• Nenhum resultado encontrado

3. Revisão da literatura

3.2. Literatura sobre a concretização do PB em Portugal

No que respeita à literatura de autores portugueses sobre a concretização do PB em Portugal, encontrámos no Repositório Científico de Acesso Aberto (RCAAP) seis teses de doutoramento, concluídas entre 2010 e 2013, situadas pelos seus autores nas áreas da linguística (Martins, 2012), da sociologia da educação (Morais, 2013), da educação (Veiga, 2010; Sousa, 2011; Brito, 2012) e da didática e formação (Aquino, 2013).

As teses abordam a implementação do PB ao nível das IES, sendo que quatro se debruçam sobre os processos de alterações curriculares e pedagógicas introduzidas nas IES dos respetivos autores, a fim de alcançar os objetivos de Bolonha e uma aborda cursos de formação de professores pós-Bolonha. Isto significa que o enfoque não é a concretização mas os efeitos do PB em mudanças do currículo, da didática e da formação de professores. Estão neste caso as teses sobre as alterações ao nível da organização curricular no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do

26 Porto (Sousa, 2011); sobre a utilização de ferramentas web no ensino do inglês numa unidade curricular da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viseu (Martins, 2012); sobre inovações no processo de ensino da matemática no Politécnico da Guarda (Aquino, 2013); sobre alterações nas práticas de avaliação de docentes de cursos de licenciatura em tecnologias da saúde e enfermagem (Morais, 2013); sobre a formação de professores nas Escolas Superiores de Educação (Brito, 2012) .

Apenas uma tese na área da educação se situa claramente no campo da análise política (Veiga, 2010). Centrando-se também no nível organizacional, tem no entanto maior abrangência, analisando, através de um questionário, as perceções do pessoal docente, estudantes e pessoal não-docente de sete IES em quatro países europeus: Alemanha, Itália, Noruega e Portugal. A finalidade da investigação era “avaliar em que medida a implementação do processo de Bolonha estava a contribuir para a institucionalização de uma Área Europeia de Ensino Superior” (ibidem: 3). Utilizando a abordagem do

ciclo de políticas10 e do neoinstitucionalismo sociológico11, a autora concluíu que o discurso de sucesso associado ao PB no país político não correspondia à efetiva institualização do EEES no país real, ou seja, a implementação não estava a corresponder a este objetivo pré-estabelecido, ainda que os instrumentos políticos estivessem postos em prática.

A autora conclui que o nível de consciência de Bolonha como processo político, nas IES analisadas, era baixo, com muitos respondentes a não manifestarem opiniões sobre as questões colocadas. Ao nível das transformações e dos impactos gerados pelas reformas, o grau de consciência é razoável. No entanto, verificou-se a existência de diferentes interpretações e a possibilidade de que as alterações ocorridas tenham sido progressivas e não planeadas, como a mudança de práticas pedagógicas, um dos resultados mais em foco: os resultados da investigação apontam para “a predominância da reforma pedagógica nas universidades escrutinadas como um importante resultado de implementação” (idem: 442).

10 A autora refere: Ball, 1994; Bowe, et al., 1992. 11

A autora refere: Dimaggio & Powell, 1983; March & Olsen, 1989, 2006; Peters, 1999; Powell, 2007; Scott, 2003.

27 No que respeita a 48 artigos publicados em revistas científicas focados na situação portuguesa, alojados no RCAAP, a situação é idêntica à acima descrita para as teses. A larga maioria dos artigos analisa alterações curriculares e metodológicas nas áreas científicas e nas IES dos respetivos autores ou outros aspetos concretos associados ao PB, tais como as perceções e necessidades dos estudantes e a empregabilidade dos cursos pós-Bolonha. Há no entanto um conjunto de 10 artigos que aborda a implementação nacional do PB numa perspetiva global comparada em Portugal e noutros países, procurando captar interpretações dos atores no terreno - estudantes, académicos e políticos (Veiga, Amaral & Mendes, 2008; Veiga & Amaral, 2009, 2012; Veiga, 2012; Neave & Veiga, 2013; Sin, 2012b, 2014a, 2014b; Sin & Saunders, 2014). Note-se que os artigos analisam resultados de três estudos empíricos, de dimensão variável.

Um é um estudo extensivo que se baseia num inquérito aplicado a todas as instituições de ensino superior portuguesas que em 2006 apresentaram propostas de novos cursos ou adequação de cursos existentes ao modelo de Bolonha (Amaral, Veiga & Rosa, 2007). Os resultados do estudo foram publicados em dois artigos científicos (Veiga, Amaral & Mendes, 2008; Veiga & Amaral, 2009), tendo os autores concluído que a implementação do PB em Portugal estava a ser feita “na forma e não na substância” (Veiga & Amaral, 2009: 67). Outra conclusão foi de que a finalidade do PB percebida pelos respondentes tinha mais a ver com a mudança do paradigma educacional do que com os objetivos expressos da Declaração de Bolonha, tais como a promoção da empregabilidade e da mobilidade (ibidem).

