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4. INVADINDO A TORRE

4.5 EDI‚ÌO EM TEMPOS DE INTERNET

Uma das perguntas-chave desta pesquisa, repetida a todos os entrevistados, foi: afinal, editar um jornal impresso est‡ mais f‡cil ou mais dif’cil atualmente, considerando o acesso ˆs novas tecnologias?

Talvez surpreendendo os mais cŽticos, que gostam de opor os jornalistas aos intelectuais de Òpuro sangueÓ, as reflex›es tecidas pelos pr—prios editores a partir da quest‹o proposta foram ricas e de natureza complexa.

Os diretores das reda•›es de Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, Destak e Metro concordam em um ponto: aparentemente o trabalho do editor de jornal ficou mais f‡cil, isto Ž, h‡ mais informa•‹o ˆ disposi•‹o e fica cada vez mais raro tomar um grande furo da concorr•ncia ou imprimir uma ÒbarrigaÓ (informa•‹o errada). Mas, mais profundamente, o trabalho, dizem, ficou muito mais complexo.

Ricardo Gandour, do Estad‹o, diz que a internet na vida do editor Òtem pr—s e contrasÓ, porŽm Òmais pr—s do que contras, certamenteÓ. O diretor de conteœdo enfatiza, todavia, que Òos contras s‹o de extrema aten•‹oÓ.

Ð Os pr—s: evidentemente voc• tem hoje muito acesso ˆ informa•‹o. Antigamente voc• fazia pesquisa de um assunto [e] a assinatura de publica•›es estrangeiras era privilŽgio do gabinete, dos chef›es. Com as redes sociais voc• consegue ver os assuntos sens’veis, mapear o mundo, enfim.

Mas, para o executivo, um œnico ÒcontraÓ p›e em risco todos os pr—s ligados ˆ facilidade de acesso ao oceano de informa•›es da internet: a dispers‹o.

Ð Tem um contra que eu acho relevante, que se n‹o for bem tratado pode virar um contra muito importante em rela•‹o a todos os outros pr—s, que Ž o risco da dispers‹o. Nem sempre mais informa•‹o Ž melhor informa•‹o. Voc• tem tanta informa•‹o, tanto update, que voc• perde o tempo de reflex‹o. O tempo de pensar. E para editar bem Ž preciso pensar, Ž preciso entender, parar para entender o cen‡rio. Entender o contexto. E esse ambiente saturado e interativo pode levar a essa desaten•‹o, ao erro, ˆ conclus‹o precipitada. Esse Ž o maior desafio do editor hoje.

Ð Eu acho que o ambiente Ž mais rico, desde que o editor combata esse risco. Ent‹o veja que a internet traz com ela a riqueza inform‡tica, mas ao mesmo tempo a amea•a de n‹o pensar.

Em suma, diz Gandour, o editor Òtem de estar bem informado Ð o que n‹o Ž sin™nimo de estar volumosamente informadoÓ. ÒEditar ficou mais complexo, mas ficou mais interessante tambŽmÓ, resume o diretor de conteœdo do Grupo Estado.

Ð Pr—s e contras somados eu acho que ficou mais f‡cil [editar]. Mas bem mais trabalhoso Ð, diz SŽrgio D‡vila.

Para ele, outro risco que a internet traz, alŽm da dispers‹o da aten•‹o e empenho dos editores na filtragem de informa•›es, Ž o do comodismo. Ficou mais f‡cil editar porque h‡ informa•‹o abundante, diz, e, com a atualiza•‹o constante dos sites e outros ve’culos de informa•‹o, o editor consegue Òjogar na defensivaÓ e publicar tudo o que a concorr•ncia publica, com pouca originalidade.

