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6. Modelo de análise

6.4. Fases, métodos e procedimentos

6.4.2. Segunda fase: A edição do referencial

A segunda fase teve em vista obter respostas para os objetivos do eixo 3. Tendo em conta a natureza destes objetivos, optou-se por um método “não intrusivo” (Hesse- Biber & Leavy, 2011) concordando em que podemos aprender acerca da sociedade, quer seja sobre normas, valores ou socialização e estratificação social, pesquisando os

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Por exemplo, a Lei nº 49/2005, de 30 de agosto tem o código 05/A1a/AR/3 e a comunicação “Notas para reflexão sobre Bolonha – oportunidade imperdível” de Sebastião Feyo de Azevedo tem o código 02/B2a/SFA/1.

65 materiais produzidos no seu seio uma vez que estes refletem processos macrossociais e visões do mundo (idem: 227).

Foi assim decidido realizar uma análise de conteúdo dos textos da autoria dos atores que, através da análise biográfica realizada na fase anterior, foram considerados os

mediadores do PB em Portugal. O objeto da análise foi o conjunto de documentos da

autoria destes atores. Note-se que nove dos atores caracterizados não tiveram produção individual de textos, pelo que o número de atores individuais em análise nesta fase foi de onze: Adriano Moreira; Alberto Amaral; Eduardo Marçal Grilo; José Ferreira Gomes; José Mariano Gago; José Veiga Simão; Júlio Pedrosa; Luís Soares; Pedro Lourtie; Sebastião Feio de Azevedo e Sérgio Machado dos Santos.

Tendo em conta o quadro teórico explicitado e discutido no Capítulo 3, nomeadamente as abordagens cognitivas da política, procurámos captar os referenciais cognitivos e as interpretações dos atores envolvidos nesta política pública, considerando que estes desempenharam um papel crucial no modo como o PB, enquanto desígnio de um espaço político supranacional, foi editado em Portugal. A noção de referencial global-setorial (RGS) de Muller (1995) pareceu-nos particularmente adequada e útil não só para a definição dos objetivos da análise de conteúdo mas também para a construção de um instrumento metodológico adequado.

Assim, definimos os seguintes objetivos específicos para a análise de conteúdo: 1. Descrever e analisar o referencial global-setorial (RGS) do PB por parte dos

atores;

2. Descrever e analisar as interpretações do PB por parte dos atores;

3. Descrever e analisar o modo como essas interpretações foram editadas no âmbito do processo de definição de orientações para a reforma do ensino superior português no período em análise.

Os documentos foram analisados em função de um conjunto de categorias semânticas que, tendo em conta os objetivos atrás enunciados, se reportam a três dimensões de análise: o referencial; as interpretações do Processo de Bolonha; a concretização do Processo de Bolonha em Portugal, com as questões associadas à implementação do mesmo. Seguiu-se, assim, uma abordagem predominantemente indutiva (Hesse-Biber

66 & Leavy, 2011: 13), em que os dados foram eles próprios geradores de interpretações sobre a situação em estudo.

Procedimentos

Para a recolha de dados com vista à análise de conteúdo, foi criada uma grelha de análise contendo as dimensões do estudo – referencial, interpretações do PB e concretização do PB em Portugal, para as quais foram definidas um total de dez categorias (quatro para a dimensão reerencial; três para a dimensão interpretações do PB; três para a dimensão concretização do PB em Portugal). A grelha assim construída foi usada para a recolha de dados relativa aos textos de cada um dos atores coletivos e de cada um dos atores individuais.

A análise dos documentos de cada ator procurou a identificação de unidades temáticas em cada uma das categorias definidas previamente. Posteriormente, procedeu-se a uma análise transversal de cada uma das categorias tendo em vista a deteção de temáticas e pontos de vista convergentes, divergentes e dominantes, com a finalidade de estabelecer subcategorias que pudessem constituir chaves de interpretação das dimensões do estudo.

Definição de categorias de análise

Na definição das categorias optou-se por um método misto, umas vezes dedutivo outras vezes indutivo, conforme se explicita a seguir.

Referencial

Na definição das categorias do referencial usou-se o método dedutivo, adotando a noção de referencial global setorial (RGS) de Bruno Jobert e Pierre Muller (1987), segundo a qual as políticas são espaços de conceptualização e construção de novas relações entre o mundo e as pessoas, que implicam a definição de novos papéis para os diferentes setores da sociedade. Adotou-se particularmente o modelo de análise de Muller (1995), segundo o qual o referencial comporta valores, normas, algoritmos e

imagens, e partiu-se do pressuposto de que a novas representações da sociedade

global correspondem novos papéis setoriais (Jobert e Muller, 1987), neste caso um novo papel para o ensino superior.

67 A operacionalização do modelo não foi, no entanto, isenta de dificuldades. Na realidade, o referencial, sendo constituído por quatro níveis de perceção do mundo (Muller, 1995: 158), é uma noção compósita, onde cada nível age sobre os outros modificando o sentido global do conjunto. Esta globalidade inextricável comportou dificuldades acrescidas para a seleção de unidades de texto significativas correspondentes a cada categoria, onde nem sempre foi possível distinguir os diferentes níveis. Assumiu-se por isso as inevitáveis sobreposições daí resultantes, optando-se simultaneamente pela seleção de unidades semânticas geralmente longas, ao invés de formulações curtas descontextualizadas e, por isso, potencialmente erróneas.