Um outro estudo, que constitui a base empírica da tese de doutoramento de Amélia Veiga (2010), é objeto de análise em mais três artigos científicos (Veiga & Amaral, 2012; Veiga, 2012; Neave & Veiga, 2013). Como atrás referido, o estudo faz uso da abordagem do ciclo de políticas e do neoinstitucionalismo sociológico, centrando-se nas perceções do pessoal docente, estudantes e pessoal não-docente de sete IES em quatro países europeus. Nos três artigos é apresentado a análise das respostas a um questionário que focava: o impacto do PB enquanto política; a sua implementação na universidade; as mudanças introduzidas no processo de ensino/aprendizagem e na investigação (Neave & Veiga, 2013). As conclusões apontam para a importância dos processos de reinterpretação e recontextualização do PB ao nível organizacional (o

28

país real), onde as prioridades dos respetivos sistemas de ensino superior são

assumidas como oportunidades de mudanças, em detrimento dos objetivos explícitos do PB ao nível Europeu (mobilidade, comparabilidade, empregabilidade). Assim, o PB parece ser visto como um fim em si próprio, ou seja, como comportando a exigência de proceder a alterações formais do sistema, tais como a implementação de um novo sistema de ciclos e o uso do ECTS, e não como um meio para a construção do EEES (a grande finalidade do PB ao nível Europeu). Além disso, a reforma em torno da alteração do paradigma centrado no ensino para a aprendizagem centrada no estudante surge como o grande desafio colocado às instituições portuguesas.

O último estudo, base empírica da tese de doutoramento de Cristina Sin (2012a), baseia-se em entrevistas semiestruturadas a académicos e a outros atores ao nível nacional, no período entre dezembro 2009 e junho 2010, em três países: Inglaterra, Portugal e Dinamarca. Os entrevistados incluíram, além de docentes e estudantes, políticos responsáveis por órgãos ou estruturas políticas que orientaram a implementação do PB. Em Portugal, foram entrevistados o então Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o respetivo Secretário de Estado, um antigo Secretário de Estado do Ensino Superior e um representante português no BFUG. Foram ainda entrevistados 11 docentes e 8 estudantes de dois cursos de mestrado em Física e um representante de uma organização de estudantes. As análises e interpretações das respostas são apresentadas em quatro artigos científicos (Sin, 2012b, 2014a, 2014b; Sin & Saunders, 2014).

Um dos artigos (Sin, 2014b) centra-se especificamente nas interpretações dos objetivos de aprendizagem (learning outcomes), concluindo que existem fortes discrepâncias no entendimento sobre este conceito, aos diversos níveis: intenções políticas, prática académica e experiência dos estudantes. Além do mais, em Portugal, apesar do discurso académico e oficial (e.g. Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de março) sobre o paradigma pedagógico de ensino centrado no aluno, quer os docentes quer os estudantes entrevistados mostraram desconhecer o real significado de objetivos de aprendizagem. Escreve Sin (2014b: 1833):

A definição de objetivos de aprendizagem parece ter sido uma atividade burocrática em ambas as instituições, já que as entrevistas sugerem pouca consciência do conceito e ainda menos a sua incorporação na prática. O conteúdo parece ser o que continua a

29 guiar a prática. Isto é reforçado pelas perceções dos estudantes portugueses entrevistados: ausência total de consciência sobre o que são objetivos de aprendizagem.

Os artigos Sin (2012b; 2014b) e Sin & Saunders (2014) adotam diferentes perspetivas teóricas e conceitos – a teoria da interpretação cultural12, a teoria das práticas

sociais13, o ciclo de políticas, discurso político e texto político14, escada de

implementação15, campo político16. Num dos artigos (Sin, 2014a) a autora segue uma abordagem focada no objeto político, conceito articulado com os de ontologia e

ontologia posta em prática (enacted ontology), e que que a autora propõe a partir da

teoria do construtivismo social17.

As conclusões apontam todas na mesma direção, ou seja, dado a natureza não obrigatória e os mecanismos de soft law usados na sua coordenação, o PB foi concretizado através de práticas diferenciadas, decorrentes de diferentes perceções e atitudes, bem como de diferentes processos de tradução e interpretação por parte dos atores no terreno. No que diz respeito a Portugal, a concretização do PB é caracterizada como empenho criativo (Sin & Saunders, 2014). De acordo com esta categoria, os académicos iniciaram mudanças nas IES decorrentes do PB antes de a legislação ter sido publicada e elegeram a mudança do paradigma pedagógico como central à implementação do PB, segundo a autora, antes da mesma ter sido introduzido no discurso oficial do PB:

... a dimensão pedagógica emergiu como um entendimento português inovador do Processo antes da noção de aprendizagem centrada no aluno começar a receber atenção nos documentos oficiais de Bolonha. Pelo seu entendimento criativo de Bolonha, o caso português oferece uma boa ilustração da metáfora da ‘política como texto’ (idem: 536).