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OLHARES SOBRE O EDITOR E A CRISE DE PARADIGMAS

2. JORNALISTAS VS INTELECTUAIS

3.1 OLHARES SOBRE O EDITOR E A CRISE DE PARADIGMAS

Uma pista em dire•‹o ˆ confirma•‹o da hip—tese de uma (re)nova(da) era do editor parece residir nas opini›es coletadas entre graduandos em Jornalismo das principais universidades paulistanas, ouvidos nesta pesquisa. Outra pista pode ser depreendida a partir de textos da cultura, entre os quais se destacam produ•›es audiovisuais recentes.

Nos œltimos anos o pr—prio interesse da sociedade sobre a figura do editor parece ter crescido, como parecem apontar os textos da cultura Ð como filmes, novelas e minissŽries de televis‹o Ð que t•m mergulhado nesse personagem. Em sintonia com o fen™meno est‡ um grupo de controle com 812 estudantes de gradua•‹o60 em jornalismo na capital paulista, dos quais 16% manifestaram ter como meta trabalhar como editores Ð ainda que quase 60% n‹o soubessem dizer o que faz um editor de jornal. Esta foi a segunda atividade mais citada pelos alunos, ficando atr‡s apenas da reportagem, que apareceu na enquete com 34% das inten•›es. Na sequ•ncia foram citadas as atividades de assessor de imprensa, produtor de TV, redator, fot—grafo, blogueiro, professor/pesquisador e diagramador, respectivamente.

Questionados sobre quais seriam as fun•›es e virtudes necess‡rias ao editor, os alunos elaboravam respostas como:

ÒCoordenar seus rep—rteres e decidir o que vai ou n‹o ser publicado e como (enfoque, destaque, etc.).Ó

ÒSer bem informado, honesto e n‹o tratar as pessoas como um lixo.Ó

ÒSelecionar imagens; uniformizar textos; fazer os elementos da p‡gina dialogarem entre si; diminuir textos longos demais.Ó

ÒGerenciamento de tudo o que acontece na editora.Ó ÒSaber distinguir quem Ž quem.Ó

ÒLideran•a, organiza•‹o, dominar texto e imagem, conhecimentos gerais.Ó ÒFiltrar, revisar, selecionar, gerenciar.Ó

ÒConhecer seu pœblico.Ó

ÒOrganiza•‹o de pela publica•‹o, coordenar as editorias.Ó

ÒLevar em conta a responsabilidade que sua profiss‹o tem diante da sociedade, responsabilidade, vis‹o ampla.Ó

ÒFiltrar e hierarquizar os fatos, e atribuir-lhes ju’zos de valor.Ó ÒRapidez, pontualidade.Ó

ÒGrande poder de decis‹o.Ó

ÒDeixar os textos claros e simples para o seu leitor.Ó ÒQualidade da escrita.Ó

ÒO editor necessita ter uma boa habilidade em reconhecer talentos, pois alŽm de corrigir e construir o seu trabalho, ele vai aperfei•oar seus subordinados, a fim de melhorar o trabalho como um todo. Ele necessita ser competente. A sua compet•ncia est‡ sendo avaliada, portanto quanto menos erros fizer maior ser‡ seu destaque. Ou seja, tem que saber lidar com press‹o. O trabalho do editor Ž fundamental, independente do ve’culo; pode ser revista, jornal, TV, r‡dio etc. Sem o editor a qualidade cai.Ó

ÒSaber administrar bem os prazos.Ó

ÒProfundo conhecedor de diversos, conhece bem o que deve ser divulgado ou n‹o. Lida bem com pessoas.Ó

ÒRever textos, corrigir erros, saber o que deve e o que n‹o deve ser publicado, fazer uma media•‹o entre a informa•‹o e o pœblico.Ó

Destacam-se, entre alunos de primeiro a quarto ano de importantes faculdades paulistanas, as no•›es mais instrumentais, tŽcnicas, gerenciais, do trabalho de edi•‹o. S‹o recorrentes express›es como gerenciar equipes, corrigir textos, administrar prazos. ƒ visto como um profissional sob o signo da efic‡cia, homem-m‡quina, com inequ’voca capacidade para trabalhar sob press‹o e de ser r‡pido, obedecendo ˆ engrenagem maior que Ž a pol’tica editorial do meio de comunica•‹o em quest‹o.

