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As análises da literatura, em conjunto com as perspetivas teóricas apresentadas, permitem estabelecer como ponto de partida para a tese a conceptualização do PB como ação pública (Commaille 2004; Delvaux, 2009) que se inscreve num movimento de governança (Le Galès, 2004) supranacional, em que atores com diferentes estatutos e poderes partilham espaços de fabricação de políticas públicas. Essas políticas são, elas próprias, resultantes de fóruns (Jobert, 1994, 2004), ou seja, de espaços político-económicos mais abrangentes onde tem lugar a fabricação de um novo referencial global (Jobert & Muller, 1987) que se tem vindo a impor a partir da última década do século XX.

Sob a influência deste novo referencial, caracterizado, por exemplo, como referencial

de mercado por Jobert (1994) e Muller (2004) e de economia e sociedade do conhecimento por Ravinet (2008), produz-se um ajustamento do papel do ensino

superior na sociedade, estabelecendo-se uma nova relação global-setorial (RGS). O novo RGS leva à aceitação, por parte dos governos nacionais europeus, do PB como

algoritmo incontornável para a afirmação e a competitividade do ensino superior

europeu e, por esta via, da afirmação da Europa como potência mundial baseada no conhecimento, sendo isto percecionado como vantagem quer para os estados membros quer para as IES.

50 O processo de disseminação do referencial subjacente ao PB não é, porém, linear. Ele é objeto de sucessivos processos de edição enquanto circula através de diferentes

fóruns, em instâncias de discussão e decisão quer ao nível europeu quer ao nível

nacional e local, nos países aderentes. Ao nível europeu, o BFUG emerge como o grande fórum para onde convergem e de onde irradiam outros fóruns constituídos por diversos grupos de peritos, de profissionais e de stakeholders tanto ao nível europeu como ao nível nacional. Estes processos fazem emergir tanto os mediadores (Muller, 1990) ou editores (Wedlin & Sahlin, 2017) que editam o referencial ao circularem entre fóruns e instâncias, como os objetos que o materializam e que o impõem.

É esta moldura multidimensional, multinível e multirregulatória que torna inteligível o desenrolar do PB em Portugal. Num contexto de insatisfação generalizada acerca do ensino superior português, sobre o qual se escrevia que se tornava urgente “arrumar a casa” (Martins, 1999:15), muitos atores sociais – governo, órgãos consultivos, políticos, académicos - viram no PB uma oportunidade para realizar mudanças desejadas. O facto de todos desejarem mudanças não significa que o sentido das mudanças fosse igual para todos. O debate e a luta política que tiveram lugar na sociedade portuguesa da época evidenciaram diferenças na forma como o novo

referencial europeu foi interpretado e editado para a situação portuguesa pelos atores

nacionais. Diversas formas de intervenção política e social fizeram assim emergir

mediadores que, pelas posições ocupadas e prestígio junto de diversas audiências,

conseguiram impor a sua visão da sociedade e do ensino superior e, através de processos de edição de ideias circulantes, definir orientações para a reestruturação do ensino superior português.

Como referido na revisão da literatura, as interpretações do PB que foram disseminadas pelos atores nacionais, bem como as orientações que foram propostas e implementadas no plano nacional, a partir dos contextos em que esses atores atuaram, não foram ainda objeto de análise do ponto de vista do quadro teórico que se propõe aqui mobilizar. Ora, este quadro permite lançar a hipótese de que tais interpretações e propostas decorreram dos quadros cognitivos e normativos desses atores e resultaram de processos de apropriação e edição do novo referencial do ensino superior europeu (RGS) que estava em formação ao nível supranacional.

51 Aprofundando esta hipótese geral, em conjugação com a revisão da literatura, é possível formular um conjunto de seis hipóteses mais específicas:

1) O PB constitui uma ação pública supranacional que atravessa a área de responsabilidade da definição de políticas nacionais. Esta circunstância marca a natureza do modelo de governança seguido, com recurso a uma regulação soft, tendente a atuar ao nível da adoção voluntária de compromissos por parte dos governos nacionais;

2) O referencial subjacente ao PB resulta de fóruns políticos que funcionam num quadro de globalização económica inspirado por exigências de competitividade baseada no conhecimento;

3) O BFUG, o principal fórum político do PB, irradia e é, simultaneamente, um centro de confluência de ideias e de interesses dos participantes e das suas redes de retaguarda;

4) Os referenciais circulam em contextos internacionais, através de documentos ou ações, estando sujeitos a processos de edição em função dos contextos nacionais e dos quadros cognitivos e normativos dos mediadores nacionais;

5) Os mediadores nacionais editam o referencial do PB através de processos de interação desenvolvidos em fóruns nacionais;

6) Os documentos são os meios privilegiados de interação entre os atores nos processos de formulação e disseminação do referencial.

Partindo destas hipóteses, a análise procura elementos chave para a compreensão do processo de edição do referencial do PB em Portugal. Procura, nomeadamente, compreender o processo de ação multinível em que se desenvolveu o PB, identificando os mediadores nacionais que geraram esquemas interpretativos e orientações para a ação pública em matéria de ensino superior, bem como os fóruns em que atuaram, analisando os seus esquemas interpretativos e orientações para a

52 ação pública em matéria de «reorganização do ensino superior» em Portugal. Procura, em paralelo, identificar e analisar os meios a que os mediadores recorreram no processo de edição do referencial.

Assim concebido, o estudo poderá lançar luz sobre os processos sociais e comunicacionais que permitiram que o referencial do PB se disseminasse e se reconstruísse, através das interações ocorridas no contexto sociopolítico nacional, e, desta forma, contribuir para a compreensão geral dos processos de edição (Sahlin & Wedlin, 2008) de novos referenciais. Neste sentido, o estudo da edição e apropriação do RGS do PB, como atrás mencionado, pode ser tomado como um analisador das mudanças que nas últimas décadas se vêm observando quanto aos modos como as políticas públicas se concretizam e desta forma contribuir para a compreensão geral dos fenómenos sociais de disseminação e apropriação de novos referenciais, enquanto traço essencial da ação pública multinível caraterística do tempo atual.