Carvalho 17/07/04-12/03/05 SE: P. Sampaio Nunes

2005 2006 2007 2008 Cavaco Silva 09/03/2006- 09/03/2016 X Legislatura (2005-2009) Maioria PS

XVII Governo Constitucional José Sócrates

12.03.2005-26.10.2009 MCTES: J. Mariano Gago 12/03/2005-21/06/2011 SE: Manuel Heitor 2009

2010

XI Legislatura (2009-2011) Maioria PS

XVIII Governo

Constitucional José Sócrates 26.10.2009-21.06.2011

Fontes: Portal do Governo, www.portugal.gov.pt/; Portal do CNE, www.cnedu.pt/; Portal da DGES, www.dges.mctes.pt/;; CRUP; CCISP

111 Nesta data, em linha com a estratégia europeia de ligação do ensino superior à ciência, o novo governo do PSD chefiado por Durão Barroso fez transitar o ensino superior para o Ministério da Ciência. Foi assim criado o Ministério da Ciência e Ensino Superior em outubro de 2002 (Decreto-Lei nº 205/2002, de 7 de outubro), com Pedro Lynce como Ministro, separando pela primeira vez na história da educação em Portugal o subsistema do ensino superior do subsistema do ensino básico e secundário.

O Programa deste Governo fez menção direta ao EEES e à Declaração de Bolonha: “A criação dum espaço europeu do ensino superior, consubstanciado na Declaração de Bolonha, constituirá uma nova e importante linha mestra de orientação para o desenvolvimento do nosso ensino superior” (Governo de Portugal, 2002: 114). No entanto, a instabilidade política já referida atrasou a criação do quadro legal que permitiria a concretização do PB em Portugal. Apenas em 2005, com a vitória eleitoral do PS que levou á constituição do XVII Governo Constitucional, se verificou uma maioria parlamentar que conseguiu aprovar as alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 49/2005, de 30 de agosto), relativas ao sistema de graus do ensino superior, ponto de partida para a posterior legislação.

3.2. Desenvolvimentos do PB em Portugal na década 2000-2010: atores e ações