Particularmente difícil foi a distinção entre valores e normas. Muller define valores como “as representações mais fundamentais (o deep core de Sabatier28

) do que é bem ou do que é mal, desejável ou a evitar” (Muller, 1995: 158). Para Sabatier e Jenkins, o

deep core “inclui convicções ontológicas e normativas básicas, tais como o valor

relativo da liberdade individual versus igualdade social, que são virtualmente transversais a todos os domínios políticos” (Sabatier & Jenkins-Smith, 1999: 121).

Seguindo esta linha de pensamento, nesta categoria incluíu-se, além dos valores éticos e morais e dos direitos e deveres associados aos mesmos, princípios e conceitos chave relativos à cidadania e à educação em geral e, em particular, ao ensino superior. Deste modo, os novos conceitos de conhecimento, de educação e de formação emergentes na chamada sociedade do conhecimento, e que vieram a ser assumidos pelo PB, foram aqui incluídos por se considerar que estes constituem as bases a partir das quais se definem as normas relativas às IES e ao novo papel do ensino superior.

A diferença entre os princípios que foram incluídos nesta categoria e os princípios incluídos na categoria normas é que os primeiros são formulados pelos autores em termos ontológicos e axiológicos, isto é, definem a natureza daquilo a que se referem e assumem valores inerentes à mesma. Os segundos são “princípios de ação” (idem: 159), isto é, apontam para transformações julgadas necessárias a fim de cumprir a visão que os autores têm da sociedade e dos valores e princípios que devem ser

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Sabatier, P. A. & Jenkins-Smith, H. C. (eds) (1993). Policy change and learning, an advocacy coalition approach. Boulder: Westview Press, p. 5.

68 preservados. É assim que a autonomia universitária, por exemplo, foi considerada umas vezes uma subcategoria de valores e outras vezes uma subcategoria de normas, conforme a intenção comunicativa do autor e o contexto a que se reporta.

As categorias que foram consideradas para captar o quadro de referências dos atores foram as seguintes:

 Valores: os princípios mobilizadores da ação humana que adotam e que consideram conter as noções éticas de bem e de mal, de certo e de errado;

 Normas ou visão da sociedade: as suas representações da sociedade ideal e os seus princípios de ação para transpor a distância entre a sociedade atual, insatisfatória, e a sociedade ideal;

 Algoritmos: o percurso, os meios e os instrumentos que consideram adequados tendo em vista a sociedade ideal a atingir;

 Papel e contributos do ensino superior: a nova relação que percecionam entre o ensino superior e a sociedade que procuram atingir.

Interpretações do Processo de Bolonha

Nesta dimensão procurou-se captar a perspetiva dos atores através das suas formulações sobre os temas que perpassam a literatura sobre o PB, tal como se identificou no Capítulo 1. O ponto de partida foi pois a literatura, a partir da qual se deduziram as seguintes categorias:

 Linhas de ação: o que consideram que se procura atingir explícita ou implicitamente, e o que realçam como ações inovadoras, necessárias e adequadas, tendo em conta as diversas agendas dos diversos atores do processo e o que eles próprios consideram importante atingir;

 Dinâmica: o modo como percecionam a intervenção dos diversos atores, os métodos e os instrumentos utilizados, bem como os resultados que foram sendo produzidos.

Concretização do PB em Portugal

Nesta dimensão procurou-se determinar a forma como as interpretações do PB foram incorporadas e traduzidas no contexto do ensino superior português. Aqui seguiu-se o método indutivo e definiram-se as categorias a partir da leitura prévia dos

69 documentos, tendo concluído que a generalidade dos mesmos girava em torno das seguintes linhas temáticas: as condicionantes à implementação do PB presentes no sistema de ensino superior português; as implicações consideradas decorrentes dessa implementação; os problemas que colocava e os problemas que o PB visava resolver; as mudanças propostas para a concretização do PB em Portugal. As categorias decorrentes foram então definidas da seguinte forma:

 Condicionantes: o que os atores identificam como elementos condicionadores positivos ou negativos à concretização do PB, bem como problemas face às exigências colocadas pela adoção do PB e as condicionantes presentes;

 Objetivos: o que os atores propõem que se deva atingir com a reforma do ensino superior português, decorrente da implementação do PB em Portugal;

 Mudanças propostas: que mudanças os atores consideram necessárias para a concretização das linhas de ação do PB tendo em conta as condicionantes assinaladas.

Em seguida foi construída uma tabela para cada ator (Ver Tabelas 2-21, em anexo, Volume II), com três colunas na vertical, uma para cada dimensão de análise. Na horizontal foram introduzidas três colunas, uma com as categorias relativas a cada uma das dimensões, outra com as unidades temáticas emergentes (formulações sintéticas das ideias expressas nos textos) e outra com as unidades de texto respetivas (transcrição de excertos de textos).

Análise transversal

Após o preenchimento das tabelas para cada ator, todas as tabelas foram agregadas por dimensão e categoria a fim de verificar convergências e divergências, bem como os referenciais, as interpretações e as propostas dominantes. Para o efeito, todas as unidades temáticas de todos os atores foram organizadas em blocos temáticos mais abrangentes com o propósito de identificar os temas dominantes e, assim, encontrar as subcategorias de cada uma das categorias (Tabelas 22-30, em anexo, Volume II).