Ð Voc• consegue ficar um m•s sem arriscar e fazer o seu trabalho, ninguŽm vai perceber. Eu tento tirar os editores da zona de conforto porque eu acho que uma das fun•›es atŽ sociais do jornal Ž tirar o leitor da zona de conforto. A gente procura muito n‹o fazer o Daily Me127. A gente n‹o quer refor•ar a cada ciclo de 24 horas as convic•›es do leitor, as opini›es que ele j‡ tem. A gente quer tambŽm apresentar a ele o contradit—rio, o que se chama no jarg‹o de Ôoutro ladoÕ. Mas Ž um outro lado mais filosoficamente amplo, n‹o Ž s— essa informa•‹o e esse acusado diz que a informa•‹o est‡ errada. ƒ dizer Ôh‡ essa tend•ncia, essa corrente, mas tambŽm h‡ essa outra, conhe•a essa outra e tire a sua conclus‹oÕ. Isso eu tento que seja uma marca da minha gest‹o como editor dos editores. Eu tento tirar eles da zona de conforto porque eu quero que eles tirem o leitor da zona de conforto. N‹o tirar por tirar, n‹o Ž uma coisa que tem de ser feita a cada matŽria, mas se a cada edi•‹o voc• trouxer uma reportagem, um artigo, um ponto de vista que tire o leitor da sua zona de conforto, eu acho que o jornal est‡ cumprindo a sua fun•‹o social.

Marcos Guterman, que tambŽm trabalhou em jornal antes, durante e depois da massifica•‹o da internet no pa’s, e que hoje edita a Primeira P‡gina do Estad‹o, diz que editar era muito mais dif’cil no passado.

Ð Hoje, para voc• saber o que est‡ acontecendo l‡ no meio da S’ria, naquela confus‹o toda [Ž mais f‡cil]. Abu-Ghraib, por exemplo. Quantas dŽcadas levariam se n‹o fossem os celulares com c‰mera pra voc• chegar naquelas fotos, que os soldados tiram porque estavam achando divertido, e aquilo circula na internet como p—lvora? ƒ perfeito" Facilitou voc• chegar onde n‹o se chegava. N‹o tem mais como tentar esconder not’cia. Governos n‹o conseguem mais esconder, porque sempre tem alguŽm com um celular na m‹o, uma c‰mera digital, para fazer a imagem chegar em tempo real, e assim por diante. N‹o tem mais como esconder, e os governos est‹o tendo que se reinventar. Para os jornais, Ž maravilhoso, porque Ž mais f‡cil apurar hoje em dia do que antigamente. O acesso ˆ informa•‹o Ž muito mais f‡cil. Tudo bem, voc• vai dizer, Ômas e a pasteuriza•‹o do notici‡rio?Õ, porque todos fazem tudo de acordo com as mesmas fontes. ƒ, Ž um problema, mas a’ vale a experi•ncia. Jornalistas mais tarimbados percebem o que est‡ muito —bvio.

Noelly Russo, ex-diretora de Reda•‹o dos jornais Metro e MTV na Rua, concorda com o perigo de as tenta•›es do comodismo imobilizarem o editor, entorpecendo sua criatividade. E vai alŽm: n‹o basta reproduzir o nœcleo das not’cias publicadas na internet na vŽspera porque hoje o leitor Ž t‹o cercado e bombardeado por m’dias que as informa•›es b‡sicas sobre um acontecimento j‡ s‹o conhecidas. ƒ preciso ir alŽm delas.

Ð O leitor hoje j‡ viu o fato que deu origem ˆ not’cia ÔnÕ vezes. Hoje a informa•‹o Ž muito mais difundida. Um exemplo besta: lista de vestibular. Antes, o jornal era a œnica maneira de saber. O editor n‹o precisava planejar uma edi•‹o especial, bastava trazer o nome [dos aprovados]. Hoje Ž importante trazer alguma coisa a mais. Os jornais que n‹o fizerem essa transi•‹o do olhar diferente, o editor que n‹o consegue abrir m‹o de dar tudo o que est‡ na internet, perdeu. O cara que edita com uma rede de seguran•a, d‡ pelo menos um colun‹ozinho para garantir que ninguŽm o cobraria por certo assunto, n‹o tem como prosperar. O editor que n‹o abre

m‹o de dar tudo vai matar o jornal. O editor que hoje faz o desdobramento, a terapia do fato, o day after, esse Ž o cara que vai ajudar o jornal.