Mas, muito alŽm do jardim da tŽcnica, outra mudan•a que discretamente Ž operada no mundo do jornalismo parece menos percept’vel e, ao mesmo tempo, muito mais profunda do que a ado•‹o de novos aparatos tecnol—gicos. A figura do editor vive uma crise de paradigmas (na acep•‹o j‡ cl‡ssica de Kuhn61), de certa forma retomando aspectos ligados ao princ’pio da atividade Ð quest‹o que assola n‹o s— o universo do editor, mas tambŽm toda a ci•ncia contempor‰nea62. A mudan•a Ž acentuada, no caso espec’fico do editor, pela internet Ð alŽm de, naturalmente, acompanhar um contexto mais amplo de crise do pensamento moderno. Sobre isso, concordamos com a perspectiva de Dimas KŸnsch, que afirma que Òem si, o fato da exist•ncia de uma crise do pensamento contempor‰neo nem mais precisa hoje ser defendido com o ardor dos primeiros tempos, l‡ onde, no meio da escurid‹o, alguŽm se levantou, ou muitos alguŽns se levantaram, para alertar sobre a aproxima•‹o do fantasmaÓ63.

O fantasma, por sua vez, aparece muito bem expressado nas palavras do soci—logo portugu•s Boaventura de Sousa Santos. ƒ o fantasma do fenecimento de Òum paradigma que se constitui contra o senso comum e recusa as orienta•›es para a vida pr‡tica que dele decorrem; um paradigma cuja forma de conhecimento procede pela transforma•‹o da rela•‹o eu/tu em rela•‹o sujeito/objeto, uma rela•‹o feita de dist‰ncia, estranhamento mœtuo e de subordina•‹o total do objeto ao sujeito (um objeto sem criatividade nem responsabilidade); um paradigma que pressup›e uma œnica forma de conhecimento v‡lido, o conhecimento cient’fico, cuja validade reside na objetividade de que decorre a separa•‹o entre teoria e pr‡tica, entre ci•ncia e Žtica; um paradigma que tende a reduzir o universo dos observ‡veis ao universo dos quantific‡veis e o rigor do conhecimento ao rigor matem‡tico do conhecimento, do que resulta a desqualifica•‹o (cognitiva e social) das qualidades que d‹o sentido ˆ pr‡tica ou, pelo menos, que nelas n‹o Ž redut’vel, por via da operacionaliza•‹o, a quantidades; um paradigma que desconfia das apar•ncias e das fachadas e procura a verdade nas costas dos objetos, assim perdendo de vista a expressividade face a face das pessoas e das coisas onde, no amor ou no —dio, se conquista a compet•ncia comunicativa (...) finalmente, um paradigma que produz um discurso que se pretende rigoroso, antiliter‡rio, sem imagens nem met‡foras, analogias ou outras figuras da ret—rica, mas que, com isso, corre o risco de se tornar, mesmo quando falha na pretens‹o, um discurso desencantado, triste e sem imagina•‹o, incomensur‡vel com os discursos normais que circulam na sociedadeÓ64.

A crise de paradigmas da ci•ncia moderna, em transi•‹o para o que Sousa Santos chama provisoriamente de Òuma ci•ncia p—s-modernaÓ, na falta de nomenclatura melhor, tambŽm acomete o jornalismo? Sem dœvidas. Os estudos em comunica•‹o n‹o escaparam do abalo do edif’cio positivista ocidental. Os pesquisadores mais conscientes do jornalismo j‡ o sabem. E os jornalistas? Parecem chegar ˆ mesma conclus‹o, se n‹o pela via do exame hermen•utico e da reflex‹o rigorosos, pela via do insight criativo e da experi•ncia cotidiana na fun•‹o. ƒ percept’vel entre os entrevistados nesta pesquisa a sensa•‹o de que o editor gatekeeper, que decide que assuntos ter‹o visibilidade, est‡ em franco decl’nio. Sua fun•‹o est‡ em transforma•‹o. Antes de dar voz aos editores, contudo, convŽm um exame mais detalhado sobre o papel do editor nas teorias do jornalismo.