Carlos Graieb, ex-editor no Estad‹o e hoje editor executivo da revista Veja, pontua: ÒA informa•‹o de internet, hoje, Ž commodity. ƒ sojaÓ.

Ð Todo mundo est‡ dando as mesmas hist—rias, nos mesmos momentos. E como voc• se diferencia, como coloca a cabe•a fora da ‡gua? A’ que Ž o drama" Ð desabafa, expressando j‡ uma angœstia recorrente entre os editores de jornal impresso. Como se destacar? Como dar, como diz Noelly Russo, o olhar original, o ÒsaborzinhoÓ?

Naturalmente esta Ž uma preocupa•‹o que desde sempre habita o rol de prioridades de qualquer editor. Desde que h‡ concorr•ncia, entre jornais ou com outras m’dias, h‡ a necessidade de se destacar. Sempre houve a possibilidade de fazer a cobertura burocr‡tica, seguindo as receitas mais elementares de apura•‹o ou de edi•‹o, contentando-se com o m’nimo. E sempre houve os que se destacaram nesse cen‡rio, sobressaindo-se com o olhar œnico Ð e sens’vel Ð diante de um fen™meno social. Os que investiram, como defende Cremilda Medina, na comunh‹o da poŽtica, da tŽcnica e da estŽtica para atingir a verdadeira dialogia social.

Burocr‡tica, a cobertura vira uma mesmice e estreita dramaticamente o horizonte da media•‹o social. SŽrgio D‡vila chama a isso de Òefeito Brahma- AntarcticaÓ.

Ð ƒ comum um efeito Brahma-Antarctica, prŽ-fus‹o da AmBev. Voc• bebia a Brahma, uma cerveja muito boa, voc• bebia a Antarctica, muito boa, e, desde que elas estivessem geladas... A Folha Ž um jornal muito bom, o Estado Ž um jornal muito bom, o Globo Ž um jornal muito bom. Depende dos seus interesses, da sua forma•‹o. Como se diferenciar nesse cen‡rio em que os jornais s‹o basicamente parecidos? Informa•‹o original e originalidade.

Suzana Singer, ombudsman da Folha, diz que a internet deixou o ato de editar por um lado mais f‡cil, por acelerar processos como escolher fotos, informar-se sobre

o que acontece no mundo e sobre o que a concorr•ncia est‡ noticiando, pesquisar e checar dados relativos a nomes, biografias e acontecimentos hist—ricos. Por outro lado:

Ð O que eu acho que fica mais dif’cil Ž que voc• tem uma press‹o maior. Todo mundo sabe a quantidade de informa•‹o que voc• tem e o que voc• esta dando. Para escolher, editar, Ž mais confuso, mais dif’cil. Voc• perde mais tempo, mais energia, tentando buscar um monte de coisas, e a’ acaba se diferenciando pouco. Se diferenciar e conseguir fazer uma edi•‹o muito diferente da que todos t•m Ž mais dif’cil.

O desafio atinge tambŽm os rep—rteres, que podem se acomodar, completa a ombudsman:

Ð Hoje cada rep—rter produz muito menos do que produzia antes, e vai-se muito menos ˆ rua, porque conseguem pesquisar, entrevistar, mandar e-mail para qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Com isso voc• sai menos da Reda•‹o, voc• v• menos coisas, v• menos gente, e as matŽrias ficam mais pasteurizadas.

Contra isso, Carlos Graieb ressalta a import‰ncia do olhar do jornalista Ð seja ele rep—rter, seja ele editor, porque a atividade se constr—i coletivamente, no di‡logo de muitos.

Ð Jornalismo Ž mais ou menos um daqueles pal‡cios europeus, que tem uma fachada com 40 janelas, cada uma oferecendo uma perspectiva sobre a mesma paisagem. Voc• precisa escolher por qual delas voc• quer olhar. ƒ uma tarefa do editor.

Uma maneira de se diferenciar da concorr•ncia, portanto, e agregar valor ˆ commodity da informa•‹o, seria atravŽs do olhar original do editor, da angula•‹o inusitada Ð mas n‹o inusitada a troco de nada, apenas para chamar a aten•‹o ou chocar, sublinha SŽrgio D‡vila. ƒ preciso ser inusitada e inteligente, adequada ao seu contexto, capaz de tirar o leitor de sua zona de conforto ao mostrar-lhe outros pontos de vista sob um mesmo evento.

O fluxo ininterrupto de informa•›es na internet perturba Marcos Guterman, editor de Primeira P‡gina do Estad‹o, que v• ali o risco da informa•‹o irrefletida. Para o jornalista, as Ònot’ciasÓ veiculadas aos milh›es em redes sociais como o Twitter128 deveriam ser assim grafadas, entre aspas, porque na realidade seus 140 caracteres n‹o se comparariam ao trabalho de um mediador social dedicado ˆ apura•‹o e narra•‹o dos fen™menos da atualidade.

Ð [Eu acho que] existe not’cia sem aspa e com aspa. Com aspa Ž a que se tem em 140 caracteres: tudo agora virou not’cia. Piscou, Ž not’cia. N‹o, n‹o Ž. A elabora•‹o, o tempo do jornal, que Ž de 24 horas, ele Ž muito diferente, ou tem que ser muito diferente daquele de 140 caracteres que em 30 segundos voc• p›e no ar. Ent‹o, fazendo uma transposi•‹o para o que se faz hoje, eu sinto uma angœstia enorme em rela•‹o a isso, porque as pessoas acham que isso Ž jornalismo, e n‹o Ž. Isso Ž uma enxurrada de informa•›es, 99% irrelevantes.

Para ele, que alŽm de ser graduado em jornalismo pela C‡sper Libero Ž graduado, mestre e doutorando em Hist—ria pela USP Ð um entre tantos exemplos de forma•‹o interdisciplinar na ‡rea Ð, o sentido de posteridade, ou seja, a relev‰ncia hist—rica dos acontecimentos, n‹o pode ser perdido de vista no trabalho cotidiano dos jornalistas.

Ð [As not’cias do Twitter s‹o] irrelevantes nesse sentido do posterior, o que vai ter peso posterior? Isso s— com um certo distanciamento voc• Ž capaz de avaliar. Por isso Ž que n—s somos bem pagos. O jornalista Ž pago para fazer essa avalia•‹o, n‹o Ž para ficar repetindo que nem um papagaio o que a internet est‡ dando. A internet n‹o pode ser tomada como padr‹o de jornalismo, n‹o pode. Ela, quando muito, Ž uma r‡dio, que faz —timo jornalismo, de presta•‹o de servi•os etc. Mas o que tem de coisa inœtil ali, e n‹o refletida... o mesmo drama, e talvez atŽ pior, vivem as revistas semanais. Acho que existe uma certa irreflex‹o, uma aus•ncia de pensamento racional sobre as coisas que est‹o acontecendo.

Antonio Rocha Filho, do Agora, diz que, pr—s e contras somados, a internet facilitou o trabalho do editor, mas, tambŽm, em conson‰ncia com os demais editores ouvidos nesta tese, afirma que o processo se tornou mais trabalhoso e complexo. Para ele, a incorpora•‹o da ferramenta no cotidiano dos jornalistas Ž irrevers’vel:

Ð A gente n‹o pode hoje editar um jornal sem olhar para a internet, os sites de not’cia. ƒ um par‰metro important’ssimo de pauta e de edi•‹o.

Se D‡vila alerta para os perigos de uma acomoda•‹o dos editores diante de t‹o vasto card‡pio informativo, Rocha Filho chama a aten•‹o para o risco de os rep—rteres se tornarem mais pregui•osos Ð acentuando os problemas do que j‡ foi chamado de Òjornalismo de sof‡Ó, com a populariza•‹o dos telefones fixos e celulares.

Ð Acho que isso [a internet] facilita [a vida do editor] pelo fato de diminuir a possibilidade de tomar um furo importante. Mas cria, principalmente no rep—rter, [um risco de ficar] pregui•oso, de achar que tudo se resolve num clique. Est‡ acontecendo tal coisa? Ah, o portal tal tem. Mas liga l‡, vai l‡, se vira. Ou ent‹o: Òa PM n‹o p™s [a hist—ria] no portal deles, ent‹o a matŽria n‹o existe.

Ent‹o, na opini‹o do secret‡rio de Reda•‹o do Agora, a internet trouxe Òuma facilidade, que Ž a vis‹o geral que voc• pode ter do seu card‡pio de not’ciasÓ. Por outro lado:

Ð Eu acho que dificultou do ponto de vista da complexidade e da dedica•‹o e do esfor•o. ƒ mais complexo. [Editar] ficou mais trabalhoso. Demanda mais energia do que antes, com certeza. Tem de olhar muito mais coisa e n‹o pode ignorar, n‹o pode ser um editor ilhado. N‹o pode n‹o saber, n‹o cola mais. E [precisa] saber quais s‹o os sites mais confi‡veis.

De novo, o problema da originalidade surge. Como noticiar no jornal impresso um evento j‡ exaustivamente explorado no notici‡rio Òem tempo realÓ do dia anterior?

Ð Tem coisa que dependendo da not’cia Ž explorada ˆ exaust‹o, e o jornal tem de pensar como vai explorar isso no dia seguinte. Est‡ o dia inteiro na internet, todo

mundo vendo, ent‹o como trazer um aspecto novo disso no dia seguinte? ƒ uma preocupa•‹o que acaba passando pela cabe•a da gente por causa da internet. Antigamente voc• n‹o tinha isso.

E mais, o Òtsunami de informa•›esÓ da internet, na met‡fora de Marcos Guterman, faz com que, como tambŽm reportou Suzana Singer, o trabalho do jornalista desprevenido hoje n‹o tenha fim. ƒ preciso, portanto, que o editor tenha critŽrios mais s—lidos, mais convic•‹o e mais seguran•a de suas escolhas ˆ medida que sobre as mesas Ð e telas Ð v‹o se acumulando not’cias (e dados brutos, fragmentos de not’cias).

Sempre fez parte do trabalho do editor estabelecer um deadline e prioridades. Mas, de alguma forma, a situa•‹o se agravou com a internet. Buscar Ð e encontrar Ð informa•›es na internet sobre determinado t—pico pode muito facilmente se revelar um exerc’cio sem fim. Rocha Filho lembra sua experi•ncia em ve’culos impressos prŽ-internet:

Ð Quando eu editei o Not’cias Populares e a Folha da Tarde, em outros momentos, a nossa checagem e controle da informa•‹o eram muito mais simples. Voc• tinha a equipe da Folha, ag•ncias, sucursais, r‡dio, a conversa com rep—rteres. Hoje n‹o tem fim. Voc• elege alguns sites principais, que s‹o par‰metros, o que n‹o pode deixar de olhar. E isso de maneira genŽrica: se voc• leva para editorias espec’ficas, esportes, por exemplo, tem de ver todos os sites de clubes, jornais gringos. ƒ enlouquecedor. ƒ inesgot‡vel. Voc• tem de estabelecer alguns critŽrios, o que tem de ver e n‹o pode deixar de ver, quais informa•›es eu tenho obrigatoriamente que ter. ƒ realmente enlouquecedor. Ajuda voc• a ter controle do que est‡ no jornal e a forma como vai abordar, mas cria uma obriga•‹o e uma sobrecarga ainda maior de estar informado e de decidir o que Ž importante e o que n‹o Ž.

Chefiando uma equipe de 150 jornalistas e acostumado a lidar com os ÒfocasÓ (jornalistas iniciantes), Jo‹o Caminoto, editor-chefe da Ag•ncia Estado, afirma que as rotinas e processos dos jornalistas mudaram tanto que os jovens t•m dificuldade em

imaginar uma reda•‹o prŽ-internet. Ao mesmo tempo, contudo, o ‰mago da fun•‹o do editor, segundo ele, permaneceu est‡vel.

Ð ƒ dif’cil para quem nasce hoje no jornalismo, que est‡ saindo da faculdade, imaginar como era antes da internet. ƒ fascinante, Ž um avan•o para a gente, no sentido de apura•‹o, universaliza•‹o do trabalho, em coisas simples... Eu j‡ fiz bastante coisa na vida, e hoje n‹o vejo o passado com saudosismo. Por mais que a gente reclame, n—s temos um pœblico leitor maior, jovens mais educados, os tablets vendem mais, e a fun•‹o do jornalista continuar‡ sendo importante.

Na sequ•ncia, contudo, Caminoto pondera que a ess•ncia do trabalho do editor Ž a mesma: fazer escolhas. ÒPara o editor, apesar dessa sofistica•‹o, as coisas tambŽm n‹o mudaram tanto: voc• precisa resistir a press›es, tomar decis›es dif’ceis a toda hora e administrar as pessoas, porque o jornalista, emocionalmente, Ž muito inst‡vel, pela pr—pria profiss‹o e pela press‹o di‡riaÓ.

SŽrgio D‡vila, da Folha, relembra a implanta•‹o paulatina dos terminais de computador com acesso ˆ internet no jornal, a partir de meados dos anos 90.

Ð Eu estava na Revista da Folha no fim de 1995, quando o UOL estava sendo criado. Eu recebi dois convites do jornal: um para ir para o UOL, ser gerente de conteœdo, e outro para ser editor da Ilustrada. Naquele momento eu optei pela velha m’dia, e n‹o me arrependo. Eu fui ser editor da Ilustrada. E a’ a internet estava chegando: tinha um terminal de internet para toda a Reda•‹o da Folha. Depois eu lembro que instalaram um terminal para cada editoria. Depois instalaram um por editor Ð ent‹o tinha um para a Reda•‹o em geral, um para cada editoria e um por editor. Isso foi na minha Žpoca como editor da Ilustrada. Quando eu sa’ [para ser correspondente nos EUA], em 2000, j‡ estava disseminado: tanto os terminais como a conex‹o com a internet.

O que mudou? Para D‡vila, especialmente as formas e facilidades de contato Ð tanto com as fontes como entre jornalistas. O resultado disso Ž n‹o apenas mais agilidade, mas, como j‡ mencionado, uma overdose informativa.

Ð Hoje em dia voc• tem uma corrente, um fluxo de informa•›es que chega por cem meios diferentes e Ž inesgot‡vel, n‹o para nunca, n‹o tem um ciclo em que pare de chegar informa•‹o e voc• possa ver o que fazer com aquilo. Ent‹o voc• tem que ser muito mais curador. Se eu tivesse que quantificar eu diria que voc• recebia dez unidades de informa•‹o por hora h‡ quinze anos e hoje recebe 10 mil. Ent‹o voc• tem de ser j‡ no primeiro momento muito mais curador daquele conteœdo do que antes e num segundo momento muito mais ‡gil. A sua reflex‹o tem que ser feita segundo a segundo, n‹o d‡ mais para voc• parar e falar Ôah, isso vou tomar algumas horas para decidir o que fazerÕ. Em algumas horas voc• j‡ perdeu o jogo aqui.

Um ponto-chave do discurso de D‡vila Ž justamente essa transi•‹o do editor- zelador da not’cia para o editor-curador da not’cia. No cen‡rio anterior, argumenta o executivo Ð com o que seus colegas concordam Ð o papel do editor era preponderante na defini•‹o de o que as pessoas leriam ou n‹o no dia seguinte. Na defini•‹o, em suma, do que seria not’cia. Hoje, com a multiplica•‹o das telas, o editor teria diminu’do seu peso nessa atribui•‹o e passado a agir mais como um curador, uma espŽcie de chancelador de quais s‹o as informa•›es/eventos/not’cias mais importantes entre tudo aquilo que o leitor viu nas redes sociais e demais m’dias no dia anterior.

O editor curador, diz D‡vila, Ž, de fato, como o curador de uma exposi•‹o Ð com a diferen•a de que o que est‡ exposto, nas p‡ginas do jornal, s‹o as not’cias consideradas mais significativas naquele dia.

Ð Picasso produziu milhares de obras ao longo da vida. Se eu sou curador da